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Diretora-executiva do Alana, Isabella Henriques, aceita convite para participar do governo de transição

Grupo de trabalho do governo de transição na área da infância, do qual a diretora-executiva do Alana fará parte, foi criado para garantir os direitos das crianças

A diretora-executiva do Alana, Isabella Henriques, foi convidada a fazer parte do grupo técnico do governo de transição na área de Direitos Humanos, voltado às infâncias, criado para garantir que sejam assegurados os direitos das crianças, adolescentes e jovens com prioridade absoluta, conforme declara o artigo 227 da Constituição Federal.

Com a lista divulgada nesta semana pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, Isabella passa a integrar o time responsável pela transição do atual governo, Jair Bolsonaro, para o do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. 

Isabella Henriques é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) e conselheira do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, é cofundadora do Advocacy Hub, Global Leader for Young Children pelo World Forum Foundation e Líder Executiva em Desenvolvimento da Primeira Infância pelo Núcleo Ciência pela Infância. Advogada, mestre e doutora em direitos difusos e coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), defendeu, recentemente, a tese “Direitos fundamentais da criança no ambiente digital: O dever de garantia da absoluta prioridade”.

“Espero contribuir para que todas as crianças tenham garantidos seus direitos fundamentais à alimentação, à saúde e à educação. E também que tenham garantidos seus direitos a um meio ambiente equilibrado e ao ambiente digital amigável, de maneira a proporcionarem seu pleno e integral desenvolvimento. Enfim, que as crianças sejam prioridade para o novo governo, em todas as áreas”, comentou a diretora-executiva.

– Leia também: Como as crianças se tornaram prioridade absoluta em nosso país?

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COP 27: governo de transição recebe carta de organizações da sociedade civil sobre o impacto da crise climática às infâncias

Instituto Alana e outras organizações que se mobilizam pela garantia dos direitos das crianças entregam carta a Douglas Belchior e Marina Silva, membros do governo de transição, para que as infâncias brasileiras tenham o direito ao futuro agora no presente

O governo de transição recebeu nesta quarta-feira, 16, na COP 27, a Conferência do Clima da ONU em Sharm el-Sheikh, no Egito, uma carta assinada por organizações da sociedade civil que chama atenção para a vulnerabilidade das crianças diante da emergência climática e para a necessidade de elas serem consideradas em primeiro lugar nas políticas públicas de combate à crise do clima no Brasil. 

A carta, assinada por mais de 40 organizações, dentre elas, o Alana, foi entregue durante o evento “Crianças do sul global são as mais afetadas pelas mudanças climáticas: caminhos e soluções” (assista aqui), no Brazil Climate Action Hub, para dois nomes que compõem o governo de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva: a recém-eleita deputada federal Marina Silva e o professor e representante da Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior. 

As crianças, especialmente as mais vulneráveis, como indígenas, ribeirinhas, negras, quilombolas, rurais, com deficiência, periféricas e meninas, são as mais gravemente afetadas por todas as dimensões da crise socioambiental, defendem as organizações que assinam o texto. 

“Estamos todos vivendo a mesma tempestade, mas não no mesmo barco. (…) As crianças brasileiras precisam de água limpa, ar puro, áreas verdes nas escolas e cidades, moradia segura, saneamento, educação na e com a natureza, transporte sustentável e floresta de pé. Elas precisam ser escutadas e consideradas, com atenção e sensibilidade, para que seus direitos e seu melhor interesse sejam expressos em compromissos concretos e ações climáticas. Elas precisam ser livres para aprender, brincar, experimentar, sonhar e crescer lá fora. Precisamos de mais crianças na natureza e mais natureza para as crianças”, diz o texto da carta.

– Leia também: Mudanças climáticas: o que significam adaptação e mitigação e por que esse tema é importante para as infâncias

O governo de transição é um processo realizado antes da posse do presidente eleito, que assume seu mandato em 1º de janeiro de 2023, para que receba todos os dados e informações necessários para implementar seu novo programa de governo. Grupos técnicos de trabalho, que atuam em temas como combate à fome, direitos humanos e desenvolvimento social, estão sendo formados para debater assuntos ligados à transição. 

Na carta, as organizações ainda defendem que sejam assegurados os direitos das crianças com prioridade absoluta, conforme determina o artigo 227 da Constituição Federal. “Que elas sejam colocadas em primeiro lugar, com prioridade absoluta, em todas as políticas públicas nacionais socioambientais e climáticas. Porque um planeta saudável para as crianças é um planeta saudável para todos nós. E não há nem direitos, nem humanos, sem natureza”.

Leia a carta na íntegra aqui. 

– Leia também: Emergência climática e as infâncias: por um futuro no presente

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O que é racismo ambiental?

Eventos climáticos extremos impactam, especialmente, populações negra, quilombola, pesqueira, periférica, indígena, ribeirinha e, particularmente, suas crianças. O racismo ambiental traz à tona a urgência de buscar soluções para a emergência climática sob uma perspectiva antirracista

Você já notou quais costumam ser as populações mais afetadas pelos efeitos da crise climática? Em diversos lugares do mundo, as populações étnico-raciais em situação de vulnerabilidade geralmente estão entre as principais vítimas das enchentes nas grandes cidades, dos deslizamentos de terras, das secas prolongadas e de outros eventos extremos provocados pelo aquecimento do planeta. Esses impactos, que ameaçam adultos e crianças de formas distintas, estão no centro do que chamamos racismo ambiental.  

O termo foi criado nos anos 1980, pelo ativista afro-americano e defensor de direitos civis Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. Ele desenvolveu o conceito em um momento de manifestações do movimento negro contra injustiças ambientais nos Estados Unidos, fazendo referência à forma desigual com que as comunidades mais vulneráveis ficam expostas aos fenômenos ambientais, bem como estão distanciadas das tomadas de decisão. Desde então, enfrentar as desigualdades socioambientais virou parte importante da luta antirracista.

– Leia também: Como o racismo se revela na crise climática e afeta a infância?

Em 2021, o tema ganhou ainda mais projeção ao ser levado por ativistas aos debates da COP 26, em Glasgow, na Escócia. Lá, representantes dos movimentos negro e indígena do Brasil denunciaram o problema e cobraram ações efetivas dos líderes mundiais, defendendo que não é possível separar a luta ambiental do reconhecimento e respeito aos povos originários e aos mais vulneráveis, e que a justiça climática precisa seguir de mãos dadas com a justiça racial. 

A questão também se expressa nas desigualdades constatadas entre o norte e o sul global, uma consequência dos processos de colonialismo, neoliberalismo e globalização. Ainda hoje, a chegada de grandes empreendimentos aos países do sul global costuma gerar expulsão de populações originárias de seus territórios, destruindo suas culturas e impactando o meio ambiente. 

