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Mudanças climáticas: o que significam adaptação e mitigação e por que esse tema é importante para as infâncias

Apenas 20% do financiamento público global para o clima está destinado à adaptação; é preciso ir além e garantir ações efetivas para reduzir as vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas, especialmente para os grupos de maior risco, como as crianças

O mundo já vive uma série de efeitos das mudanças climáticas, que atinge bilhões de pessoas. Eventos climáticos extremos, como inundações, ondas de calor e secas prolongadas, ameaçam especialmente as populações mais vulneráveis. E a ponta mais frágil dessa história são as crianças, que veem a crise do clima colocar em risco uma enxurrada de direitos, dentre eles os mais básicos: seu direito à vida e ao desenvolvimento. Meninos e meninas estão classificados entre os mais vulneráveis pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o principal grupo de cientistas do mundo que estudam a crise climática.

É nesse contexto que se torna claro que os passos dados globalmente para conter os efeitos das mudanças climáticas já não são suficientes. Para garantir um planeta habitável para o presente e o futuro das crianças, não basta apenas firmar acordos para mitigar, ou seja, reduzir ou prevenir a emissão de gases de efeito estufa.

Isso porque, embora a mitigação seja uma ação importante e necessária, o mundo vai continuar esquentando mesmo que consigamos estabilizar as emissões. Os efeitos do aquecimento que já ocorreu são reais e estão sendo sentidos por todos ao redor do globo.

Por isso, precisamos ir além da mitigação e, junto com ela, aderir às ações de adaptação (soluções para reduzir danos, riscos e encontrar oportunidades) com mais força. Antecipar os efeitos da emergência climática que já estão ocorrendo e que virão e gerenciar suas consequências são atitudes que podem salvar vidas. 

Precisamos aprender a conviver, por exemplo, com os períodos mais longos de seca e com chuvas mais intensas em algumas regiões, que costumam provocar desastres como deslizamentos e enchentes. Precisamos nos adaptar a esse mundo em aquecimento e proteger os mais vulneráveis, como as crianças.

“Existe a oportunidade de apostar em ações de adaptação que transformem a infraestrutura urbana como as escolas, por exemplo utilizando soluções baseadas na natureza, contribuindo para preparar nossas cidades diante da crise climática, ao mesmo tempo em que se proporcionam ambientes onde as crianças possam brincar, crescer e se desenvolver melhor”, diz Bebel Barros, pesquisadora do programa Criança e Natureza.

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Os impactos do baixo financiamento público destinado à adaptação

Atualmente, apenas 20% do financiamento público global para o clima é destinado à adaptação. Se não houver um aumento significativo desse investimento, milhões de crianças sofrerão impactos irreversíveis que já foram desencadeados.

O Brasil, por exemplo, enfrenta um alto risco de inundação fluvial: em um cenário de altas emissões, projeta-se que, até 2030, mais de 78 mil pessoas possam estar em risco de inundação anual devido às mudanças climáticas.

Essas inundações costumam causar mortes por afogamento e surtos de doenças infecciosas, além de impactar a produção de alimentos e o abastecimento de água. Considerando os efeitos indiretos, podem ainda gerar estresse pós-traumático e deslocamento populacional.

Mesmo assim, não vemos ações efetivas serem tomadas. A Amazônia Legal, por exemplo, uma das regiões que mais chama a atenção do mundo quando o assunto é preservação ambiental, abrange nove estados brasileiros (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso) e nenhum deles possui sistemas de alerta ou planos de contingência permanentes para eventos extremos como enchentes, secas, incêndios florestais e ondas de calor.

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Um fundo para adaptar cidades e casas aos desastres climáticos

Diante de tais fatos, é fundamental que se estabeleçam políticas e fundos específicos para adaptar cidades, casas, escolas e toda a infraestrutura para eventuais desastres climáticos, e se destinem recursos para recuperar as perdas e danos dessas ocorrências, especialmente nos países mais vulneráveis. O tema deverá ser levado para a COP 27, que acontece em 2022 em Sharm el-Sheikh, no Egito. O Alana participa do evento com o objetivo de colocar pautas sobre justiça climática e infância no centro das negociações políticas. 

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“Nesta COP, serão debatidos avanços na meta global de adaptação e, em um possível fundo para perdas e danos, será necessário garantir medidas específicas para crianças e adolescentes, particularmente nos territórios onde moram, estudam e circulam, de modo a serem vistos e protegidos em primeiro lugar frente aos desastres climáticos. Os Estados devem colocar os direitos e as vozes das infâncias no centro de sua ação climática para motivar ações urgentes de mitigação, adaptação e financiamento”, defende JP Amaral, coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

A chamada Meta Global de Adaptação (GGA, a sigla em inglês para Global Goal on Adaptation) foi definida no Acordo de Paris com o objetivo de aumentar a capacidade de adaptação e resiliência global e reduzir as vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas. Um comitê de adaptação tem sido responsável por revisar o GGA e auxiliar os Estados-membros nas ações para avançar em direção à adaptação climática.

Em 2021, a COP 26 estabeleceu um programa de trabalho abrangente de dois anos entre Glasgow e Sharm el-Sheikh sobre a meta global de adaptação. Neste ano, entidades devem cobrar novas prioridades ao programa, como, por exemplo, o foco em serviços sociais que atendam crianças e comunidades de maior risco e o fortalecimento de dados e mecanismos de monitoramento para rastrear ou medir a resiliência dos serviços essenciais.

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Secas, inundações, ondas de calor e eventos climáticos extremos atingem diretamente um amplo espectro de direitos das crianças, como seu direito à saúde e educação. Mas esse não precisa ser o futuro das crianças ao redor do mundo. Para que haja uma mudança de rumo, os países precisam inserir os direitos e as vozes das crianças no centro de sua ação climática, motivando ações urgentes de mitigação, adaptação e financiamento.

A rápida redução de emissões ainda deve ser priorizada enquanto a capacidade para a adaptação é radicalmente reforçada e medidas são postas em prática para proteger as crianças e seus direitos, inclusive em casos de perdas e danos. Avançar nesse sentido é bom para as crianças e para o planeta.

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Alana leva a realidade das infâncias frente à emergência climática para a COP 27

Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP 27, acontece em novembro em Sharm el-Sheikh, no Egito; participação do Alana no evento busca levar as crianças ao centro das negociações climáticas, com atenção especial às infâncias brasileiras e do sul global

As crianças, um dos grupos mais impactados pela emergência climática, precisam ter voz e protagonismo nas políticas ambientais e, ao construirmos um mundo melhor para elas, construiremos um mundo melhor para todas as pessoas. Sob essa perspectiva, o Alana  desembarca no Egito, neste mês de novembro, para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), uma conferência anual promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para amenizar os impactos das mudanças climáticas a partir de mecanismos que possam ser aplicados globalmente. 

A conferência, da qual costumam participar chefes de Estado, empresas, tomadores de decisão e ativistas, acontece anualmente desde 1995. Em 2020, o evento foi suspenso devido a pandemia de Covid-19. Foram as COPs que resultaram em alguns dos acordos ambientais mais importantes da história, como, por exemplo, o Acordo de Paris, que, entre outros pontos, tem o objetivo de manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2°C. 

