Apenas 20% do financiamento público global para o clima está destinado à adaptação; é preciso ir além e garantir ações efetivas para reduzir as vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas, especialmente para os grupos de maior risco, como as crianças
O mundo já vive uma série de efeitos das mudanças climáticas, que atinge bilhões de pessoas. Eventos climáticos extremos, como inundações, ondas de calor e secas prolongadas, ameaçam especialmente as populações mais vulneráveis. E a ponta mais frágil dessa história são as crianças, que veem a crise do clima colocar em risco uma enxurrada de direitos, dentre eles os mais básicos: seu direito à vida e ao desenvolvimento. Meninos e meninas estão classificados entre os mais vulneráveis pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o principal grupo de cientistas do mundo que estudam a crise climática.
É nesse contexto que se torna claro que os passos dados globalmente para conter os efeitos das mudanças climáticas já não são suficientes. Para garantir um planeta habitável para o presente e o futuro das crianças, não basta apenas firmar acordos para mitigar, ou seja, reduzir ou prevenir a emissão de gases de efeito estufa.
Isso porque, embora a mitigação seja uma ação importante e necessária, o mundo vai continuar esquentando mesmo que consigamos estabilizar as emissões. Os efeitos do aquecimento que já ocorreu são reais e estão sendo sentidos por todos ao redor do globo.
Por isso, precisamos ir além da mitigação e, junto com ela, aderir às ações de adaptação (soluções para reduzir danos, riscos e encontrar oportunidades) com mais força. Antecipar os efeitos da emergência climática que já estão ocorrendo e que virão e gerenciar suas consequências são atitudes que podem salvar vidas.
Precisamos aprender a conviver, por exemplo, com os períodos mais longos de seca e com chuvas mais intensas em algumas regiões, que costumam provocar desastres como deslizamentos e enchentes. Precisamos nos adaptar a esse mundo em aquecimento e proteger os mais vulneráveis, como as crianças.
“Existe a oportunidade de apostar em ações de adaptação que transformem a infraestrutura urbana – como as escolas, por exemplo – utilizando soluções baseadas na natureza, contribuindo para preparar nossas cidades diante da crise climática, ao mesmo tempo em que se proporcionam ambientes onde as crianças possam brincar, crescer e se desenvolver melhor”, diz Bebel Barros, pesquisadora do programa Criança e Natureza.
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Os impactos do baixo financiamento público destinado à adaptação
Atualmente, apenas 20% do financiamento público global para o clima é destinado à adaptação. Se não houver um aumento significativo desse investimento, milhões de crianças sofrerão impactos irreversíveis que já foram desencadeados.
O Brasil, por exemplo, enfrenta um alto risco de inundação fluvial: em um cenário de altas emissões, projeta-se que, até 2030, mais de 78 mil pessoas possam estar em risco de inundação anual devido às mudanças climáticas.
Essas inundações costumam causar mortes por afogamento e surtos de doenças infecciosas, além de impactar a produção de alimentos e o abastecimento de água. Considerando os efeitos indiretos, podem ainda gerar estresse pós-traumático e deslocamento populacional.
Mesmo assim, não vemos ações efetivas serem tomadas. A Amazônia Legal, por exemplo, uma das regiões que mais chama a atenção do mundo quando o assunto é preservação ambiental, abrange nove estados brasileiros (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso) e nenhum deles possui sistemas de alerta ou planos de contingência permanentes para eventos extremos como enchentes, secas, incêndios florestais e ondas de calor.
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Um fundo para adaptar cidades e casas aos desastres climáticos
Diante de tais fatos, é fundamental que se estabeleçam políticas e fundos específicos para adaptar cidades, casas, escolas e toda a infraestrutura para eventuais desastres climáticos, e se destinem recursos para recuperar as perdas e danos dessas ocorrências, especialmente nos países mais vulneráveis. O tema deverá ser levado para a COP 27, que acontece em 2022 em Sharm el-Sheikh, no Egito. O Alana participa do evento com o objetivo de colocar pautas sobre justiça climática e infância no centro das negociações políticas.
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“Nesta COP, serão debatidos avanços na meta global de adaptação e, em um possível fundo para perdas e danos, será necessário garantir medidas específicas para crianças e adolescentes, particularmente nos territórios onde moram, estudam e circulam, de modo a serem vistos e protegidos em primeiro lugar frente aos desastres climáticos. Os Estados devem colocar os direitos e as vozes das infâncias no centro de sua ação climática para motivar ações urgentes de mitigação, adaptação e financiamento”, defende JP Amaral, coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.
A chamada Meta Global de Adaptação (GGA, a sigla em inglês para Global Goal on Adaptation) foi definida no Acordo de Paris com o objetivo de aumentar a capacidade de adaptação e resiliência global e reduzir as vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas. Um comitê de adaptação tem sido responsável por revisar o GGA e auxiliar os Estados-membros nas ações para avançar em direção à adaptação climática.
Em 2021, a COP 26 estabeleceu um programa de trabalho abrangente de dois anos entre Glasgow e Sharm el-Sheikh sobre a meta global de adaptação. Neste ano, entidades devem cobrar novas prioridades ao programa, como, por exemplo, o foco em serviços sociais que atendam crianças e comunidades de maior risco e o fortalecimento de dados e mecanismos de monitoramento para rastrear ou medir a resiliência dos serviços essenciais.
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Secas, inundações, ondas de calor e eventos climáticos extremos atingem diretamente um amplo espectro de direitos das crianças, como seu direito à saúde e educação. Mas esse não precisa ser o futuro das crianças ao redor do mundo. Para que haja uma mudança de rumo, os países precisam inserir os direitos e as vozes das crianças no centro de sua ação climática, motivando ações urgentes de mitigação, adaptação e financiamento.
A rápida redução de emissões ainda deve ser priorizada enquanto a capacidade para a adaptação é radicalmente reforçada e medidas são postas em prática para proteger as crianças e seus direitos, inclusive em casos de perdas e danos. Avançar nesse sentido é bom para as crianças e para o planeta.