O racismo ambiental pode ser observado das cidades aos campos. Atravessando essa história de desigualdades, estão as favelas brasileiras, por exemplo. E, embora 84% da população brasileira viva em áreas urbanas, a maioria dos conflitos no país relacionados à justiça climática mais de 60% atinge justamente populações que vivem nos campos, nas florestas e nas zonas costeiras, revela um estudo realizado pela Fiocruz. Nessas áreas, as disputas por recursos naturais estão ligadas à inserção do Brasil no comércio internacional, em geral com práticas ambientalmente agressivas e resultando em impactos diretos nas populações de baixa renda e minorias étnicas.

– Leia também: ‘É na escola que acontecem as primeiras experiências de racismo’

A questão, que atinge especialmente crianças negras, indígenas e quilombolas,  levou mais de 220 entidades da sociedade civil a assinarem um manifesto contra o racismo ambiental na COP 26. Na ocasião, a Coalizão Negra por Direitos lembrou que a crise climática é também humanitária e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e indígenas.

“No Brasil, a maioria populacional é negra e representa, hoje, 56% da população. Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista. É negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome. É negar a violação dos direitos constitucionais de comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas. É negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais”, afirmou a Coalizão no documento.

Mesmo assim, o Brasil não reconheceu o conceito de racismo ambiental na ONU. Em uma sessão do Conselho de Direitos Humanos realizada em 2021, representantes do governo brasileiro questionaram o uso do termo, argumentando que essa não era uma terminologia “internacionalmente reconhecida”. Para o atual governo, a relação entre os problemas ambientais e as questões sociais, como o racismo, devem ter um enfoque “equilibrado e integrado à dimensão social, econômica e ambiental”.

O resultado disso é a falta de informações sobre o racismo ambiental no país, enquanto possíveis soluções costumam ser discutidas apenas superficialmente. É importante que passemos a olhar nosso passado, nosso presente e a chamar as coisas pelo nome que elas têm.

– Leia também: Alana leva a realidade das infâncias frente à emergência climática para a COP 27

Os eventos climáticos extremos impactam a todos, é verdade. Mas não há como negar o recorte persistente e estrutural de quem costuma ser mais afetado. E, nessa teia de vulnerabilidades, as populações negra, quilombola, pesqueira, periférica, indígena e ribeirinha, em especial as suas crianças,  estão pagando mais caro essa conta. É preciso levar as pessoas que sofrem injustiças climáticas ao centro dos processos decisórios. Só assim será possível garantir, no presente, um planeta habitável para as crianças.

– Leia também: Justiça ambiental: crianças são as mais afetadas por degradação

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Proteger a natureza e as infâncias: ações judiciais sobre a crise climática no Brasil

A crise climática é uma crise dos direitos das crianças; por isso, o Instituto Alana participa de ações no STF para garantir, no presente, um futuro para todas as infâncias do país, e para a própria natureza

Nos últimos anos, o Brasil tem visto as queimadas e o desmatamento aumentarem em ritmo acelerado e avançarem sobre vários biomas. Enquanto os órgãos de fiscalização, responsáveis por frear e prevenir esses problemas, sofrem um verdadeiro desmonte, fundos para financiar programas de preservação são paralisados. Esse contexto tem levado o país a judicializar cada vez mais a crise climática. Ou seja, tanto partidos políticos quanto organizações da sociedade civil têm entrado com processos no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar conter os retrocessos na pauta ambiental e proteger a natureza e as infâncias.

– Veja também: As infâncias entre telas e natureza

Em 2022, o STF recebeu sete ações relacionadas à garantia de medidas de preservação socioambiental,  no chamado “pacote verde”. O Instituto Alana participou de três dessas ações como amicus curiae (amigo da corte), com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador. E levou a voz das crianças, que são parte interessada por integrar um dos grupos mais vulneráveis aos efeitos da emergência climática, aos autos do processo. 

“Nesses mais de 400 desenhos e cartas que entregamos às vossas excelências, senhores ministros, as crianças são unânimes em pedir que a natureza seja cuidada e preservada. Para nós, do Alana, proteger a natureza é cuidar das crianças brasileiras com absoluta prioridade”, disse durante sua sustentação oral a advogada Angela Barbarulo, que coordenou o eixo de Justiça Climática e Socioambiental do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

– Leia também: Crianças dizem aos ministros do STF: deem uma chance para a Amazônia!

Não é usual que a mais alta corte do país paute tantas ações sobre o mesmo tema em uma única sessão, mas a gravidade do momento o exige. A taxa de desmatamento na Amazônia subiu 73% de 2019 a 2021, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Governo Federal. O desmatamento e as queimadas se intensificaram, aumentando a poluição do ar e a desestabilização do clima.

Segundo pesquisa do Ibope, 77%  dos brasileiros acreditam que a proteção à Amazônia deve ser prioridade. Ao pautar ações ligadas ao meio ambiente, o STF demonstra estar conectado com os anseios da população do país, e torna-se uma instituição essencial para frear omissões e pressionar governos a protegerem nosso meio ambiente.

– Leia também: A crise é do clima? Ou é nossa?

Reaver recursos do Fundo Amazônia e do Fundo Clima

Um dos processos pautados pelo STF trata sobre investimentos em defesa da Amazônia. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão a ADO 59 foi interposta em razão de o governo federal ter paralisado as atividades e deixado de disponibilizar os R$1,5 bilhões disponíveis no Fundo Amazônia, voltados para financiar projetos de preservação na Amazônia Legal. 

O governo brasileiro tem feito alterações no formato do fundo desde 2019, extinguindo os comitês técnico e orientador e impedindo sua atuação em novos projetos. Diante disso, a ministra Rosa Weber propôs que a União reative o Fundo Amazônia e não faça novas paralisações. A questão foi analisada este mês pelos demais membros da Corte e, por 10 votos a 1, os ministros determinaram a retomada do fundo em até 60 dias.

Dentre as ações do pacote verde do STF, estava também a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, que tratou da não alocação de recursos pelo governo federal, desde 2019, para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima). Em julho deste ano, a maioria dos ministros do STF proibiu o contingenciamento das receitas do fundo e determinou que a União adote as providências necessárias ao seu funcionamento, com a consequente destinação de recursos.

Desmatamento e desmonte da fiscalização

O desmatamento também foi levado para julgamento na Corte. Sete partidos políticos e dez entidades da sociedade civil — entre as quais, o Instituto Alana — ingressaram, em 2020, com a ADPF 760 para pedir na Justiça a retomada do cumprimento de metas estabelecidas pela legislação nacional e acordos internacionais assumidos pelo Brasil sobre mudanças climáticas.

Relatora da ação, a ministra Cármen Lúcia votou para que o STF determine às autoridades brasileiras a apresentação de um plano com metas, ações e dotação orçamentária para retomar atividades de controle e fiscalização ambiental, bem como o combate de crimes na Amazônia, resguardando os direitos dos povos indígenas. Mas o julgamento sobre a matéria foi suspenso por um pedido de vista do ministro André Mendonça.

Os padrões da qualidade do ar que respiramos

A ADI 6148 também foi pautada pelo STF. A ação contesta a Resolução Conama 491, de 2018, que estabelece padrões de qualidade do ar. Segundo o processo, essa resolução não regulamenta de forma eficaz e adequada tais padrões, sendo “vaga e permissiva” e deixando desprotegidos os direitos fundamentais à informação ambiental, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e, consequentemente, à vida. 