“A missão do Alana é promover e proteger os direitos das crianças com absoluta prioridade. Nosso objetivo principal na COP é advogar para colocar os direitos das crianças no centro do debate das discussões climáticas para defender o seu direito à vida e ao meio ambiente equilibrado e saudável”, explica Laís Fleury, Diretora de Relações Internacionais da Alana Foundation. 

Crianças no centro das negociações da COP

A COP 27 começou no dia 6 de novembro, em Sharm el-Sheikh, no Egito, e deve trazer debates intensos sobre financiamento climático, adaptação climática e compensação por perdas e danos (medidas para reparar pessoas impactadas por consequências de extremos climáticos, como inundações), além de, mais uma vez, buscar meios para limitar o aquecimento global a no máximo 1,5ºC. Nessas discussões, o Alana espera levar as crianças ao centro das negociações, com atenção especial às infâncias do Brasil e do sul global.

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Essa é a segunda vez que a organização participa da conferência da ONU. Em 2021, o Alana esteve na COP 26, em Glasgow, na Escócia, participando de intervenções urbanas, painéis e rodas de conversa. O programa Criança e Natureza levou para a cidade a Bolha Cinza da campanha Livre Para Brincar Lá Fora, que dá visibilidade ao problema da poluição do ar e convida famílias a se engajarem em ações por ar limpo para crianças em todo o mundo. Também participou da roda de conversa “Justiça climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável”, sobre as injustiças que estruturam o tema das mudanças climáticas. 

O Lunetas, site de jornalismo dedicado ao mundo das infâncias, apresentou os impactos da emergência climática sobre as infâncias brasileiras no painel “As vozes das múltiplas infâncias sobre emergência climática: por um futuro no presente”, e a Alana Foundation fez parte da mesa “Parem de queimar o Pantanal e a Amazônia”, que abordou a importância de manter a floresta em pé, preservar a biodiversidade e reduzir drasticamente as queimadas e as emissões de CO2.

Isso porque são as crianças que formam um dos grupos mais vulneráveis à crise do clima. Elas são as que mais sofrem seus efeitos, ao terem seu desenvolvimento afetado e seus direitos violados por consequências que vão dos desastres naturais à escassez de água e comida. 

Para se ter uma ideia, mais de uma em cada quatro mortes de crianças menores de 5 anos está direta ou indiretamente relacionada a riscos ambientais. Além disso, aproximadamente 1 bilhão de crianças e adolescentes vivem em um dos 33 países classificados como de risco extremamente elevado, inclusive o Brasil. Por isso, a importância de medidas reforçadas e específicas. 

Plano para garantir justiça climática para as crianças

Integrar os direitos das crianças nas negociações climáticas é fundamental. Para isso, é importante que os participantes da COP 27 desenvolvam um plano adequado de ação para garantir a justiça climática para as crianças. O Children Action Plan (Plano de Ação para Crianças), inspirado no Gender Action Plan (Plano de Ação de Gênero), é uma das iniciativas que visa promover o conhecimento e a compreensão da ação climática que sejam sensíveis às crianças e sua integração coerente na implementação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).

Outro ponto importante para a rodada de negociações é aumentar e acelerar o investimento em adaptação responsiva a crianças e jovens na redução de riscos de desastres e em medidas de mitigação. Há uma necessidade urgente de se alcançar crianças em maior risco e defender critérios sensíveis a elas na integração dos fundos multilaterais. 

Durante a COP 27, o Alana buscará garantir que a proteção das crianças esteja presente nos resultados obtidos pelos workshops previstos do Glasgow-Sharm el-Sheikh work programme, um programa de trabalho de dois anos entre Glasgow e Sharm el-Sheikh sobre a meta global de adaptação que foi firmada na COP 26, e estabelecer diretrizes para os planos nacionais dos países com ações de adaptação centradas nas crianças.

Além disso, o Alana, junto com diversas organizações internacionais, está à frente de um movimento chamado “Children First Climate Movement” (Movimento Climático Crianças em Primeiro Lugar, em tradução livre) para incluir os direitos das crianças nos resultados das negociações climáticas.

Empoderar a sociedade com educação ambiental

O Acordo de Paris, estabelecido na COP 21, em 2015, trouxe diretrizes para empoderar a sociedade para a ação climática por meio de educação, treinamentos e outras medidas. Na conferência de 2021, os países avançaram na intenção de promover esse empoderamento por meio do Glasgow Work Programme on Action for Climate Empowerment (em tradução livre, Plano de Trabalho de Glasgow para Ações de Empoderamento Climático), que estabelece medidas de coerência política, ação coordenada, monitoramento e avaliação. 

As primeiras sessões do Action for Climate Empowerment (ACE) realizadas em julho deste ano em Bonn, na Alemanha, foram direcionadas para a juventude, com recomendações específicas e pontuais para as crianças, como, por exemplo, treinamentos de educação e comunicação sobre o clima. Agora, na COP 27, o tema deve ser novamente levantado com o objetivo de incorporar recomendações sobre proteção das crianças e promover workshops que discutam equidade intergeracional e educação em contato com a natureza.

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Crianças como prioridade nos mecanismos de financiamento climático e perdas e danos

Nenhum mecanismo financeiro estabelecido na COP até hoje conta com recursos direcionados para a proteção das crianças, embora em alguns deles haja menção das necessidades e prioridades das infâncias em determinadas políticas. Por isso, o Alana sugere que a COP 27 crie a definição de “financiamento climático sensível à criança” no Standing Committee on Finance, um comitê permanente de finanças criado com o objetivo de auxiliar a COP a melhorar a coordenação financeira de ações relacionadas à mudança climática.

A organização também defende incluir o melhor interesse das crianças no New Collective Quantified Goal on Climate Finance (Nova Meta Quantificada Coletiva sobre Finanças Climáticas), destinando recursos e a proteção das crianças a favor dos países em desenvolvimento. Um dos objetivos é viabilizar, até 2025, um fundo com piso de 100 bilhões de dólares por ano, levando em conta as necessidades dos países em desenvolvimento. Além disso, outro ponto é que qualquer avanço em um acordo de perdas e danos deve ter uma perspectiva sensível para as crianças, já que são elas as mais impactadas por essas mudanças.

Respeito à equidade de gênero, em especial de meninas

Nos programas definidos em conferências anteriores (como, por exemplo, o Gender Action Plan, o Plano de Ação de Gênero do UNICEF), as meninas são mencionadas apenas em pontos relacionados à participação e liderança superficiais em alguns eventos. É preciso avançar para garantir que meninas e jovens de comunidades vulneráveis atuem nas tomadas de decisão. Outro ponto importante é demandar que os países reportem suas medidas efetivas para a equidade de gênero e desenvolvam um relatório nesse sentido.

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Crianças como prioridade nas discussões sobre oceanos 

Na COP 26, os Estados firmaram um pacto para fortalecer as ações relacionadas à proteção dos oceanos e preparar um relatório de síntese informal para os países, a ser apresentado na COP 27. O diálogo incluiu a juventude, mas as questões relacionadas à garantia dos direitos humanos não tiveram forte presença. Agora, é preciso solicitar aos países que priorizem ações para os oceanos que também protejam os direitos das crianças. 

