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Lei 10.639/03: pesquisa inédita analisa municípios brasileiros que realizam ações consistentes para implementar educação antirracista

Experiências de seis Secretarias Municipais de Educação das regiões norte, nordeste, sul e sudeste do país são apresentadas em estudo que busca inspirar outras redes a implementar currículo antirracista

Quais são as boas práticas que redes municipais de ensino têm realizado para incluir o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos das escolas, conforme prevê a Lei 10.639/03?

Uma pesquisa inédita de Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana analisou as experiências e os aprendizados de seis cidades brasileiras — Belém (Pará), Cabo Frio (Rio de Janeiro), Criciúma (Santa Catarina), Diadema (São Paulo), Ibitiara (Bahia) e Londrina (Paraná) — que realizam ações consistentes e perenes para implementar a lei. 

O estudo, que tem o apoio institucional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme) e apoio estratégico da organização internacional Imaginable Futures, será lançado no início de 2024. 

Esses resultados fazem parte de uma investigação de Geledés e Alana sobre a Lei 10.639/03, que completou 20 anos em janeiro deste ano. A legislação alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na educação pública e privada brasileira.

A primeira parte da análise das organizações, a pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, lançada em abril, revelou que 71% das secretarias não cumprem a lei e que apenas 29% das redes de ensino brasileiras realizam ações consistentes e perenes para implementá-la. 

Os seis municípios apresentados no novo lançamento pertencem ao segundo grupo, trazendo indicativos importantes sobre o que funciona e quais são os aprendizados e práticas dessas cidades que podem inspirar outras secretarias a fazer uma implementação efetiva da legislação.

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Lei 10.639 sobre ensino de história e cultura afro-brasileira não é cumprida em 71% dos municípios brasileiros, aponta pesquisa de Geledés e Instituto Alana

71% das Secretarias Municipais de Educação realizam pouca ou nenhuma ação para implementar a Lei 10.639/03 sobre ensino de história e cultura afro-brasileira, promulgada há 20 anos para combater o racismo nas escolas

Estudo realizado com 1.187 Secretarias Municipais de Educação, o que equivale a 21% das redes municipais de ensino do país, revela que a maioria delas (71%) realiza pouca ou nenhuma ação para a efetividade da lei que há 20 anos obriga o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas. Apenas 29% das secretarias realizam ações consistentes e perenes para garantir a implementação da lei, revela a pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira“, de Geledés Instituto da Mulher Negra e do Instituto Alana, lançada nesta terça-feira, 18 de abril. 

Clique aqui para baixar a pesquisa completa.

Sancionada em janeiro de 2003, a Lei 10.639/03 alterou a legislação máxima da educação brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e inseriu o ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo da educação pública e privada do país, em um marco importante na luta do movimento negro por direitos, e uma conquista de todos os brasileiros.

“A pesquisa demonstra que o compromisso político é decisivo para a implementação assertiva da Lei 10.639, e, por isso, esperamos que os municípios que fizeram a escolha por educar para a igualdade racial possam inspirar outros a seguirem o mesmo caminho”, afirma Suelaine Carneiro, coordenadora de educação e pesquisa de Geledés.

O estudo foi realizado ao longo de 2022 e verificou como e se foram construídas condições pelas secretarias para combater o racismo estrutural, quais os passos percorridos, as lacunas existentes e os desafios que compõem o grave cenário da implementação da lei nas redes municipais de ensino, principais responsáveis pela educação básica do país. Elas atendem 49,6% de crianças e adolescentes, segundo dados do Censo Escolar da Educação Básica 2022, divulgados em fevereiro deste ano.

Realizada com o apoio institucional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), parceria estratégica da Imaginable Futures e elaborada pela Plano CDE, a pesquisa é o mapeamento de maior abrangência já feito sobre a aplicação da lei em nível municipal.

“É urgente reforçar o compromisso coletivo entre sociedade civil e representantes do poder público para o fortalecimento da Lei 10.639 na prática e para que possamos garantir condições para a sua realização também como enfrentamento ao racismo na área de educação e em toda a nossa sociedade”, diz Isabella Henriques, diretora-executiva do Instituto Alana.