O STF não reconheceu a inconstitucionalidade da resolução, mas determinou que o Conama atualize a norma para que ela passe a ter “suficiente capacidade protetiva da qualidade do ar” em até dois anos. Caso não seja feita essa atualização, o país deverá considerar os padrões de qualidade do ar adotados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

O Instituto Alana, por meio do programa Criança e Natureza, atuou como amicus curiae na ADPF 760, ADO 59 e ADI 6148.

– Leia também: As crianças e a natureza nas mãos da Justiça

Brasil também judicializou a crise do pantanal

A crise climática vem provocando desequilíbrios também ao Pantanal, uma área de 150 mil quilômetros quadrados entre o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul, que abriga a maior planície inundável do planeta e representa um complexo com grande biodiversidade. Alvo de incêndios e queimadas, o Pantanal também viu sua própria crise ser levada à Justiça.

Na ADPF 857, quatro partidos políticos pedem um plano e ações para impedir que os incêndios que ocorreram no Pantanal, em 2020, voltem a repetir-se de forma agravada. Eles sustentam que o fogo, além de colocar em risco uma quantidade significativa de espécies de animais silvestres, avançou sobre terras indígenas e provocou imensos prejuízos econômicos, sociais e de saúde pública para esses povos. A situação, segundo argumentam, viola diversos princípios constitucionais.

Há outros processos com objetivo semelhante no STF. As ADPF 743 e 746 também foram impetradas para obrigar o governo federal a cumprir medidas contra o avanço e os efeitos das queimadas que atingem a Amazônia e o Pantanal.

Saúde indígena na pandemia levada à Justiça

Diante da falta de resposta das instituições brasileiras e do avanço da pandemia de covid-19 no país, a necessidade de ações para proteger os povos originários também foi judicializada. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) se juntou a partidos políticos e entidades da sociedade civil e impetrou, no STF, a ADPF 709 com o objetivo de combater a omissão do governo federal no combate à pandemia e cobrar medidas para proteger diversas etnias. A ação pedia, por exemplo, a instalação de barreiras sanitárias em territórios onde vivem povos isolados ou de recente contato, a fim de protegê-los.

– Veja também: Natureza é saúde na infância

Proteger o meio ambiente é proteger o futuro das crianças  

A má gestão socioambiental e climática no Brasil tem exigido ações contundentes da Justiça, especialmente para garantir a proteção de direitos dos mais vulneráveis. Neste grupo estão as crianças e os adolescentes, que sofrem de forma ampliada os efeitos da mudança climática.

A análise de tais ações pelo Supremo deve obrigatoriamente se basear nos direitos das crianças e dos adolescentes previstos no artigo 227 da Constituição, que assegura seu melhor interesse e a absoluta prioridade de seus direitos fundamentais, e também no artigo 225, que atribui o direito ao meio ambiente equilibrado o status de direito fundamental. Na prática, isso significa partir de uma visão de direitos humanos pautada na justiça, no respeito à vida humana e também à não humana, bem como na solidariedade intergeracional.

Proteger a natureza é cuidar das crianças brasileiras, um dever constitucional, uma regra jurídica, imposta a todos nós — famílias, sociedade, empresas e Estado —, e, para isso, o princípio da equidade intergeracional deve ser colocado no centro do debate quando pensamos no nosso futuro comum”, disse Angela Barbarulo.

– Leia também: Alana leva a realidade das infâncias frente à emergência climática para a COP 27

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Mudanças climáticas: o que significam adaptação e mitigação e por que esse tema é importante para as infâncias

Apenas 20% do financiamento público global para o clima está destinado à adaptação; é preciso ir além e garantir ações efetivas para reduzir as vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas, especialmente para os grupos de maior risco, como as crianças

O mundo já vive uma série de efeitos das mudanças climáticas, que atinge bilhões de pessoas. Eventos climáticos extremos, como inundações, ondas de calor e secas prolongadas, ameaçam especialmente as populações mais vulneráveis. E a ponta mais frágil dessa história são as crianças, que veem a crise do clima colocar em risco uma enxurrada de direitos, dentre eles os mais básicos: seu direito à vida e ao desenvolvimento. Meninos e meninas estão classificados entre os mais vulneráveis pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o principal grupo de cientistas do mundo que estudam a crise climática.

É nesse contexto que se torna claro que os passos dados globalmente para conter os efeitos das mudanças climáticas já não são suficientes. Para garantir um planeta habitável para o presente e o futuro das crianças, não basta apenas firmar acordos para mitigar, ou seja, reduzir ou prevenir a emissão de gases de efeito estufa.

Isso porque, embora a mitigação seja uma ação importante e necessária, o mundo vai continuar esquentando mesmo que consigamos estabilizar as emissões. Os efeitos do aquecimento que já ocorreu são reais e estão sendo sentidos por todos ao redor do globo.

Por isso, precisamos ir além da mitigação e, junto com ela, aderir às ações de adaptação (soluções para reduzir danos, riscos e encontrar oportunidades) com mais força. Antecipar os efeitos da emergência climática que já estão ocorrendo e que virão e gerenciar suas consequências são atitudes que podem salvar vidas. 

Precisamos aprender a conviver, por exemplo, com os períodos mais longos de seca e com chuvas mais intensas em algumas regiões, que costumam provocar desastres como deslizamentos e enchentes. Precisamos nos adaptar a esse mundo em aquecimento e proteger os mais vulneráveis, como as crianças.

“Existe a oportunidade de apostar em ações de adaptação que transformem a infraestrutura urbana como as escolas, por exemplo utilizando soluções baseadas na natureza, contribuindo para preparar nossas cidades diante da crise climática, ao mesmo tempo em que se proporcionam ambientes onde as crianças possam brincar, crescer e se desenvolver melhor”, diz Bebel Barros, pesquisadora do programa Criança e Natureza.

– Leia também: ‘A gente não quer ter mais filhos’: é preciso parar o mercúrio

Os impactos do baixo financiamento público destinado à adaptação

Atualmente, apenas 20% do financiamento público global para o clima é destinado à adaptação. Se não houver um aumento significativo desse investimento, milhões de crianças sofrerão impactos irreversíveis que já foram desencadeados.

O Brasil, por exemplo, enfrenta um alto risco de inundação fluvial: em um cenário de altas emissões, projeta-se que, até 2030, mais de 78 mil pessoas possam estar em risco de inundação anual devido às mudanças climáticas.

Essas inundações costumam causar mortes por afogamento e surtos de doenças infecciosas, além de impactar a produção de alimentos e o abastecimento de água. Considerando os efeitos indiretos, podem ainda gerar estresse pós-traumático e deslocamento populacional.

Mesmo assim, não vemos ações efetivas serem tomadas. A Amazônia Legal, por exemplo, uma das regiões que mais chama a atenção do mundo quando o assunto é preservação ambiental, abrange nove estados brasileiros (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso) e nenhum deles possui sistemas de alerta ou planos de contingência permanentes para eventos extremos como enchentes, secas, incêndios florestais e ondas de calor.