Nesse sentido, é importante estabelecer diretrizes para adaptação relativas aos oceanos para fortalecer a resiliência de comunidades costeiras e de pescadores e, consequentemente, de suas crianças; mitigar perdas e danos, em especial ao que se refere à acidificação de oceanos como um impacto de longo prazo às crianças; e solicitar um relatório específico de infância e clima no contexto dos oceanos.

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Participação das crianças na COP 27 e seus mecanismos

As vozes das crianças devem ser ouvidas por meio de sua participação significativa no trabalho dos membros da UNFCCC. É assim que os resultados vão refletir suas preocupações, perspectivas e ideias. Além disso, os Estados membros devem buscar a colaboração e a contribuição de órgãos e especialistas em direitos humanos e das crianças.

O Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas tem dado um passo significativo para responsabilizar os governos a garantir que as crianças vivam em um mundo limpo, verde, saudável e sustentável, fornecendo orientações sobre como os direitos das crianças são impactados pela crise ambiental e o que os governos devem fazer para defender esses direitos.

Esse esforço deve ser usado como ferramenta para alinhar as políticas construídas pela UNFCCC, trazendo a importância do Comentário Geral 26 para dentro das negociações climáticas, cuja elaboração contou com a participação do Instituto Alana e trata sobre os direitos da criança e o meio ambiente, com foco especial nas mudanças climáticas.

“Em 30 anos da UNFCCC, nunca tivemos um acordo específico para o direito das crianças à justiça climática. O Comentário Geral 26 pode trazer uma base sólida de recomendações para que saia um compromisso das nações para combater a crise climática, colocando a criança em primeiro lugar”, comenta JP Amaral, coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

Diante de tantos objetivos e das urgências de avanço no combate à crise climática, colocar as crianças e seus direitos no centro de todos os processos e negociações permitirá um processo mais cooperativo em todas as áreas, como mitigação, adaptação, financiamento e perdas e danos. Um clima saudável para as crianças é um clima saudável para todos.

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Por que a emergência climática é uma crise dos direitos das crianças?

Embora seja o grupo que menos contribua para as mudanças climáticas, as crianças são as mais vulneráveis aos efeitos dessa crise, direta ou indiretamente. Hoje, quase todos os meninos e meninas do planeta estão expostos a pelo menos um risco ambiental decorrente da emergência climática

A emergência climática é uma crise dos direitos das crianças. São elas as que mais sofrem os seus efeitos ao terem seu desenvolvimento afetado e direitos violados por consequências que vão dos desastres naturais influenciados pelas mudanças climáticas à escassez de água e comida. Representando um terço da população global, as crianças vão sofrer por mais tempo as consequências da crise do clima sobre o seu futuro. E já veem ameaças no progresso, conquistado a duras penas, na garantia de seus direitos básicos. Por isso, precisam estar no centro do pensamento das políticas públicas de combate à crise.

Quase todas as crianças do planeta estão expostas a pelo menos um risco climático e ambiental, segundo um relatório publicado em 2021 pelo UNICEF, um fundo criado pela ONU para promover os direitos e o bem-estar de crianças e adolescentes em todo o mundo. Ao todo, conforme o documento, um bilhão das crianças do mundo, cerca de metade da população infantil mundial, vivem em países de risco extremamente alto, ou seja, estão altamente expostas a perigos e estresses climáticos e ambientais.

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Crianças têm direito à moradia digna, mas desastres naturais como inundações, cada vez mais frequentes, estão destruindo suas casas. Crianças têm direito à água e à alimentação, mas eventos climáticos extremos, desertificação e seca trazem escassez de água e de comida.

“As crianças, por estarem em um período peculiar de desenvolvimento e formação, são extremamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. Eventos climáticos extremos prejudicam diretamente um amplo espectro de direitos das crianças, incluindo seu direito à sobrevivência e ao desenvolvimento”, comenta Laís Fleury, Representante de Relações Internacionais da Alana Foundation. 

Leia também: A crise hídrica é uma crise dos direitos das crianças

Para se ter ideia do tamanho do problema, até 2030, as mudanças climáticas devem gerar 95 mil mortes a mais de crianças menores de cinco anos a cada ano por conta da desnutrição, segundo estimativas da ONU. 

Enquanto isso, o aumento das temperaturas vai elevando a incidência de doenças transmitidas pela água e por vetores, como malária, dengue, febre e diarreia. 80% das pessoas que morreram por malária em 2014 eram crianças, segundo o UNICEF. 

A crise impacta os mais básicos direitos infantis de sobreviver e de prosperar, de maneira que reduzir os riscos ambientais poderia evitar a morte de uma em cada quatro crianças no mundo, aponta a ONU. O cálculo leva em consideração um cenário em que esses riscos representam 25% da carga de doenças em crianças de até cinco anos. Trata-se, portanto, de um grave problema de saúde global.

Na prática, também assistimos os efeitos da emergência climática ameaçarem a educação. Se, por um lado, os eventos climáticos extremos estão destruindo escolas, por outro, a dificuldade de acesso à saúde e à alimentação afetam o desenvolvimento infantil e a capacidade de aprendizagem. Soma-se a isso a perda de renda familiar devido ao estresse climático, que empurra crianças à necessidade de ajudar nas tarefas domésticas e a trabalhar, aumentando o combo de violação de seus direitos.

– Leia também: Como a emergência climática afeta a educação de crianças e jovens

A vulnerabilidade das crianças na crise climática

Meninas, crianças pobres, indígenas, com deficiência e outras minorias são as primeiras e mais afetadas pelas mudanças climáticas. A emergência ainda tem levado famílias a migrarem, elevando o grupo de crianças em movimento para a travessia de fronteiras, muitas vezes distantes da escola e submetidas ao trabalho infantil.

Embora seja o grupo que menos contribua para a emergência climática, as crianças são as mais vulneráveis aos efeitos da crise, direta ou indiretamente. Por ter menos capacidade de regular sozinho sua temperatura corporal, quem tem até 5 anos de idade estará mais suscetível a ondas de calor tão extremas às quais, segundo estudos, 75% da população mundial estará exposta em 2100 que poderão até causar mortes.

Apesar das evidências das graves consequências das mudanças climáticas para as crianças, elas ainda são pouco ouvidas pelas estruturas internacionais e nacionais que trabalham a questão. 

Nesse contexto, promover a educação ambiental é essencial. As crianças precisam ser apoiadas para se protegerem das ameaças relacionadas ao clima e exercerem seu direito de serem escutadas sobre políticas e ações que buscam remediar danos. Elas precisam estar nas principais estruturas de governança climática. 

“Garantir uma educação de qualidade é assegurar que crianças, adolescentes e adultos tenham experiências significativas com e na natureza. Essas experiências podem ocorrer por meio da escola e seus territórios, dando condições para que os estudantes amem e cuidem da vida em todas as suas manifestações. Em perspectiva contextualizada, científica e crítica, a educação, então, deve abordar as questões que influenciam diretamente o presente e o futuro de nossas existências, fortalecendo uma cidadania ambiental e climática de forma transversal e interdisciplinar a todo currículo da escola”, diz Raquel Franzim, Diretora de Educação e Culturas Infantis do Alana.  