Confira a seguir os principais destaques da pesquisa:

Qual o objetivo da pesquisa?
A pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira” apresenta o retrato indicativo sobre como e se as secretarias construíram ou não condições em suas estruturas para implementar a lei e contemplar os currículos com seus conteúdos e práticas, como é previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira.

Como a pesquisa foi feita?
Por meio da aplicação de questionário estruturado, que contou com a resposta de gestores de 1.187 Secretarias Municipais de Educação, o que equivale a 21% das redes municipais de ensino do país, com representação em todos os estados e de cidades de diferentes portes. Os questionários foram distribuídos e aplicados digitalmente e as informações foram coletadas por autopreenchimento voluntário.

Qual o perfil das secretarias, gestoras e gestores municipais respondentes?
A maioria das pessoas que responderam à pesquisa foram os próprios dirigentes de educação dos municípios ou técnicos das secretarias, que possuem experiência na pasta. 40% dos respondentes têm mais de 20 anos de experiência na secretaria e 57% são dirigentes. Além disso, 78% das respondentes são mulheres.

Quais os principais achados da pesquisa?
A pesquisa agrupou as Secretarias Municipais de Educação em três principais perfis:

1. os municípios que realizam ações consistentes e perenes para a implementação da lei (29%);
2. os que realizam ações de maneira menos estruturada (53%);
3. os que não realizam nenhum tipo de ação (18%).

A maioria das redes (71%) realiza pouca ou nenhuma ação para implementar a Lei 10.639/03. Esse percentual inclui o maior grupo (53%), que realiza ações de forma menos estruturadas, episódicas e reativas, geralmente atreladas a projetos isolados ou em datas comemorativas, como o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro. E também as secretarias que admitem não realizar nenhum tipo de ação para o cumprimento da lei, que representam 18% do total. Embora conheçam as normativas ou tenham estabelecido regulamentação local, essas secretarias desrespeitam a lei. 

Só 29% das secretarias realizam ações consistentes e perenes para garantir a efetividade da lei. Essas redes têm em comum estrutura administrativa, regulamentação local, dotação orçamentária e periodicidade na realização de ações para atender às Diretrizes Curriculares Nacionais para as Relações Étnico-Raciais. Ainda que seja um número distante do ideal, ele revela que três em cada dez redes municipais adotaram práticas para a implementação da lei que devem ser acompanhadas, estimuladas e replicadas.

Entre outros dados, a pesquisa também revela que:

– A maioria das Secretarias Municipais de Educação não acompanha indicadores de desempenho dos estudantes por raça;

– Grande parte das secretarias afirma não ter recebido suporte suficiente de outros entes e instituições para a implementação da lei. Isto não só na forma de ações diretas, mas também por meio de cooperação técnica e financeira para que as bases estabelecidas pela lei não sejam apenas consideradas em datas comemorativas, mas sim de forma constante e integradas ao ensino como um todo;

– Em relação às principais dificuldades e entraves na implementação da lei, 42% dos respondentes apontaram a dificuldade dos profissionais em transpor o ensino nos currículos e nos projetos das escolas, enquanto 33% apontaram a falta de informação e orientação suficientes às secretarias sobre a temática;

– 69% das secretarias afirmam que a maioria ou boa parte das escolas realiza atividades relacionadas ao ensino de história e cultura africana e afro-brasileira apenas durante o mês ou semana do Dia da Consciência Negra. A porcentagem é maior entre os municípios do Centro-Oeste;

– Em relação aos temas que a rede municipal considera importantes de serem trabalhados nas escolas, “diversidade cultural” é o mais citado pelos gestores. Temas relacionados a “poder”, como construções de privilégios históricos e letramento sobre questões raciais, são menos priorizados.

Clique aqui para baixar a pesquisa completa.