– Leia também: A Amazônia é o lugar mais inseguro para ser criança no país

Um fundo para adaptar cidades e casas aos desastres climáticos

Diante de tais fatos, é fundamental que se estabeleçam políticas e fundos específicos para adaptar cidades, casas, escolas e toda a infraestrutura para eventuais desastres climáticos, e se destinem recursos para recuperar as perdas e danos dessas ocorrências, especialmente nos países mais vulneráveis. O tema deverá ser levado para a COP 27, que acontece em 2022 em Sharm el-Sheikh, no Egito. O Alana participa do evento com o objetivo de colocar pautas sobre justiça climática e infância no centro das negociações políticas. 

– Leia também: Campanha #KidsFirst na COP 27

“Nesta COP, serão debatidos avanços na meta global de adaptação e, em um possível fundo para perdas e danos, será necessário garantir medidas específicas para crianças e adolescentes, particularmente nos territórios onde moram, estudam e circulam, de modo a serem vistos e protegidos em primeiro lugar frente aos desastres climáticos. Os Estados devem colocar os direitos e as vozes das infâncias no centro de sua ação climática para motivar ações urgentes de mitigação, adaptação e financiamento”, defende JP Amaral, coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

A chamada Meta Global de Adaptação (GGA, a sigla em inglês para Global Goal on Adaptation) foi definida no Acordo de Paris com o objetivo de aumentar a capacidade de adaptação e resiliência global e reduzir as vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas. Um comitê de adaptação tem sido responsável por revisar o GGA e auxiliar os Estados-membros nas ações para avançar em direção à adaptação climática.

Em 2021, a COP 26 estabeleceu um programa de trabalho abrangente de dois anos entre Glasgow e Sharm el-Sheikh sobre a meta global de adaptação. Neste ano, entidades devem cobrar novas prioridades ao programa, como, por exemplo, o foco em serviços sociais que atendam crianças e comunidades de maior risco e o fortalecimento de dados e mecanismos de monitoramento para rastrear ou medir a resiliência dos serviços essenciais.

– Leia também: “A natureza está gritando, pedindo ajuda. Precisamos ouvir”

Secas, inundações, ondas de calor e eventos climáticos extremos atingem diretamente um amplo espectro de direitos das crianças, como seu direito à saúde e educação. Mas esse não precisa ser o futuro das crianças ao redor do mundo. Para que haja uma mudança de rumo, os países precisam inserir os direitos e as vozes das crianças no centro de sua ação climática, motivando ações urgentes de mitigação, adaptação e financiamento.

A rápida redução de emissões ainda deve ser priorizada enquanto a capacidade para a adaptação é radicalmente reforçada e medidas são postas em prática para proteger as crianças e seus direitos, inclusive em casos de perdas e danos. Avançar nesse sentido é bom para as crianças e para o planeta.

– Leia também: Pesquisa inédita mostra a percepção das crianças sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas

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Alana leva a realidade das infâncias frente à emergência climática para a COP 27

Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP 27, acontece em novembro em Sharm el-Sheikh, no Egito; participação do Alana no evento busca levar as crianças ao centro das negociações climáticas, com atenção especial às infâncias brasileiras e do sul global

As crianças, um dos grupos mais impactados pela emergência climática, precisam ter voz e protagonismo nas políticas ambientais e, ao construirmos um mundo melhor para elas, construiremos um mundo melhor para todas as pessoas. Sob essa perspectiva, o Alana  desembarca no Egito, neste mês de novembro, para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), uma conferência anual promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para amenizar os impactos das mudanças climáticas a partir de mecanismos que possam ser aplicados globalmente. 

A conferência, da qual costumam participar chefes de Estado, empresas, tomadores de decisão e ativistas, acontece anualmente desde 1995. Em 2020, o evento foi suspenso devido a pandemia de Covid-19. Foram as COPs que resultaram em alguns dos acordos ambientais mais importantes da história, como, por exemplo, o Acordo de Paris, que, entre outros pontos, tem o objetivo de manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2°C. 

“A missão do Alana é promover e proteger os direitos das crianças com absoluta prioridade. Nosso objetivo principal na COP é advogar para colocar os direitos das crianças no centro do debate das discussões climáticas para defender o seu direito à vida e ao meio ambiente equilibrado e saudável”, explica Laís Fleury, Diretora de Relações Internacionais da Alana Foundation. 

Crianças no centro das negociações da COP

A COP 27 começou no dia 6 de novembro, em Sharm el-Sheikh, no Egito, e deve trazer debates intensos sobre financiamento climático, adaptação climática e compensação por perdas e danos (medidas para reparar pessoas impactadas por consequências de extremos climáticos, como inundações), além de, mais uma vez, buscar meios para limitar o aquecimento global a no máximo 1,5ºC. Nessas discussões, o Alana espera levar as crianças ao centro das negociações, com atenção especial às infâncias do Brasil e do sul global.

– Leia também: ‘Precisamos garantir que crianças tenham um futuro no presente’

Essa é a segunda vez que a organização participa da conferência da ONU. Em 2021, o Alana esteve na COP 26, em Glasgow, na Escócia, participando de intervenções urbanas, painéis e rodas de conversa. O programa Criança e Natureza levou para a cidade a Bolha Cinza da campanha Livre Para Brincar Lá Fora, que dá visibilidade ao problema da poluição do ar e convida famílias a se engajarem em ações por ar limpo para crianças em todo o mundo. Também participou da roda de conversa “Justiça climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável”, sobre as injustiças que estruturam o tema das mudanças climáticas. 

O Lunetas, site de jornalismo dedicado ao mundo das infâncias, apresentou os impactos da emergência climática sobre as infâncias brasileiras no painel “As vozes das múltiplas infâncias sobre emergência climática: por um futuro no presente”, e a Alana Foundation fez parte da mesa “Parem de queimar o Pantanal e a Amazônia”, que abordou a importância de manter a floresta em pé, preservar a biodiversidade e reduzir drasticamente as queimadas e as emissões de CO2.

Isso porque são as crianças que formam um dos grupos mais vulneráveis à crise do clima. Elas são as que mais sofrem seus efeitos, ao terem seu desenvolvimento afetado e seus direitos violados por consequências que vão dos desastres naturais à escassez de água e comida. 

Para se ter uma ideia, mais de uma em cada quatro mortes de crianças menores de 5 anos está direta ou indiretamente relacionada a riscos ambientais. Além disso, aproximadamente 1 bilhão de crianças e adolescentes vivem em um dos 33 países classificados como de risco extremamente elevado, inclusive o Brasil. Por isso, a importância de medidas reforçadas e específicas. 

Plano para garantir justiça climática para as crianças

Integrar os direitos das crianças nas negociações climáticas é fundamental. Para isso, é importante que os participantes da COP 27 desenvolvam um plano adequado de ação para garantir a justiça climática para as crianças. O Children Action Plan (Plano de Ação para Crianças), inspirado no Gender Action Plan (Plano de Ação de Gênero), é uma das iniciativas que visa promover o conhecimento e a compreensão da ação climática que sejam sensíveis às crianças e sua integração coerente na implementação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).