Recomendações para o direito a um meio ambiente equilibrado

Com o objetivo de garantir que o direito de todas as crianças e adolescentes a um meio ambiente ecologicamente equilibrado seja garantido com prioridade absoluta, o Instituto Alana, por meio do programa Criança e Natureza, contribuiu com a elaboração do Comentário Geral 26, um documento que cria recomendações e diretrizes para que países, empresas e sociedade garantam os direitos da criança e do meio ambiente, com foco em mudanças climáticas.

Essas recomendações são publicadas pelo Comitê dos Direitos da Criança, composto por 18 especialistas independentes, que monitoram a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU por parte dos Estados. Trata-se do tratado de direitos humanos mais aceito da história, ratificado por 196 países. 

O Comentário Geral 26 traz uma série de alertas. Um deles é sobre o racismo ambiental que coloca crianças e adolescentes do sul global dentre os mais afetados pela crise climática. O termo refere-se à urgência de pautar as causas, consequências e soluções para a emergência climática com uma perspectiva antirracista.

– Leia também: Legal policy brief: documento inédito amplia o debate sobre o direito das crianças à natureza

O documento também destaca a necessidade de tratar os impactos da poluição do ar sobre esse público, de garantir acesso à natureza, à segurança alimentar e à água potável para todas as infâncias e, ainda, orienta para um cuidado especial com os direitos de crianças indígenas e de comunidades tradicionais, o grupo mais afetado pelo desmatamento, pela queimadas, pela contaminação por mercúrio e pelas mudanças climáticas, que perdem, com esse cenário em seu território, seu patrimônio cultural e seu direito à vida.

No Brasil, o desmatamento e as queimadas estão entre os principais fatores de emissão de gases de efeito estufa e afetam diretamente a saúde das crianças. Os picos das queimadas na Amazônia em 2019 ocasionaram na hospitalização de mais de 5 mil crianças por mês nas capitais da região por problemas respiratórios. 

Proteger os territórios dos povos indígenas, além de preservar sua memória e identidade, também é essencial do ponto de vista ambiental e climático. É urgente uma ação agressiva sobre a crise climática ou simplesmente não haverá mundo habitável para as crianças no presente e no futuro.

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O que é Justiça Climática e qual é sua relação com os direitos das crianças?

Populações vulneráveis, como as crianças, são as mais suscetíveis a sofrer as consequências da crise do clima; e a Justiça Climática busca reverter esse cenário ao defender mais investimento, responsabilidade e apoio de países que mais exploram os recursos do planeta 

Justiça Climática é como ficou conhecido o movimento global que busca uma divisão mais justa dos investimentos e das responsabilidades no combate à emergência climática. É entender que o mundo inteiro já sente os efeitos causados pela crise do clima, como o aquecimento que, cada vez mais, gera enchentes, secas severas e ondas de calor. Mas essas consequências atingem de forma muito diferente e desigual tanto as pessoas quanto os países, conforme seus recursos e grau de vulnerabilidade.

Países menos industrializados e pessoas mais vulneráveis, por exemplo, contribuem menos para agravar a crise, mas muitas vezes são os mais suscetíveis a sofrer suas consequências, já que possuem menos estrutura e recursos para enfrentar o problema. Por isso, a Justiça Climática propõe que os que mais exploraram os recursos do planeta invistam mais e auxiliem, com projetos, os que mais necessitam, uma vez que detêm mais infraestrutura e desenvolvimento.

Trata-se de um movimento para tentar garantir justiça global para a população vulnerável aos impactos das mudanças climáticas que geralmente é esquecida: pobres, mulheres, crianças, negros, indígenas, imigrantes, pessoas com deficiência e outras minorias marginalizadas em todo o mundo. Dessa forma, a Justiça Climática se pauta pela garantia e proteção dos direitos humanos e na confiança de que o trabalho em comunidade é a maneira mais eficaz para assegurar o presente e o futuro das próximas gerações. 

“Justiça Climática é reconhecer que a crise climática afeta de forma diferente grupos e comunidades diferentes. Quanto mais vulnerável uma comunidade, mais afetada ela é. Esse movimento global busca, portanto, trazer soluções de forma equitativa para grupos que mais sofrem a crise decorrente das mudanças climáticas”, comenta Pedro Hartung, Diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Alana.

Por isso, é importante que as decisões sobre mudanças climáticas sejam participativas, transparentes e responsáveis, e que estejam sempre em busca de igualdade e equidade de gênero, assim como de partilha dos benefícios e encargos equitativamente, como defende a Fundação Mary Robinson – Justiça Climática, um centro de liderança que luta para garantir essa justiça global. 

– Leia também: Justiça Climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável

Meio ambiente saudável agora é um direito humano 

A própria Organização das Nações Unidas (ONU) declarou, em julho deste ano, que o meio ambiente saudável é um direito humano, marcando um passo importante na ação contra o acelerado declínio do mundo natural. A resolução animou defensores do meio ambiente que acreditam na importância de impulsionar cada vez mais países a levarem o espírito dessa mensagem às suas leis constitucionais e aos tratados regionais.

“A resolução transmite a mensagem de que ninguém pode tirar de nós a natureza ou o ar e água limpos, nem nos privar de um clima estável. Ao menos, não sem luta”, defendeu na época Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). 

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O direito constitucional ao clima no Brasil

Desde 1988, o Brasil reconhece o clima como um direito constitucional. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, estabelece o artigo 225 da Constituição Federal.

A legislação prevê ações como definição de territórios,  proteção da fauna e da flora nacional, além da promoção da educação ambiental. A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são considerados patrimônios nacionais, por isso, sua utilização deveria acontecer em condições que assegurassem a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais.

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Mas, na prática, não é o que vem acontecendo. Nas últimas décadas, especialmente nos últimos anos, o  país tem visto o desmatamento e as queimadas avançarem sobre a floresta amazônica e outros biomas. A taxa de desmatamento na Amazônia subiu 73% em três anos (de 2019 a 2021), segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Governo Federal.

Portanto, para a Justiça Climática, é preciso enfrentar a crise climática agora, com medidas concretas para preservar e proteger os direitos das gerações futuras. É preciso, ainda, avançar e garantir o cumprimento das leis já existentes nos países para limitar a poluição, proteger a natureza e combater a mudança climática. 

Nesse processo, crianças e adolescentes, os que mais sofrem e sofrerão com os efeitos das mudanças do clima, devem ser colocados em primeiro plano, e seu direito à participação, tanto para ouvir os problemas quanto para encontrar soluções, deve ser garantido. A Justiça Climática requer uma ação conjunta para preservar o planeta.

“A crise climática na infância não é um conceito abstrato, mas sim algo vivido no corpo, no cotidiano e na subjetividade de bilhões de bebês e crianças no mundo. Precisamos criar caminhos sensíveis, profundos e éticos de escuta para acessar o que elas têm a nos dizer a partir de seus sentimentos e dizeres mais profundos, não apenas para garantir o seu direito à participação nos temas que lhe dizem respeito, mas, sobretudo, porque as crianças nos ensinam como sociedade a perceber o mundo sob outra perspectiva”, argumenta Ana Claudia Leite, assessora de educação e infância do Instituto Alana. 

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História do habeas corpus coletivo pelo fim da superlotação no sistema socioeducativo é contada em livro

O cenário de violações de direitos de adolescentes em privação de liberdade é um desafio a ser superado no sistema de justiça juvenil e no sistema socioeducativo brasileiros, ainda que os direitos desse público sejam garantidos com absoluta prioridade na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outras leis nacionais e convenções internacionais.   