Assista à transmissão ao vivo do lançamento dos dados da pesquisa, que acontece em Brasília (DF) no dia 18 de abril às 9h30:

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Educação antirracista: pesquisa sobre implementação da Lei 10.639/03 mobiliza 21% dos municípios brasileiros

Instituto Alana e Geledés – Instituto da Mulher Negra realizam pesquisa nacional sobre a implementação da Lei 10.639/03 em 1.187 secretarias municipais de educação

A Lei 10.639/03, que alterou a lei de diretrizes e bases da educação brasileira, tornando obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas, completa 20 anos nesta segunda-feira (9). Essa lei é um dos principais instrumentos das últimas duas décadas para a construção de uma educação antirracista no chão das escolas. 

Compreender como as Secretarias Municipais se organizam para tornar a Lei 10.639/03 presente no cotidiano escolar é o que busca responder a pesquisa realizada em uma parceria entre o Instituto Alana e o Geledés – Instituto da Mulher Negra, com apoio institucional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme) e apoio estratégico da organização internacional Imaginable Futures. 

Essa é uma pesquisa abrangente realizada no país sobre a Lei 10.639/03. 21% das redes municipais, de todos os estados, responderam ao chamado das organizações. Com expressiva presença dos municípios do Nordeste, o estudo apresenta resultados que, em termos populacionais, representam bem o porte dos municípios do país, principalmente os de médio e grande porte. A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de questionário digital, preenchido pelos representantes das secretarias municipais de educação. A maioria dos respondentes foram dirigentes de educação dos municípios ou técnicos das secretarias com experiência na pasta. Entre as pessoas que preencheram, a maioria são mulheres, sendo 50% mulheres negras. 

– Veja também: Confira como foi a última edição da jornada formativa No Chão da Escola, com o tema “Educação para relações antirracistas”

Além de informações sobre o perfil do gestor respondente, foram coletados dados sobre alterações na estrutura administrativa das secretarias; regulamentação da lei em nível municipal e estadual; ações realizadas sobre o tema; formação de profissionais da educação e uso de materiais didáticos; articulação com organizações da sociedade civil e/ou instituições de educação; além da percepções dos gestores e desafios para a implementação da lei.

Os resultados da pesquisa serão apresentados em abril, em evento presencial e online, junto com a etapa qualitativa da pesquisa, que vai aprofundar a análise com apresentação de seis estudos de casos de municípios. O direito à educação integral, inclusiva e de qualidade para todas as crianças demanda o aumento das capacidades institucionais dos sistemas de ensino com a implementação da Lei 10.639/03. 

– Veja também: 30 conteúdos para a prática de uma educação antirracista

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Por que precisamos de uma educação antirracista?

A educação antirracista e o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas é essencial para, dentre outras coisas, evidenciar as contribuições positivas dessas populações para a sociedade e incentivar estudantes a investigarem a própria identidade.

Você já ouviu falar sobre o perigo da história única? A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, em uma apresentação em 2009, contou que, quando criança, adorava ler, mas sempre lia livros britânicos e americanos. E, nas histórias que escrevia na infância, todos os seus personagens eram brancos e de olhos azuis. Eles brincavam na neve e comiam maçãs, mesmo que essas características não fossem nem um pouco parecidas com as da sua realidade. Como ela não se via nas histórias, não se enxergava como uma personagem principal. E nem via a possibilidade de que meninas com cabelos crespos e pele da cor do chocolate também pudessem existir na literatura.

A falta de representatividade é um dos perigos quando temos uma história única. Mas há, ainda, a preocupação com quem está contando essa história e que ideia pode estar perpetuando. “Comece uma história com as flechas dos nativos americanos e não com a chegada dos britânicos e você tem uma história totalmente diferente. Comece uma história com o fracasso do Estado africano e não com a criação colonial desse Estado e você tem uma história totalmente diferente”, disse Chimamanda.

Daniel Munduruku

Essa reflexão nos faz para pensar como a história do nosso país tem sido contada e reproduzida desde 1500 e quais os impactos causa. Daniel Munduruku, que é educador e escritor de literatura infanto-juvenil indígena, em entrevista ao Alana, nos contou que, quando começou a dar aulas, percebeu que os conteúdos acabavam engessando a atuação do professor e reproduzindo a história a partir de um único ponto de vista: o europeu. 