Outro ponto importante para a rodada de negociações é aumentar e acelerar o investimento em adaptação responsiva a crianças e jovens na redução de riscos de desastres e em medidas de mitigação. Há uma necessidade urgente de se alcançar crianças em maior risco e defender critérios sensíveis a elas na integração dos fundos multilaterais. 

Durante a COP 27, o Alana buscará garantir que a proteção das crianças esteja presente nos resultados obtidos pelos workshops previstos do Glasgow-Sharm el-Sheikh work programme, um programa de trabalho de dois anos entre Glasgow e Sharm el-Sheikh sobre a meta global de adaptação que foi firmada na COP 26, e estabelecer diretrizes para os planos nacionais dos países com ações de adaptação centradas nas crianças.

Além disso, o Alana, junto com diversas organizações internacionais, está à frente de um movimento chamado “Children First Climate Movement” (Movimento Climático Crianças em Primeiro Lugar, em tradução livre) para incluir os direitos das crianças nos resultados das negociações climáticas.

Empoderar a sociedade com educação ambiental

O Acordo de Paris, estabelecido na COP 21, em 2015, trouxe diretrizes para empoderar a sociedade para a ação climática por meio de educação, treinamentos e outras medidas. Na conferência de 2021, os países avançaram na intenção de promover esse empoderamento por meio do Glasgow Work Programme on Action for Climate Empowerment (em tradução livre, Plano de Trabalho de Glasgow para Ações de Empoderamento Climático), que estabelece medidas de coerência política, ação coordenada, monitoramento e avaliação. 

As primeiras sessões do Action for Climate Empowerment (ACE) realizadas em julho deste ano em Bonn, na Alemanha, foram direcionadas para a juventude, com recomendações específicas e pontuais para as crianças, como, por exemplo, treinamentos de educação e comunicação sobre o clima. Agora, na COP 27, o tema deve ser novamente levantado com o objetivo de incorporar recomendações sobre proteção das crianças e promover workshops que discutam equidade intergeracional e educação em contato com a natureza.

– Leia também: 13 projetos sobre meio ambiente criados por crianças e jovens

Crianças como prioridade nos mecanismos de financiamento climático e perdas e danos

Nenhum mecanismo financeiro estabelecido na COP até hoje conta com recursos direcionados para a proteção das crianças, embora em alguns deles haja menção das necessidades e prioridades das infâncias em determinadas políticas. Por isso, o Alana sugere que a COP 27 crie a definição de “financiamento climático sensível à criança” no Standing Committee on Finance, um comitê permanente de finanças criado com o objetivo de auxiliar a COP a melhorar a coordenação financeira de ações relacionadas à mudança climática.

A organização também defende incluir o melhor interesse das crianças no New Collective Quantified Goal on Climate Finance (Nova Meta Quantificada Coletiva sobre Finanças Climáticas), destinando recursos e a proteção das crianças a favor dos países em desenvolvimento. Um dos objetivos é viabilizar, até 2025, um fundo com piso de 100 bilhões de dólares por ano, levando em conta as necessidades dos países em desenvolvimento. Além disso, outro ponto é que qualquer avanço em um acordo de perdas e danos deve ter uma perspectiva sensível para as crianças, já que são elas as mais impactadas por essas mudanças.

Respeito à equidade de gênero, em especial de meninas

Nos programas definidos em conferências anteriores (como, por exemplo, o Gender Action Plan, o Plano de Ação de Gênero do UNICEF), as meninas são mencionadas apenas em pontos relacionados à participação e liderança superficiais em alguns eventos. É preciso avançar para garantir que meninas e jovens de comunidades vulneráveis atuem nas tomadas de decisão. Outro ponto importante é demandar que os países reportem suas medidas efetivas para a equidade de gênero e desenvolvam um relatório nesse sentido.

– Leia também: A igualdade de gênero pode ajudar a combater a crise climática

Crianças como prioridade nas discussões sobre oceanos 

Na COP 26, os Estados firmaram um pacto para fortalecer as ações relacionadas à proteção dos oceanos e preparar um relatório de síntese informal para os países, a ser apresentado na COP 27. O diálogo incluiu a juventude, mas as questões relacionadas à garantia dos direitos humanos não tiveram forte presença. Agora, é preciso solicitar aos países que priorizem ações para os oceanos que também protejam os direitos das crianças. 

Nesse sentido, é importante estabelecer diretrizes para adaptação relativas aos oceanos para fortalecer a resiliência de comunidades costeiras e de pescadores e, consequentemente, de suas crianças; mitigar perdas e danos, em especial ao que se refere à acidificação de oceanos como um impacto de longo prazo às crianças; e solicitar um relatório específico de infância e clima no contexto dos oceanos.

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Participação das crianças na COP 27 e seus mecanismos

As vozes das crianças devem ser ouvidas por meio de sua participação significativa no trabalho dos membros da UNFCCC. É assim que os resultados vão refletir suas preocupações, perspectivas e ideias. Além disso, os Estados membros devem buscar a colaboração e a contribuição de órgãos e especialistas em direitos humanos e das crianças.

O Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas tem dado um passo significativo para responsabilizar os governos a garantir que as crianças vivam em um mundo limpo, verde, saudável e sustentável, fornecendo orientações sobre como os direitos das crianças são impactados pela crise ambiental e o que os governos devem fazer para defender esses direitos.

Esse esforço deve ser usado como ferramenta para alinhar as políticas construídas pela UNFCCC, trazendo a importância do Comentário Geral 26 para dentro das negociações climáticas, cuja elaboração contou com a participação do Instituto Alana e trata sobre os direitos da criança e o meio ambiente, com foco especial nas mudanças climáticas.

“Em 30 anos da UNFCCC, nunca tivemos um acordo específico para o direito das crianças à justiça climática. O Comentário Geral 26 pode trazer uma base sólida de recomendações para que saia um compromisso das nações para combater a crise climática, colocando a criança em primeiro lugar”, comenta JP Amaral, coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

Diante de tantos objetivos e das urgências de avanço no combate à crise climática, colocar as crianças e seus direitos no centro de todos os processos e negociações permitirá um processo mais cooperativo em todas as áreas, como mitigação, adaptação, financiamento e perdas e danos. Um clima saudável para as crianças é um clima saudável para todos.

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Por que a emergência climática é uma crise dos direitos das crianças?

Embora seja o grupo que menos contribua para as mudanças climáticas, as crianças são as mais vulneráveis aos efeitos dessa crise, direta ou indiretamente. Hoje, quase todos os meninos e meninas do planeta estão expostos a pelo menos um risco ambiental decorrente da emergência climática

A emergência climática é uma crise dos direitos das crianças. São elas as que mais sofrem os seus efeitos ao terem seu desenvolvimento afetado e direitos violados por consequências que vão dos desastres naturais influenciados pelas mudanças climáticas à escassez de água e comida. Representando um terço da população global, as crianças vão sofrer por mais tempo as consequências da crise do clima sobre o seu futuro. E já veem ameaças no progresso, conquistado a duras penas, na garantia de seus direitos básicos. Por isso, precisam estar no centro do pensamento das políticas públicas de combate à crise.