Nesse contexto, com a intenção de promover e registrar um momento histórico na luta pelos direitos desses adolescentes e, especificamente, celebrar a conquista alcançada com o Habeas Corpus (HC) coletivo nº 143.988, o Instituto Alana lança a publicação “Pela dignidade: a história do habeas corpus coletivo pelo fim da superlotação no sistema socioeducativo”, que resgata a persistência de órgãos do sistema judiciário, como as defensorias públicas, e da sociedade civil na busca por alcançar essa realidade.

Em agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, no julgamento do referido HC, o fim da superlotação em unidades socioeducativas em todo o país, uma decisão que reconhece que toda a população dessa faixa etária deve ter seus direitos fundamentais assegurados

O processo foi levado à corte pela Defensoria Pública do Espírito Santo para questionar a superlotação no estado e, posteriormente, foi estendido aos demais estados brasileiros. A ação contou com a participação de diversas organizações da sociedade civil como amicus curiae (amigo da corte), como Instituto Alana, Conectas Direitos Humanos, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). 

Para o Instituto Alana, entre as decisões recentes do STF, o HC 143.988 é, provavelmente, um dos julgados mais importantes sobre direitos de crianças e adolescentes nas últimas décadas. “O entendimento do STF fortalece a jurisprudência da Suprema Corte no reconhecimento do dever constitucional de garantir os direitos de crianças e adolescentes com prioridade absoluta e afasta o sistema socioeducativo de uma lógica punitivista. A decisão abre caminhos para a qualificação da política e para que outras alternativas sejam pensadas, como o cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto e, principalmente, o fortalecimento de políticas de prevenção para impedir que meninas e meninos cheguem no sistema socioeducativo”, comenta Pedro Mendes, advogado do Instituto Alana.

Entre as vitórias da decisão, está a exigência de que os estados adotem as alternativas que forem necessárias para impedir a superlotação, o que culminou na criação de sistema de central de vagas em diversos estados, de modo que se tenha uma pessoa por vaga. Assim, para admitir uma nova internação, seria preciso liberar a vaga de um adolescente.

O racismo e as desigualdades sociais, econômicas e de gênero são situações estruturais refletidas no perfil de adolescentes das unidades socioeducativas do país: 59% são negros, 81% de suas famílias têm renda salarial entre “sem renda” e “menos de um salário mínimo” e 72% dessas famílias têm entre quatro a cinco membros, segundo Levantamento Anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que trazem dados de 2017.

Em sua maioria, tais ambientes são superlotados, insalubres, com alimentação inadequada e insuficiência de condições mínimas de higiene e habitabilidade. Como afirmam as advogadas Mayara Silva, Thaís Dantas, Letícia Carvalho e Laura Gonzaga em artigo na publicação, a compreensão do STF sobre a superlotação é paradigmática “por reafirmar que as situações de insalubridade e violação de direitos causadas pela superlotação são especialmente graves no contexto da infância e da adolescência, tendo em vista a especial condição de desenvolvimento dessa população. O propósito socioeducativo da medida de internação não pode ser observado se não há condições materiais, humanas e estruturais mínimas que garantam a preservação mais básica dos direitos de adolescentes e jovens, e essa deturpação de propósito gera danos irreversíveis a pessoas ainda em formação”. 

O Defensor Público do Estado do Espírito Santo, Hugo Fernandes Matias, observa que “a decisão proferida pelo STF nos autos do HC 143.988 contempla a maior política pública para a promoção de direitos fundamentais de adolescentes e jovens privados de liberdade desde o estabelecimento do ECA. Aliás, somente após a intervenção da Suprema Corte podemos falar que o sistema socioeducativo nacional observa os parâmetros da Constituição de 1988. Sem dúvida, trata-se de decisão singular, com possibilidade de servir de parâmetro inclusive para outros países da América Latina”. E acrescenta: “o consórcio entre entidades de defesa de direitos de crianças e adolescentes, defensorias públicas e sociedade civil em geral foi fundamental para o sucesso do processo junto ao STF”. 

O livro conta com uma reportagem sobre a superlotação no sistema socioeducativo e diversos artigos que incluem reflexões de especialistas do Instituto Alana, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e da Conectas Direitos Humanos, além da OAB/RJ, das Defensorias Públicas dos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Sergipe e do Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias estaduais e distrital. 

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Pesquisa inédita mostra a percepção das crianças sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas

 “Eu fiz um pato joinha que faz as pessoas ficarem felizes… algumas pessoas toda hora fica triste… coisas… ruim… lembra de coisa ruim… [sic] eu toda hora lembro de uma coisa ruim… uma coisa triste… aí o pato joinha deixa as pessoas felizes”.
– Menino de Brasília, de 5 anos. 

Outra parte do público infantil acredita que o problema é de natureza estrutural, que se propaga em rede e reverbera no conjunto da vida, pois tudo está interligado. Um menino de 7 anos de São Paulo, por exemplo, fez um desenho em que um monstro contamina raízes. “(…) Ele mata pegando você pela raiz e te enforcando pela raiz… eu tô com a espada na mão lutando com o monstro que começou a contagiação… [sic] e também dá pra contagiar qualquer coisa, tipo essa lua aí… virou monstro também… ele está contaminando tudo… como essa lua que também tá virando mutante… nascendo um tentáculo dela”. 

Ainda, há crianças que imaginam artifícios para se proteger das catástrofes da crise climática, como as construções de abrigos, a exemplo das arcas de Noé. Em São Paulo, três crianças construíram uma torre, uma espécie de arca, que abriga possibilidades de sobrevivência, inclusive “sementes do futuro” para a continuidade da vida na Terra.

Percepções como essas fazem parte de uma pesquisa de escuta de crianças sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas realizada pelo Instituto Alana, por meio de Ana Cláudia Leite e Gandhy Piorski, com o apoio da Fundação Bernard Van Leer. As escutas também abrangeram temas acerca da cidade, em especial sobre sua relação com o brincar ao ar livre e a mobilidade. 

Entre 2018 e 2020, os pesquisadores realizaram oficinas de escuta com meninos e meninas com e sem deficiência, de 4 a 12 anos, e de diferentes condições socioeconômicas, étnicas e raciais, feitas em cinco cidades brasileiras, de todas as regiões do país: Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Brasília (DF), Recife (PE) e Boa Vista (RR). 

“Buscamos criar um método de escuta sensível que parte das linguagens e expressões das crianças e busca alcançar o que elas têm de mais profundo e inspirador para o mundo: sua imaginação. Assim, como adultos, temos a oportunidade de perceber as infâncias e os temas propostos a partir de outra perspectiva”, ressalta Ana Cláudia Leite, assessora de infância e educação do Instituto Alana.

O resultado desses encontros é apresentado em dois sumários executivos, “Por um método de escuta sensível das crianças“, que apresenta a metodologia autoral construída pelos pesquisadores a partir de uma concepção de escuta que privilegia as múltiplas linguagens e o imaginário das crianças, e “Escuta de crianças sobre a natureza e as mudanças climáticas“, cujo conteúdo traz as produções e narrativas das crianças que dialogam com a questão ambiental, como as mudanças climáticas e a poluição. 