“A história do Brasil era contada pelo ponto de vista do nosso colonizador e os indígenas sempre ficavam em um papel secundário, terciário, lá no final da fila, porque não se tinha interesse. E a imagem que se fazia desse personagem indígena era totalmente desqualificada”, apontou. Em função disso, começou a escrever histórias para apresentar às crianças uma outra perspectiva. Hoje, Daniel já tem mais de 50 livros publicados. Sempre com o objetivo de trazer mais visibilidade para essa temática e romper estereótipos e preconceitos quanto aos povos indígenas.

O escritor aponta que, mais do que escrever para crianças indígenas e elas se perceberem na literatura, sua ideia é fazer com que as crianças não-indígenas percebam o indígena que existe nelas e assim possam construir essa identidade. “Esse sentimento de pertencimento é necessário e importante para que a gente crie um país mais tolerante e respeitoso e com isso façamos um caminho novo, um caminho de educar o olhar das pessoas, o sentimento, o pertencimento delas”, explica Daniel.

A importância de histórias plurais

Como aponta Chimamanda, a consequência da história única é exatamente o contrário: roubar das pessoas sua dignidade, fazer o reconhecimento de nossa história compartilhada difícil e enfatizar como nós somos diferentes em vez de semelhantes. 

Pensando a educação escolar como um importante instrumento para o desenvolvimento de cidadãos críticos e questionadores, esforços como o de Daniel são essenciais para conectar os pequenos com histórias plurais, contribuindo para uma educação antirracista e democrática. Essas narrativas reproduzem o racismo estrutural, perpetuam o pontos de vista coloniais e promovem a naturalização de violências e desigualdades. Mas, para rompe-las é preciso uma institucionalização de iniciativas que levem a história e cultura desses povos para dentro das salas de aula e para a vida dos pequenos. 

Historicamente os movimentos sociais se levantaram para que as escolas regulares tivessem um currículo comprometido com a diversidade de povos, culturas e suas cosmovisões. Assim, em 2003, a Lei 10.639 foi aprovada, incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. A inclusão das questões indígenas demorou um pouco mais.

Um novo olhar

Daniel conta que, após a promulgação da nova Constituição Federal, em 1988, o Estado brasileiro aprovou um outro olhar sobre as populações indígenas, dando a elas direitos exclusivos, como a uma educação escolar e tratamento de saúde diferenciados e direito às suas terras, cabendo  ao Estado brasileiro demarcá-las. 

A partir desses direitos, outras tantas políticas públicas foram sendo desenvolvidas. Foi pautada a necessidade de que o Brasil olhasse para os povos indígenas sob uma nova perspectiva. “Daí houve o implemento da Lei 11.645, de 2008, [complementando a Lei 10.639, de 2003] que veio estabelecer que todas as escolas devem colocar nos seus currículos a temática indígena, principalmente na história, arte e na literatura. Porém, a lei por si só não resolve nada, ela precisa ser, de fato, implementada. Precisa formar professores com uma visão diferenciada, comprando materiais e dando condições para os educadores atuarem”, explica.

A partir dessas leis, a literatura passou a ser um componente essencial para a efetivação desses direitos. Assim como os editais que o Governo Federal fomentou. Dessa forma, as escolas puderam receber acervos literários que ajudassem os professores a executarem bem esse trabalho.

Protagonismo estudantil por uma sociedade e educação antirracista

Ter contato com a história e a cultura desses povos também é importante. Porque, além de gerar representatividade e novos imaginários sobre as populações afro-brasileiras e indígenas, evidencia suas contribuições positivas para a nossa sociedade. E, assim, resgata a memória histórica, promovendo a construção da subjetividade de negros e indígenas, e um novo olhar para o continente africano. 

Esse contato também incentiva os estudantes a investigarem a própria identidade com base em suas vivências e histórias. Dessa forma, eles criam, por meio do protagonismo juvenil, projetos para fortalecer a autoestima própria e a dos colegas. Além de resolver questões raciais que têm se apresentado como uma problemática em suas comunidades.