Quase todas as crianças do planeta estão expostas a pelo menos um risco climático e ambiental, segundo um relatório publicado em 2021 pelo UNICEF, um fundo criado pela ONU para promover os direitos e o bem-estar de crianças e adolescentes em todo o mundo. Ao todo, conforme o documento, um bilhão das crianças do mundo, cerca de metade da população infantil mundial, vivem em países de risco extremamente alto, ou seja, estão altamente expostas a perigos e estresses climáticos e ambientais.

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Crianças têm direito à moradia digna, mas desastres naturais como inundações, cada vez mais frequentes, estão destruindo suas casas. Crianças têm direito à água e à alimentação, mas eventos climáticos extremos, desertificação e seca trazem escassez de água e de comida.

“As crianças, por estarem em um período peculiar de desenvolvimento e formação, são extremamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. Eventos climáticos extremos prejudicam diretamente um amplo espectro de direitos das crianças, incluindo seu direito à sobrevivência e ao desenvolvimento”, comenta Laís Fleury, Representante de Relações Internacionais da Alana Foundation. 

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Para se ter ideia do tamanho do problema, até 2030, as mudanças climáticas devem gerar 95 mil mortes a mais de crianças menores de cinco anos a cada ano por conta da desnutrição, segundo estimativas da ONU. 

Enquanto isso, o aumento das temperaturas vai elevando a incidência de doenças transmitidas pela água e por vetores, como malária, dengue, febre e diarreia. 80% das pessoas que morreram por malária em 2014 eram crianças, segundo o UNICEF. 

A crise impacta os mais básicos direitos infantis de sobreviver e de prosperar, de maneira que reduzir os riscos ambientais poderia evitar a morte de uma em cada quatro crianças no mundo, aponta a ONU. O cálculo leva em consideração um cenário em que esses riscos representam 25% da carga de doenças em crianças de até cinco anos. Trata-se, portanto, de um grave problema de saúde global.

Na prática, também assistimos os efeitos da emergência climática ameaçarem a educação. Se, por um lado, os eventos climáticos extremos estão destruindo escolas, por outro, a dificuldade de acesso à saúde e à alimentação afetam o desenvolvimento infantil e a capacidade de aprendizagem. Soma-se a isso a perda de renda familiar devido ao estresse climático, que empurra crianças à necessidade de ajudar nas tarefas domésticas e a trabalhar, aumentando o combo de violação de seus direitos.

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A vulnerabilidade das crianças na crise climática

Meninas, crianças pobres, indígenas, com deficiência e outras minorias são as primeiras e mais afetadas pelas mudanças climáticas. A emergência ainda tem levado famílias a migrarem, elevando o grupo de crianças em movimento para a travessia de fronteiras, muitas vezes distantes da escola e submetidas ao trabalho infantil.

Embora seja o grupo que menos contribua para a emergência climática, as crianças são as mais vulneráveis aos efeitos da crise, direta ou indiretamente. Por ter menos capacidade de regular sozinho sua temperatura corporal, quem tem até 5 anos de idade estará mais suscetível a ondas de calor tão extremas às quais, segundo estudos, 75% da população mundial estará exposta em 2100 que poderão até causar mortes.

Apesar das evidências das graves consequências das mudanças climáticas para as crianças, elas ainda são pouco ouvidas pelas estruturas internacionais e nacionais que trabalham a questão. 

Nesse contexto, promover a educação ambiental é essencial. As crianças precisam ser apoiadas para se protegerem das ameaças relacionadas ao clima e exercerem seu direito de serem escutadas sobre políticas e ações que buscam remediar danos. Elas precisam estar nas principais estruturas de governança climática. 

“Garantir uma educação de qualidade é assegurar que crianças, adolescentes e adultos tenham experiências significativas com e na natureza. Essas experiências podem ocorrer por meio da escola e seus territórios, dando condições para que os estudantes amem e cuidem da vida em todas as suas manifestações. Em perspectiva contextualizada, científica e crítica, a educação, então, deve abordar as questões que influenciam diretamente o presente e o futuro de nossas existências, fortalecendo uma cidadania ambiental e climática de forma transversal e interdisciplinar a todo currículo da escola”, diz Raquel Franzim, Diretora de Educação e Culturas Infantis do Alana.  

Recomendações para o direito a um meio ambiente equilibrado

Com o objetivo de garantir que o direito de todas as crianças e adolescentes a um meio ambiente ecologicamente equilibrado seja garantido com prioridade absoluta, o Instituto Alana, por meio do programa Criança e Natureza, contribuiu com a elaboração do Comentário Geral 26, um documento que cria recomendações e diretrizes para que países, empresas e sociedade garantam os direitos da criança e do meio ambiente, com foco em mudanças climáticas.

Essas recomendações são publicadas pelo Comitê dos Direitos da Criança, composto por 18 especialistas independentes, que monitoram a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU por parte dos Estados. Trata-se do tratado de direitos humanos mais aceito da história, ratificado por 196 países. 

O Comentário Geral 26 traz uma série de alertas. Um deles é sobre o racismo ambiental que coloca crianças e adolescentes do sul global dentre os mais afetados pela crise climática. O termo refere-se à urgência de pautar as causas, consequências e soluções para a emergência climática com uma perspectiva antirracista.

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O documento também destaca a necessidade de tratar os impactos da poluição do ar sobre esse público, de garantir acesso à natureza, à segurança alimentar e à água potável para todas as infâncias e, ainda, orienta para um cuidado especial com os direitos de crianças indígenas e de comunidades tradicionais, o grupo mais afetado pelo desmatamento, pela queimadas, pela contaminação por mercúrio e pelas mudanças climáticas, que perdem, com esse cenário em seu território, seu patrimônio cultural e seu direito à vida.

No Brasil, o desmatamento e as queimadas estão entre os principais fatores de emissão de gases de efeito estufa e afetam diretamente a saúde das crianças. Os picos das queimadas na Amazônia em 2019 ocasionaram na hospitalização de mais de 5 mil crianças por mês nas capitais da região por problemas respiratórios. 

Proteger os territórios dos povos indígenas, além de preservar sua memória e identidade, também é essencial do ponto de vista ambiental e climático. É urgente uma ação agressiva sobre a crise climática ou simplesmente não haverá mundo habitável para as crianças no presente e no futuro.

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O que é Justiça Climática e qual é sua relação com os direitos das crianças?

Populações vulneráveis, como as crianças, são as mais suscetíveis a sofrer as consequências da crise do clima; e a Justiça Climática busca reverter esse cenário ao defender mais investimento, responsabilidade e apoio de países que mais exploram os recursos do planeta 

Justiça Climática é como ficou conhecido o movimento global que busca uma divisão mais justa dos investimentos e das responsabilidades no combate à emergência climática. É entender que o mundo inteiro já sente os efeitos causados pela crise do clima, como o aquecimento que, cada vez mais, gera enchentes, secas severas e ondas de calor. Mas essas consequências atingem de forma muito diferente e desigual tanto as pessoas quanto os países, conforme seus recursos e grau de vulnerabilidade.

Países menos industrializados e pessoas mais vulneráveis, por exemplo, contribuem menos para agravar a crise, mas muitas vezes são os mais suscetíveis a sofrer suas consequências, já que possuem menos estrutura e recursos para enfrentar o problema. Por isso, a Justiça Climática propõe que os que mais exploraram os recursos do planeta invistam mais e auxiliem, com projetos, os que mais necessitam, uma vez que detêm mais infraestrutura e desenvolvimento.

Trata-se de um movimento para tentar garantir justiça global para a população vulnerável aos impactos das mudanças climáticas que geralmente é esquecida: pobres, mulheres, crianças, negros, indígenas, imigrantes, pessoas com deficiência e outras minorias marginalizadas em todo o mundo. Dessa forma, a Justiça Climática se pauta pela garantia e proteção dos direitos humanos e na confiança de que o trabalho em comunidade é a maneira mais eficaz para assegurar o presente e o futuro das próximas gerações. 

“Justiça Climática é reconhecer que a crise climática afeta de forma diferente grupos e comunidades diferentes. Quanto mais vulnerável uma comunidade, mais afetada ela é. Esse movimento global busca, portanto, trazer soluções de forma equitativa para grupos que mais sofrem a crise decorrente das mudanças climáticas”, comenta Pedro Hartung, Diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Alana.

Por isso, é importante que as decisões sobre mudanças climáticas sejam participativas, transparentes e responsáveis, e que estejam sempre em busca de igualdade e equidade de gênero, assim como de partilha dos benefícios e encargos equitativamente, como defende a Fundação Mary Robinson – Justiça Climática, um centro de liderança que luta para garantir essa justiça global. 

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Meio ambiente saudável agora é um direito humano 

A própria Organização das Nações Unidas (ONU) declarou, em julho deste ano, que o meio ambiente saudável é um direito humano, marcando um passo importante na ação contra o acelerado declínio do mundo natural. A resolução animou defensores do meio ambiente que acreditam na importância de impulsionar cada vez mais países a levarem o espírito dessa mensagem às suas leis constitucionais e aos tratados regionais.

“A resolução transmite a mensagem de que ninguém pode tirar de nós a natureza ou o ar e água limpos, nem nos privar de um clima estável. Ao menos, não sem luta”, defendeu na época Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). 

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O direito constitucional ao clima no Brasil

Desde 1988, o Brasil reconhece o clima como um direito constitucional. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, estabelece o artigo 225 da Constituição Federal.

A legislação prevê ações como definição de territórios,  proteção da fauna e da flora nacional, além da promoção da educação ambiental. A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são considerados patrimônios nacionais, por isso, sua utilização deveria acontecer em condições que assegurassem a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais.

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Mas, na prática, não é o que vem acontecendo. Nas últimas décadas, especialmente nos últimos anos, o  país tem visto o desmatamento e as queimadas avançarem sobre a floresta amazônica e outros biomas. A taxa de desmatamento na Amazônia subiu 73% em três anos (de 2019 a 2021), segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Governo Federal.

Portanto, para a Justiça Climática, é preciso enfrentar a crise climática agora, com medidas concretas para preservar e proteger os direitos das gerações futuras. É preciso, ainda, avançar e garantir o cumprimento das leis já existentes nos países para limitar a poluição, proteger a natureza e combater a mudança climática. 

Nesse processo, crianças e adolescentes, os que mais sofrem e sofrerão com os efeitos das mudanças do clima, devem ser colocados em primeiro plano, e seu direito à participação, tanto para ouvir os problemas quanto para encontrar soluções, deve ser garantido. A Justiça Climática requer uma ação conjunta para preservar o planeta.

“A crise climática na infância não é um conceito abstrato, mas sim algo vivido no corpo, no cotidiano e na subjetividade de bilhões de bebês e crianças no mundo. Precisamos criar caminhos sensíveis, profundos e éticos de escuta para acessar o que elas têm a nos dizer a partir de seus sentimentos e dizeres mais profundos, não apenas para garantir o seu direito à participação nos temas que lhe dizem respeito, mas, sobretudo, porque as crianças nos ensinam como sociedade a perceber o mundo sob outra perspectiva”, argumenta Ana Claudia Leite, assessora de educação e infância do Instituto Alana. 

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História do habeas corpus coletivo pelo fim da superlotação no sistema socioeducativo é contada em livro

O cenário de violações de direitos de adolescentes em privação de liberdade é um desafio a ser superado no sistema de justiça juvenil e no sistema socioeducativo brasileiros, ainda que os direitos desse público sejam garantidos com absoluta prioridade na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outras leis nacionais e convenções internacionais.   

Nesse contexto, com a intenção de promover e registrar um momento histórico na luta pelos direitos desses adolescentes e, especificamente, celebrar a conquista alcançada com o Habeas Corpus (HC) coletivo nº 143.988, o Instituto Alana lança a publicação “Pela dignidade: a história do habeas corpus coletivo pelo fim da superlotação no sistema socioeducativo”, que resgata a persistência de órgãos do sistema judiciário, como as defensorias públicas, e da sociedade civil na busca por alcançar essa realidade.

Em agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, no julgamento do referido HC, o fim da superlotação em unidades socioeducativas em todo o país, uma decisão que reconhece que toda a população dessa faixa etária deve ter seus direitos fundamentais assegurados

O processo foi levado à corte pela Defensoria Pública do Espírito Santo para questionar a superlotação no estado e, posteriormente, foi estendido aos demais estados brasileiros. A ação contou com a participação de diversas organizações da sociedade civil como amicus curiae (amigo da corte), como Instituto Alana, Conectas Direitos Humanos, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). 

Para o Instituto Alana, entre as decisões recentes do STF, o HC 143.988 é, provavelmente, um dos julgados mais importantes sobre direitos de crianças e adolescentes nas últimas décadas. “O entendimento do STF fortalece a jurisprudência da Suprema Corte no reconhecimento do dever constitucional de garantir os direitos de crianças e adolescentes com prioridade absoluta e afasta o sistema socioeducativo de uma lógica punitivista. A decisão abre caminhos para a qualificação da política e para que outras alternativas sejam pensadas, como o cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto e, principalmente, o fortalecimento de políticas de prevenção para impedir que meninas e meninos cheguem no sistema socioeducativo”, comenta Pedro Mendes, advogado do Instituto Alana.

Entre as vitórias da decisão, está a exigência de que os estados adotem as alternativas que forem necessárias para impedir a superlotação, o que culminou na criação de sistema de central de vagas em diversos estados, de modo que se tenha uma pessoa por vaga. Assim, para admitir uma nova internação, seria preciso liberar a vaga de um adolescente.

O racismo e as desigualdades sociais, econômicas e de gênero são situações estruturais refletidas no perfil de adolescentes das unidades socioeducativas do país: 59% são negros, 81% de suas famílias têm renda salarial entre “sem renda” e “menos de um salário mínimo” e 72% dessas famílias têm entre quatro a cinco membros, segundo Levantamento Anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que trazem dados de 2017.

Em sua maioria, tais ambientes são superlotados, insalubres, com alimentação inadequada e insuficiência de condições mínimas de higiene e habitabilidade. Como afirmam as advogadas Mayara Silva, Thaís Dantas, Letícia Carvalho e Laura Gonzaga em artigo na publicação, a compreensão do STF sobre a superlotação é paradigmática “por reafirmar que as situações de insalubridade e violação de direitos causadas pela superlotação são especialmente graves no contexto da infância e da adolescência, tendo em vista a especial condição de desenvolvimento dessa população. O propósito socioeducativo da medida de internação não pode ser observado se não há condições materiais, humanas e estruturais mínimas que garantam a preservação mais básica dos direitos de adolescentes e jovens, e essa deturpação de propósito gera danos irreversíveis a pessoas ainda em formação”. 

O Defensor Público do Estado do Espírito Santo, Hugo Fernandes Matias, observa que “a decisão proferida pelo STF nos autos do HC 143.988 contempla a maior política pública para a promoção de direitos fundamentais de adolescentes e jovens privados de liberdade desde o estabelecimento do ECA. Aliás, somente após a intervenção da Suprema Corte podemos falar que o sistema socioeducativo nacional observa os parâmetros da Constituição de 1988. Sem dúvida, trata-se de decisão singular, com possibilidade de servir de parâmetro inclusive para outros países da América Latina”. E acrescenta: “o consórcio entre entidades de defesa de direitos de crianças e adolescentes, defensorias públicas e sociedade civil em geral foi fundamental para o sucesso do processo junto ao STF”. 

O livro conta com uma reportagem sobre a superlotação no sistema socioeducativo e diversos artigos que incluem reflexões de especialistas do Instituto Alana, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e da Conectas Direitos Humanos, além da OAB/RJ, das Defensorias Públicas dos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Sergipe e do Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias estaduais e distrital. 

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Parlamentares ignoram o ECA e mantêm teor punitivista em 72,5% das proposições sobre atos infracionais, mostra pesquisa

Relatório Discursos parlamentares sobre adolescência e ato infracional, realizado pelo NEV-USP, com apoio do Instituto Alana, revela que, em 30 anos, o punitivismo deu o tom das proposições parlamentares, tendo a maioria como objeto a redução da maioridade penal e o aumento do tempo de internação de adolescentes

Adolescentes são sujeitos de direitos que estão em condição especial de desenvolvimento. Esse entendimento, sustentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ampara a necessidade de protegê-los contra qualquer ação que os prejudique. No entanto, em um período de 30 anos, 72,5% das proposições apresentadas por parlamentares no Congresso Nacional referentes a adolescentes a quem se atribui a prática de atos infracionais têm teor punitivista. Ou seja, um ideal que aposta em penas duras e prisão como forma de punir quem é acusado de atos considerados ilícitos.

Esse dado faz parte da pesquisa Discursos parlamentares sobre adolescência e ato infracional, realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), com apoio do Instituto Alana, que mostra como as propostas legislativas refletem questões a respeito do tratamento de adolescentes envolvidos em supostos atos infracionais. 

O estudo faz uma análise quantitativa e qualitativa das propostas de alteração legal apresentadas no Congresso Nacional entre 1990 e 2020, partindo de buscas nos sites oficiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Para a pesquisa, foi selecionado um conjunto de palavras-chave – como “sistema socioeducativo”, “adolescente infrator” e “adolescente em conflito com a lei” – que permitisse identificar todas as proposições legislativas federais que abordam, centralmente ou não, temas relacionados a esses adolescentes. 

Ao todo, foram identificadas 338 proposições. Das proposições analisadas, 244 são de teor punitivista. Enquanto 29,3% referem-se ao aumento do tempo de internação e 24,3% à redução da maioridade penal, apenas uma pequena parte do total são as que propõem medidas justificadas pelo propósito de garantir os direitos dos adolescentes, como as relacionadas à proibição de revista vexatória em unidades de internação (0,9%) e a projetos que ampliam as garantias processuais e os direitos individuais dos adolescentes (2,7%).

“Com relação às propostas de redução da maioridade penal, identificamos 82, no total. A PEC em tramitação sobre esse tema é de 1993, então percebe-se que é um tipo de proposta antiga, orientado por um modelo utilizado para as políticas penais voltadas aos adultos, não sendo eficiente no que diz respeito à garantia da segurança da população e à redução da criminalidade”, comenta Bruna Gisi, coordenadora da pesquisa.

Antes do ECA, o Sistema de Justiça Juvenil era pautado pelo Código de Menores de 1979, promulgado durante a ditadura militar. A partir de 1990, com a regulamentação do Estatuto, o Brasil alinhou-se ao que estabelece a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, de 1989, e os adolescentes passaram a ser considerados sujeitos que devem ter direitos fundamentais assegurados e tratados com prioridade na formulação de políticas públicas.

“Debates públicos sobre os modos de tratamento de adolescentes, especialmente quando se atribui a prática de atos infracionais, seguem permeados por embates acirrados entre uma perspectiva punitivista e uma garantidora de direitos, especialmente quando surgem casos de grande repercussão midiática. E uma das esferas em que se pode observar essas disputas é a arena legislativa”, comenta Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana.

Do total das proposições, no que diz respeito às casas legislativas, 83,7% são de autoria de deputados e 16,3% de senadores. A maior parte das proposições sobre os temas relacionados aos adolescentes a quem se atribui a prática de atos infracionais são de partidos considerados de direita (45,3%), contra 24,4% de partidos do centro e 24,4% de esquerda. Além disso, os estados do sudeste concentram a maioria dos casos: parlamentares de São Paulo foram responsáveis por 21,3% das proposições e os do Rio de Janeiro formularam 13,9% das propostas, concentrando quase 50% das proposições. 16% das proposições são de autores do centro-oeste, 14,8% do sul, 12,7% do nordeste e 6,5% da região norte.

Na análise da série histórica, também se observa um crescimento significativo ao longo dos anos analisados pela pesquisa. Ainda que não ocorra um crescimento contínuo ano a ano, se considerarmos a evolução em períodos de cinco anos, a curva indica um crescimento. Somente o intervalo entre 2015 e 2020 concentra 35,6% de todas as proposições.

“Com essa publicação, buscamos dar luz à garantia dos direitos dos adolescentes a quem se atribui a prática de ato infracional, refutando premissas equivocadas que sustentam grande parte desses projetos de lei e reforçando a necessidade de uma justiça especializada que possa, além de responsabilizar, promover os direitos desses adolescentes”, diz Cifali.

Baixe a publicação na íntegra aqui. 
Baixe o sumário-executivo com o resumo da publicação aqui