Das oficinas de escuta, os pesquisadores criaram um acervo composto de produções de crianças com diversos materiais, áudios, fotos, vídeos e registros de bordo, bem como um relatório técnico no qual há a análise interpretativa dos temas abordados na pesquisa. Ao todo, são cerca de 150 desenhos, 95 objetos, 80 produções em massa de modelar e 70 horas de áudio e vídeo. 

Sobre o tema natureza e mudanças climáticas, os pesquisadores classificaram as produções das crianças em quatro eixos temáticos: “teia da vida” (que expressam uma relação de interdependência nos acontecimentos sobre o meio ambiente e de conexão entre os fatos), “retorno ao primitivo” (que exprimem uma ideia de retorno aos estágios primitivos da civilização, como as destruições em massa), “drama geológico” (a ideia de que as ameaças e transformações viriam não dos seres humanos, mas sim do planeta e sua reorganização geológica, ou até do sistema solar e do cosmos) e “drama ético” (que diz respeito à responsabilidade dos seres humanos nas consequências negativas e positivas em relação ao meio ambiente).

“Esses assuntos são tratados com profundidade pelas crianças. Expressando-se por meio de modelagens, desenhos e objetos, elas evidenciam por meio da sua força imaginária a urgência de se encontrar soluções sistêmicas  para  problemas ambientais complexos e graves. Em suas produções, a natureza aparece como fonte de vida, beleza, integração e desenvolvimento e, ao mesmo tempo, as crianças demonstram ter receio com os problemas ambientais, que já são sentidos por elas”, ressalta Gandhy Piorsky, coordenador da metodologia da pesquisa. 

A participação é um direito de crianças e adolescentes, conforme evidencia o artigo 12 da Convenção dos Direitos das Crianças, que se efetiva à medida que as especificidades da infância, e em relação à idade e às suas condições cognitivas e emocionais, são asseguradas. Mesmo em assuntos de alta complexidade, como as mudanças climáticas, as crianças podem e devem ser consideradas, uma vez que são temas que lhe dizem respeito, impactam sua vida e a das futuras gerações. No entanto, é preciso cuidado para que, em nome do direito à participação, não se conduza iniciativas que se baseiam em concepções, narrativas e atividades que são próprias do mundo do adulto, mas inadequadas à condição peculiar de desenvolvimento das crianças. 

Para Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos da Infância do Instituto Alana, crianças precisam ser consideradas não apenas por serem sujeitos de direitos, mas porque a humanidade ganha ao escutar as novas gerações. “A infância tem uma perspectiva e contribuição singular aos desafios individuais e coletivos. Essa escuta é fundamental pois é necessário engajar diversos atores para a mobilização urgente em prol das questões climáticas e fortalecer a incidência da pauta nas mídias e em ações junto a lideranças políticas e a governos locais”, ressalta.  

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Pela Inclusão: livro reúne argumentos contra decreto que traz retrocessos à educação inclusiva

Acessar, permanecer e aprender na mesma sala, na mesma escola, é um direito de todas as crianças e todos os adolescentes, independentemente de sua condição, ou seja, de ter ou não uma deficiência. No entanto, em setembro de 2020, o governo federal publicou um decreto que se apresenta como um grave retrocesso para a efetivação desse direito e da educação inclusiva.

O Decreto Federal nº 10.502/2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE), busca retroceder para a criação de espaços segregados para estudantes com deficiência, limitando seu ingresso e permanência nas classes comuns de escolas regulares.

Em resposta a esse ato que põe em risco o ideal da escola para todos, a Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva, da qual o Instituto Alana faz parte, apresenta, em 21 de setembro, no Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, a publicação Pela Inclusão: os argumentos favoráveis à educação inclusiva e pela inconstitucionalidade do Decreto nº 10.502/2020 (baixe aqui)

Com prefácio da procuradora regional da República e uma das pioneiras na defesa da educação inclusiva, Eugênia Augusta Gonzaga, o livro reúne 30 artigos com argumentos jurídicos e pedagógicos favoráveis à educação inclusiva escritos por representantes de organizações que participaram, em agosto de 2021, como amicus curiae em uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 6.590/DF, que questionava a constitucionalidade do decreto. Atualmente, os efeitos da nova política estão suspensos, mas sua confirmação ainda está pendente.

Publicado com o apoio do Instituto Alana, o livro é composto por cinco capítulos. O primeiro traz textos que resgatam a história dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil e no mundo. O seguinte trata das convenções internacionais e políticas públicas de educação inclusiva, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), aprovada em 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e promulgada, em 2009, no Brasil. Depois, a publicação apresenta artigos com análises mais detalhadas do Decreto 10.502, como a questão orçamentária e as receitas destinadas à educação inclusiva, além de uma avaliação dos artigos e incisos do ato normativo. O próximo capítulo reúne textos sobre a interseccionalidade da deficiência com outros marcadores, como a perspectiva da raça. Por fim, o livro se encerra com artigos que trazem depoimentos pessoais e experiências de inclusão em escolas brasileiras.

“A educação inclusiva é uma das pautas mais urgentes para a garantia de direitos das pessoas com deficiência e para a construção de uma sociedade que quer se ver inclusiva e distante de qualquer forma de discriminação. Temos o orgulho de apresentar essa publicação, com o intuito de fortalecer a defesa da importância de uma educação verdadeiramente inclusiva para todas as crianças e adolescentes com absoluta prioridade”, comentam em um dos artigos os idealizadores da publicação, a diretora-executiva do Instituto Alana, Isabella Henriques, o diretor de Políticas e Direitos da Criança do Instituto Alana, Pedro Hartung, e a coordenadora jurídica da Coalizão, Laís de Figueirêdo Lopes.

A Coalizão é composta por 56 organizações de áreas como direitos humanos, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes e educação, que atuam pelo direito à educação inclusiva no Brasil. 

Com o compromisso de assegurar a acessibilidade em suas produções, o grupo está disponibilizando o material em formatos acessíveis: PDF acessível, ePub e versão audiovisual (com interpretação em Libras e narração). 

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Parlamentares ignoram o ECA e mantêm teor punitivista em 72,5% das proposições sobre atos infracionais, mostra pesquisa

Relatório Discursos parlamentares sobre adolescência e ato infracional, realizado pelo NEV-USP, com apoio do Instituto Alana, revela que, em 30 anos, o punitivismo deu o tom das proposições parlamentares, tendo a maioria como objeto a redução da maioridade penal e o aumento do tempo de internação de adolescentes

Adolescentes são sujeitos de direitos que estão em condição especial de desenvolvimento. Esse entendimento, sustentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ampara a necessidade de protegê-los contra qualquer ação que os prejudique. No entanto, em um período de 30 anos, 72,5% das proposições apresentadas por parlamentares no Congresso Nacional referentes a adolescentes a quem se atribui a prática de atos infracionais têm teor punitivista. Ou seja, um ideal que aposta em penas duras e prisão como forma de punir quem é acusado de atos considerados ilícitos.

Esse dado faz parte da pesquisa Discursos parlamentares sobre adolescência e ato infracional, realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), com apoio do Instituto Alana, que mostra como as propostas legislativas refletem questões a respeito do tratamento de adolescentes envolvidos em supostos atos infracionais. 

O estudo faz uma análise quantitativa e qualitativa das propostas de alteração legal apresentadas no Congresso Nacional entre 1990 e 2020, partindo de buscas nos sites oficiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Para a pesquisa, foi selecionado um conjunto de palavras-chave – como “sistema socioeducativo”, “adolescente infrator” e “adolescente em conflito com a lei” – que permitisse identificar todas as proposições legislativas federais que abordam, centralmente ou não, temas relacionados a esses adolescentes. 

Ao todo, foram identificadas 338 proposições. Das proposições analisadas, 244 são de teor punitivista. Enquanto 29,3% referem-se ao aumento do tempo de internação e 24,3% à redução da maioridade penal, apenas uma pequena parte do total são as que propõem medidas justificadas pelo propósito de garantir os direitos dos adolescentes, como as relacionadas à proibição de revista vexatória em unidades de internação (0,9%) e a projetos que ampliam as garantias processuais e os direitos individuais dos adolescentes (2,7%).

“Com relação às propostas de redução da maioridade penal, identificamos 82, no total. A PEC em tramitação sobre esse tema é de 1993, então percebe-se que é um tipo de proposta antiga, orientado por um modelo utilizado para as políticas penais voltadas aos adultos, não sendo eficiente no que diz respeito à garantia da segurança da população e à redução da criminalidade”, comenta Bruna Gisi, coordenadora da pesquisa.

Antes do ECA, o Sistema de Justiça Juvenil era pautado pelo Código de Menores de 1979, promulgado durante a ditadura militar. A partir de 1990, com a regulamentação do Estatuto, o Brasil alinhou-se ao que estabelece a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, de 1989, e os adolescentes passaram a ser considerados sujeitos que devem ter direitos fundamentais assegurados e tratados com prioridade na formulação de políticas públicas.

“Debates públicos sobre os modos de tratamento de adolescentes, especialmente quando se atribui a prática de atos infracionais, seguem permeados por embates acirrados entre uma perspectiva punitivista e uma garantidora de direitos, especialmente quando surgem casos de grande repercussão midiática. E uma das esferas em que se pode observar essas disputas é a arena legislativa”, comenta Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana.

Do total das proposições, no que diz respeito às casas legislativas, 83,7% são de autoria de deputados e 16,3% de senadores. A maior parte das proposições sobre os temas relacionados aos adolescentes a quem se atribui a prática de atos infracionais são de partidos considerados de direita (45,3%), contra 24,4% de partidos do centro e 24,4% de esquerda. Além disso, os estados do sudeste concentram a maioria dos casos: parlamentares de São Paulo foram responsáveis por 21,3% das proposições e os do Rio de Janeiro formularam 13,9% das propostas, concentrando quase 50% das proposições. 16% das proposições são de autores do centro-oeste, 14,8% do sul, 12,7% do nordeste e 6,5% da região norte.

Na análise da série histórica, também se observa um crescimento significativo ao longo dos anos analisados pela pesquisa. Ainda que não ocorra um crescimento contínuo ano a ano, se considerarmos a evolução em períodos de cinco anos, a curva indica um crescimento. Somente o intervalo entre 2015 e 2020 concentra 35,6% de todas as proposições.

“Com essa publicação, buscamos dar luz à garantia dos direitos dos adolescentes a quem se atribui a prática de ato infracional, refutando premissas equivocadas que sustentam grande parte desses projetos de lei e reforçando a necessidade de uma justiça especializada que possa, além de responsabilizar, promover os direitos desses adolescentes”, diz Cifali.

Baixe a publicação na íntegra aqui. 
Baixe o sumário-executivo com o resumo da publicação aqui

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Território do Brincar e Alana lançam o filme “Brincar Livre: de dentro para fora”

A pandemia do coronavírus mostrou que, mesmo com as restrições do período mais crítico de isolamento social, o brincar das crianças não parou. Ele continuou livre, potente e presente no cotidiano de muitas famílias e de suas casas. Mas, será que passados mais de dois anos desde o início da crise sanitária, o longo período de distanciamento social afetou a forma de brincar? 

O documentário Brincar Livre: de dentro para fora, novo lançamento do Território do Brincar, em parceria com o Instituto Alana, apresenta essa transição do brincar em tempos de flexibilização das medidas restritivas, agora com as crianças de volta ao espaço público, ao convívio social e à escola.

“Mais uma vez, o brincar revelou que funciona como um sistema de equilíbrio do ser, reafirmando o impulso da própria vida.”

Entre maio e novembro de 2021, a equipe de pesquisadores do Território do Brincar entrevistou mensalmente 24 famílias da cidade de São Paulo sobre o que as crianças estavam brincando nesse período. O documentário apresenta um recorte dessa pesquisa, feito a partir da observação de pais, mães e avós no brincar das crianças. 

“Mesmo em situações de severas restrições sociais e espaciais, o brincar seguiu acontecendo. Um brincar que se manteve em estado de entrega e contemplação, de forma intimista, investigadora e ousada. E, em conexão com as necessidades intrínsecas de cada criança, ainda que, em decorrência da pandemia, com sérias precariedades corporais e emocionais”. É o que afirma a diretora do filme Renata Meirelles, que há mais de 20 anos pesquisa sobre brincadeiras infantis com o Território do Brincar. “Mais uma vez, o brincar revelou que funciona como um sistema de equilíbrio do ser, reafirmando o impulso da própria vida.”

Assista ao novo filme, que já está disponível para exibição gratuita no canal do Youtube do Território do Brincar:

O brincar em tempos de crise 

Em 2020, quando o mundo se deparou com a pandemia do coronavírus, o Território do Brincar elaborou uma nova maneira de observar o brincar das crianças. Afinal, o cenário inédito de crise de saúde global trouxe enormes desafios logísticos e metodológicos. Em situação de isolamento social, longe do corpo a corpo e do registro direto das expressões infantis, a equipe conversou à distância com inúmeras famílias. A fim de saber como aquela fase inicial da pandemia estava sendo vivida pelas crianças dentro de casa. 

O grupo de pesquisadores se dividiu para conversar com 55 famílias, que viviam em 12 países diferentes. A partir das conversas e das imagens recebidas pelos entrevistados, foi lançado em 2021 o documentário Brincar em Casa e um podcast homônimo, disponíveis gratuitamente em plataformas digitais.

A pesquisa

“Essa pesquisa audiovisual é uma oportunidade para educadores aprenderem a reconhecer as necessidades das crianças e como elas atravessam os diversos momentos da vida coletiva. Aprender a olhar para os gestos, invenções e expressões infantis é essencial para a qualidade do vínculo entre crianças e adultos, sejam educadores ou famílias”. Comenta Raquel Franzim, diretora de Educação e Culturas Infantis do Instituto Alana. 

Os pesquisadores revelaram que, no início da pandemia, feito um rio que enche e ocupa todo espaço até onde encontrar limite, as crianças entraram para dentro das casas. Desse modo, elas preencheram cada centímetro quadrado desses ambientes. Estavam debaixo das mesas, das camas, atrás da máquina de lavar, em cima do beliche, dentro dos armários, no telhado, no banheiro, no corrimão das escadas. “Não sobrou canto onde o corpo não coube, em que a brincadeira não chegasse. Uma infiltração máxima de cada canto, que evidencia a força de expansão do brincar”, afirma a diretora do documentário.