Para Gabriel Salgado, coordenador do programa Criativos da Escola, do Instituto Alana, que encoraja estudantes a mudarem suas realidades reconhecendo-os como protagonistas de suas próprias histórias de mudança, a garantia do direito à educação em suas várias esferas e dimensões caminha lado a lado com a construção de uma educação antirracista e com a formação de estudantes comprometidos com a prática cidadã e a construção de uma sociedade cada vez melhor às suas populações.

“Neste sentido, é fundamental que alunos e alunas – independente de sua raça, gênero, etnia e condição de deficiência, por exemplo – não só tenham a possibilidade de participar ativamente, mas sejam convocados a se posicionarem de maneira crítica e criativa com o objetivo de efetivar na prática melhorias para os desafios estruturais que enfrentamos”, aponta.

A Liga Criativos da Escola

Em 2021, o Criativos da Escola lançou a Liga Criativos da Escola, um panorama sobre como estudantes e professores estão transformando suas realidades. Dos 6 mil projetos recebidos pelo programa desde 2015, 31% buscam construir melhores relações interpessoais e promover o bem-estar. E, dentro deste grupo, 24% combatem preconceitos por meio da valorização das diferenças.

“Algumas de nossas principais conclusões a partir da pesquisa foram que: as crianças e adolescentes se mobilizam ainda mais quando lidam com questões vividas na pele; tem se tornado expressiva a atuação de estudantes que se somam a movimentos identitários (de gênero, sexualidade, raça, entre outros), buscando alternativas para enfrentar localmente problemas estruturais; estudantes têm investido em ações que promovem o diálogo e a empatia como estratégia para combater preconceitos e construir relações mais respeitosas frente às diferenças; e projetos realizados por estudantes não se limitam a denunciar a discriminação e suas consequências, mas buscam também valorizar, por exemplo, o conhecimento e a riqueza da cultura afro-brasileira e dos povos originários e o papel da mulher na sociedade”, explica Gabriel.

Projetos

A origem dos projetos também parte de diferentes lugares e experiências. Dentre eles, há os que surgem desde a constatação da falta de representatividade das meninas negras na escola, como foi o caso do projeto criado pelo coletivo de meninas Naturalmente Cacheada, em Sumaré, São Paulo, que organizou ações focadas na valorização da autoestima das meninas negras; até a necessidade de conhecer e valorizar comunidades quilombolas, como a ação de estudantes do projeto Por um olhar mais humanizado: Pérola Negra!, em Caturama, na Bahia, em que um grupo de estudantes desenvolveu atividades em torno de visitas etnográficas a terreiros e comunidades quilombolas, apresentações culturais e palestras.

Também há projetos como o Dicionário Indígena Ilustrado, que surgiu da necessidade de resgate da língua e da cultura indígena das comunidades Ofaié e Guarani, na cidade de Brasilândia, no Mato Grosso do Sul; e projetos que surgiram da demanda por maior valorização das mulheres e, principalmente, das mulheres negras, na ciência, como o projeto Minas na Ciência, de São Miguel das Matas, da Bahia.

“Apoiar, valorizar e promover práticas como essas de protagonismo estudantil é fundamental, para que possamos considerar todos os estudantes no processo de construção de conhecimento. Especialmente os historicamente excluídos como negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência e periféricos. Mas principalmente para que possamos mobilizar e comprometer toda a sociedade na valorização do conhecimento, da história e das culturas africana, afro-brasileira e indígena, além de mobilizar e comprometer também cada um à luta contra o racismo”, conclui. 

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O corpo negro e o papel da escola na educação antirracista

Primeiro encontro da edição “No chão da escola: educação antirracista” convidou especialistas para conversar sobre escola, antirracismo e democracia e os impactos do racismo na subjetividade

As questões raciais são centrais no nosso país. Elas não devem ser debatidas apenas em datas e disciplinas específicas, ao contrário, precisam habitar os diálogos cotidianos. Essas questões devem pautar toda sociedade, considerando, também, que o racismo se desenvolve de maneiras específicas dentro das diferentes instituições. E qual o papel da escola nessa conversa?

