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Uma joaninha aparece em destaque nas pontas do dedo de uma criança

 “Eu fiz um pato joinha que faz as pessoas ficarem felizes… algumas pessoas toda hora fica triste… coisas… ruim… lembra de coisa ruim… [sic] eu toda hora lembro de uma coisa ruim… uma coisa triste… aĂ­ o pato joinha deixa as pessoas felizes”.
– Menino de BrasĂ­lia, de 5 anos. 

Quais são os sentimentos das crianças sobre o meio ambiente e quais são as possíveis soluções que elas veem para melhorar a relação das pessoas com a natureza? Para algumas, como o menino que criou o “pato joinha”, o problema no planeta é da ordem da tristeza. Colocar-se no lugar do outro, ter mais empatia, poderia reordenar o comportamento humano para superar a ameaça à vida e à natureza. 

Outra parte do pĂşblico infantil acredita que o problema Ă© de natureza estrutural, que se propaga em rede e reverbera no conjunto da vida, pois tudo está interligado. Um menino de 7 anos de SĂŁo Paulo, por exemplo, fez um desenho em que um monstro contamina raĂ­zes. “(…) Ele mata pegando vocĂŞ pela raiz e te enforcando pela raiz… eu tĂ´ com a espada na mĂŁo lutando com o monstro que começou a contagiação… [sic] e tambĂ©m dá pra contagiar qualquer coisa, tipo essa lua aĂ­… virou monstro tambĂ©m… ele está contaminando tudo… como essa lua que tambĂ©m tá virando mutante… nascendo um tentáculo dela”. 

Ainda, há crianças que imaginam artifĂ­cios para se proteger das catástrofes da crise climática, como as construções de abrigos, a exemplo das arcas de NoĂ©. Em SĂŁo Paulo, trĂŞs crianças construĂ­ram uma torre, uma espĂ©cie de arca, que abriga possibilidades de sobrevivĂŞncia, inclusive “sementes do futuro” para a continuidade da vida na Terra.

Percepções como essas fazem parte de uma pesquisa de escuta de crianças sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas realizada pelo Instituto Alana, por meio de Ana Cláudia Leite e Gandhy Piorski, com o apoio da Fundação Bernard Van Leer. As escutas também abrangeram temas acerca da cidade, em especial sobre sua relação com o brincar ao ar livre e a mobilidade. 

Entre 2018 e 2020, os pesquisadores realizaram oficinas de escuta com meninos e meninas com e sem deficiência, de 4 a 12 anos, e de diferentes condições socioeconômicas, étnicas e raciais, feitas em cinco cidades brasileiras, de todas as regiões do país: Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Brasília (DF), Recife (PE) e Boa Vista (RR). 

Buscamos criar um mĂ©todo de escuta sensĂ­vel que parte das linguagens e expressões das crianças e busca alcançar o que elas tĂŞm de mais profundo e inspirador para o mundo: sua imaginação. Assim, como adultos, temos a oportunidade de perceber as infâncias e os temas propostos a partir de outra perspectiva”, ressalta Ana Cláudia Leite, assessora de infância e educação do Instituto Alana.

O resultado desses encontros Ă© apresentado em dois sumários executivos, “Por um mĂ©todo de escuta sensĂ­vel das crianças“, que apresenta a metodologia autoral construĂ­da pelos pesquisadores a partir de uma concepção de escuta que privilegia as mĂşltiplas linguagens e o imaginário das crianças, e “Escuta de crianças sobre a natureza e as mudanças climáticas“, cujo conteĂşdo traz as produções e narrativas das crianças que dialogam com a questĂŁo ambiental, como as mudanças climáticas e a poluição. 

Das oficinas de escuta, os pesquisadores criaram um acervo composto de produções de crianças com diversos materiais, áudios, fotos, vídeos e registros de bordo, bem como um relatório técnico no qual há a análise interpretativa dos temas abordados na pesquisa. Ao todo, são cerca de 150 desenhos, 95 objetos, 80 produções em massa de modelar e 70 horas de áudio e vídeo. 

Sobre o tema natureza e mudanças climáticas, os pesquisadores classificaram as produções das crianças em quatro eixos temáticos: “teia da vida” (que expressam uma relação de interdependência nos acontecimentos sobre o meio ambiente e de conexão entre os fatos), “retorno ao primitivo” (que exprimem uma ideia de retorno aos estágios primitivos da civilização, como as destruições em massa), “drama geológico” (a ideia de que as ameaças e transformações viriam não dos seres humanos, mas sim do planeta e sua reorganização geológica, ou até do sistema solar e do cosmos) e “drama ético” (que diz respeito à responsabilidade dos seres humanos nas consequências negativas e positivas em relação ao meio ambiente).

“Esses assuntos são tratados com profundidade pelas crianças. Expressando-se por meio de modelagens, desenhos e objetos, elas evidenciam por meio da sua força imaginária a urgência de se encontrar soluções sistêmicas  para  problemas ambientais complexos e graves. Em suas produções, a natureza aparece como fonte de vida, beleza, integração e desenvolvimento e, ao mesmo tempo, as crianças demonstram ter receio com os problemas ambientais, que já são sentidos por elas”, ressalta Gandhy Piorsky, coordenador da metodologia da pesquisa. 

A participação é um direito de crianças e adolescentes, conforme evidencia o artigo 12 da Convenção dos Direitos das Crianças, que se efetiva à medida que as especificidades da infância, e em relação à idade e às suas condições cognitivas e emocionais, são asseguradas. Mesmo em assuntos de alta complexidade, como as mudanças climáticas, as crianças podem e devem ser consideradas, uma vez que são temas que lhe dizem respeito, impactam sua vida e a das futuras gerações. No entanto, é preciso cuidado para que, em nome do direito à participação, não se conduza iniciativas que se baseiam em concepções, narrativas e atividades que são próprias do mundo do adulto, mas inadequadas à condição peculiar de desenvolvimento das crianças. 

Para Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos da Infância do Instituto Alana, crianças precisam ser consideradas não apenas por serem sujeitos de direitos, mas porque a humanidade ganha ao escutar as novas gerações. “A infância tem uma perspectiva e contribuição singular aos desafios individuais e coletivos. Essa escuta é fundamental pois é necessário engajar diversos atores para a mobilização urgente em prol das questões climáticas e fortalecer a incidência da pauta nas mídias e em ações junto a lideranças políticas e a governos locais”, ressalta.  

Baixe os sumários executivos:

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