Contudo, com o agravamento da pandemia, os pesquisadores seguiram a investigação no modo remoto, com enfoque no tempo de isolamento e suas consequências no brincar das crianças. Em 2021, a equipe entrevistou mensalmente 24 famílias de São Paulo. Famílias com crianças de três a doze anos, diferentes contextos socioeconômicos, residentes em diferentes regiões da cidade, vivendo em apartamentos, casas, condomínios, ocupação e em aldeia indígena urbana. 

Mais de 90 entrevistas

Nesse período, foram feitas mais de 90 entrevistas, totalizando aproximadamente 80 horas de áudio, que foram transcritas, agrupadas em temas e analisadas. Como expressões corporais das crianças, o uso das telas, as reconquistas dos espaços públicos, as transformações corporais, entre outros. Bem como imagens e vídeos do brincar de suas crianças enviados pelas próprias famílias. Entre novembro de 2021 e março de 2022, a equipe de filmagem do Território do Brincar captou imagens de seis dessas famílias. Em todas as gravações, cumpriu-se um rigoroso protocolo de biossegurança contra a Covid-19.

“Com tantas demandas para lidar, o convite feito para as famílias observarem o que as crianças estavam brincando era, para alguns, penoso ou distante de uma realidade cotidiana. Tomada pelo peso da pandemia, as angústias da solidão, o estresse do excesso de trabalho e as mortes de amigos e familiares que foram vividas e narradas”. Afirmou ainda Renata Meirelles. 

Porém, estar presente e ativo na observação do brincar era o suficiente para transformar algo no relacionamento desses adultos com as crianças. Em alguns casos, só ao perceberem o interesse dos pesquisadores na descrição do brincar, essas famílias se davam conta do quanto isso não era um hábito, mas poderia vir a ser. “Eu me percebo prestando atenção em coisas de uma maneira diferente. É mudar o olhar da casa, mudar o olhar dos adultos e dar mais chance, inclusive, para o brincar ganhar sentido para a família toda”. Foi o que comentou a entrevistada Juliana Garrido, mãe de duas crianças.

Os pesquisadores relataram que, com o passar do tempo, as crianças apresentaram uma variação de interesses no brincar. Elas acompanharam, igualmente, o contexto geral do isolamento e o próprio crescimento natural delas. Mesmo assim, em nenhum momento o brincar cessou ou deixou de acontecer, mesmo que tenha se mostrado mais restrito em seus aspectos sociais, emocionais e corporais.

Lá fora

Quando a volta aos espaços públicos passou a se tornar uma realidade, as famílias iniciaram pequenas incursões em ambientes externos. Mas não foi simples nem fácil voltar a sair, mesmo que aos poucos. A pesquisa apontou que as famílias caminharam mais pelo bairro e exploraram mais as praças por perto de casa, tudo com o devido distanciamento e muitas precauções. Pais e mães notaram o quanto as crianças confinadas se distanciaram de um corpo mais ágil e habilidoso e perderam o traquejo social.

Ao contarem sobre esse novo período de sair para fora, muitas vezes as falas das famílias traziam o verbo “respirar”. A imagem do rio enchendo todos os espaços das casas, no momento inicial da pandemia, ganhava características aéreas nessa fase de transição para fora. O desejo era tirar a cabeça para fora da água, ou da casa que foi invadida pela enchente e estava sufocando a quem ali morava, para dar os primeiros respiros no espaço externo.

Em todos os registros, transitando entre todas as circunstâncias vividas na pandemia e na transição para fora, lá esteve o brincar, ainda que fragilizado, enfraquecido em tônus, em relações sociais e em expressões verbais ou não verbais. O brincar não parou. Não só não parou, como continuou nutrindo a criança para o seu desenvolvimento integral. 

“Brincar é um dos maiores fatores de promoção da saúde integral das crianças. Com a pandemia e seus efeitos severos na vida das crianças, ele se mostrou ainda mais fundamental. O brincar foi essencial nas atividades essenciais como se alimentar, dormir e aprender. Todas as ações em casa, nas escolas, nas cidades e no governo devem privilegiar o brincar livre das crianças, de preferência em espaços públicos, ao ar livre e na natureza”, finaliza Raquel Franzim.

Saiba mais sobre a pesquisa no site do Território do Brincar.

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Nota de pesar – Falecimento do professor Thomas Hehir

O direito das pessoas com deficiência à educação, com garantia de acesso e permanência na escola comum, junto dos estudantes sem deficiência, é uma conquista recente no Brasil. E, mais do que isso, é um avanço exige dedicação contínua para que os progressos aconteçam e os retrocessos sejam superados. É com grande tristeza que recebemos a notícia de que perdemos um importante aliado da defesa dos direitos humanos. Nosso profundo pesar pelo falecimento do professor Thomas Hehir, da Universidade de Harvard (EUA).

Especialista em educação inclusiva, Hehir escreveu livros sobre o tema e advogou pelos direitos das pessoas com deficiência no sistema educacional dos Estados Unidos. Em 2016, coordenou uma pesquisa do Instituto Alana sobre os benefícios da educação inclusiva para estudantes com e sem deficiência. Também esteve presente no filme produzido pela Maria Farinha Filmes e a Rota 6, Um Lugar Para Todo Mundo.

“Thomas Hehir era uma das pessoas mais fáceis de amar que já conheci. Trabalhou incansavelmente para que as escolas sejam espaços para todas as crianças e adolescentes. E inspirou o Alana em diversas iniciativas pelo fortalecimento de uma educação que valorize as diferenças”, comenta Ana Lucia Villela, presidente do Alana.

Ele atribuía como um “grande fracasso” o fato de que muitos estudantes com deficiência ainda estejam estudando em ambientes segregados. E, por todas suas realizações, deixa um legado que reforça o compromisso por uma transformação nas escolas e nos currículos que possam atender à diversidade dos alunos. Que sua trajetória seja um exemplo para aqueles que se empenham por uma sociedade em que ninguém seja deixado para trás.

Note of condolence – Professor Thomas Hehir

The right of persons with disabilities to education, sharing the same space with peer students without disabilities, is a recent achievement in Brazil and many countries worldwide.  And it requires commitment so that progress can be possible and the setbacks to be overcome. It is with great sad that we received the news that we lost an essential ally in defense of human rights, Professor Thomas Hehir, from Harvard University (USA).

“Thomas Hehir was one of the easiest people I have ever met to fall in love with. He worked tirelessly for schools to be the spaces for all children and adolescents. He was also an inspiration for us in Alana to carry out so many initiatives to strengthen an education that values the differences”. Declare Ana Lúcia Villela, Instituto Alana’s president.

An expert in inclusive education, Professor Hehir has written books on the topic and advocated for the rights of all persons with disabilities in the U.S. Educational System. In 2016, he led a research project for the Alana Institute on the benefits of inclusive education for students with and without disabilities. He was also featured in the film “Forget Me Not.”, produced by Maria Farinha Filmes and Rota 6.  

He claimed as a “great failure” the fact that many students with disabilities are still receiving their education in segregated school settings. In the light of his accomplishments, his legacy is strong enough to strengthen the commitment to transform both schools and curricula so that they can respond positively to the students’ diversity issues. May his trajectory be an example to those striving for a society where no one is left behind.