Vivemos em uma sociedade marcada pela desigualdade e pelo racismo estrutural. Precisamos buscar maneiras de combater o racismo e honrar a diversidade dentro das instituições de ensino. Para conversar sobre o tema, acontece, entre os dias 27, 28 e 29 de julho, a jornada formativa no “No Chão da Escola: educação antirracista”.

Como a escola pode contribuir para a ruptura do racismo estrutural e o avanço da democracia

Ontem, 27, aconteceu o primeiro encontro dessa edição, apresentado por Raquel Franzim, Diretora de Educação e Cultura e Cultura da Infância do Instituto Alana. A primeira mesa foi “Escola, antirracismo e democracia: como a escola pode contribuir para a ruptura do racismo estrutural e o avanço da democracia?”. Participaram: Nilma Lino Gomes, ex-ministra do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos; e Alexsandro Santos, presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo.

Iniciando o debate, Alexsandro apontou a questão da justiça racial no Brasil a partir do recorte da importância da escola como instituição que participa da construção do país. “As questões raciais precisam vir à tona, porque senão nós continuamos trabalhando em uma perspectiva de invisibilizar o racismo.  Quando os adultos não discutem os conflitos raciais que estão instalados ali, quem paga a conta são as crianças”, alertou.

Nilma explicou que quanto mais frágil a democracia fica, maior a possibilidade de fenômenos perversos como: racismo, machismo,  LGBTfobia, fascismo. “Fortalecer a escola é importante para fortalecer a democracia. E fortalecendo a democracia e a escola, nós também podemos fortalecer práticas antirracistas no nosso país”, apontou.

A socióloga, mestre em educação e coordenadora da área de educação do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Suelaine Carneiro; e a antropóloga e consultora do Geledés, Jaqueline Santos, também apresentaram a pesquisa “Direito à educação de meninas negras em tempos de pandemia”, do Instituto. “As meninas negras são as primeiras vítimas do trabalho infantil doméstico, da exploração infantil, da gravidez na adolescência, do casamento infantil, violações que se agravam durante a pandemia”, explicou Suelaine.

Racismo e seus impactos e seus impactos na subjetividade

A segunda mesa foi “O corpo negro na escola: racismo e seus impactos e seus impactos na subjetividade”. Participaram: Júlio Cezar de Andrade, especialista em direito da criança e do adolescente; e Maria Lúcia da Silva, integrante do Instituto AMMA Psique e Negritude. A mediação foi feita por Mighian Danae, doutora em educação e pesquisadora do GRUPEAFRO.

“O racismo é uma experiência que nos impede de viver uma completude com o nosso corpo em espaços como a escola. O racismo nos violenta fisicamente e, muitas vezes, simbolicamente, em nossas relações com o mundo e com nosso corpo”, apontou Mighian.

Para Maria Lúcia, pensar os efeitos psíquicos do racismo é pensar que o racismo é um elemento estruturador da sociedade, das formas de relação, mas também das percepções dos afetos e da forma de pensar o mundo. “É preciso que a comunidade escolar compreenda como o racismo se materializa na escola. Para, assim, construir os mecanismo de enfrentamento e assegurar que as crianças negras tenham um lugar em que se sintam seguras. Mais ainda, se sintam dignas, valorizadas, confortáveis e pertencentes aquele ambiente, tanto quanto a criança branca”, disse.

Julio Cezar explicou que o debate do enfrentamento ao racismo não deve ser só em datas pontuais. É preciso universalizar em todo o contexto escolar, e estar presente nas práticas cotidianas. “O racismo traz dores na subjetividade porque fere a capacidade de autoestima, de pensar o projeto de vida e fere, todos os dias, os corpos de crianças e adolescentes negros”, apontou.

Confira as edições anteriores do No Chão da Escola, sobre educação no contexto da pandemia e sobre cinema e educação na promoção de direitos humanos. Assista ao primeiro encontro da jornada formativa no “No Chão da Escola: educação antirracista” aqui: