Organizações da sociedade civil, como o Instituto Alana, e mais de 16 mil crianças de 121 países contribuíram para o texto final
Pela primeira vez, o Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que crianças e adolescentes têm direito a se desenvolver em um ambiente limpo, saudável e sustentável. Para garantir que esse compromisso com as infâncias seja cumprido globalmente, a organização publicou, no dia 28 de agosto, o Comentário Geral 26 (CG26), um documento com diretrizes mandatórias sobre os direitos das crianças e do meio ambiente, com especial enfoque nas mudanças climáticas.
Nos Comentários Gerais, o Comitê, composto por 18 especialistas independentes, apresenta recomendações para que os 196 países signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança — o tratado de direitos humanos mais ratificado do mundo — atuem em relação a um tema específico.
No caso do CG26, são determinações destinadas a governos, empresas, sistema de justiça e organizações da sociedade civil para proteger a vida de meninos e meninas diante da tripla crise planetária, composta pela emergência climática, pela perda da biodiversidade e pela poluição generalizada.
O CG26 pode ter um significativo impacto para crianças do mundo todo, já que elas são as mais afetadas por essas crises. Ao destacar a conexão entre os direitos das crianças e a emergência climática e esclarecer a natureza das obrigações estatais nesse contexto, o documento pode ser usado para informar as atividades dos Estados, das autoridades locais e também do setor privado, incluindo a implementação de leis, regulações, políticas, programas e recursos orçamentários.
O texto indica que os Estados devem requerer às empresas que realizem avaliações de impacto ambiental e que atuem com a devida diligência para identificar, prevenir, mitigar e se responsabilizar pelos impactos advindos de suas atividades sobre os direitos das crianças e do meio ambiente, incluindo aquelas conectadas a suas cadeias de valor e operações globais.
O documento também sinaliza que os países devem apresentar relatórios periódicos à ONU sobre os progressos que tenham alcançado na proteção dos direitos ambientais de crianças e adolescentes e realizar avaliações de impacto para todas as decisões relacionadas aos direitos de meninas e meninos e do meio ambiente.
Entre 2022 e 2023, durante consultas regionais e consultas com a participação de especialistas, o Instituto Alana fez contribuições ao texto do CG26 para garantir o direito de crianças e adolescentes a um meio ambiente ecologicamente equilibrado com prioridade absoluta, como determina a Constituição Federal. O Instituto buscou ressaltar as particularidades do contexto do Sul Global, bem como a necessidade de proteção especial a crianças indígenas e de comunidades tradicionais.
O documento final da ONU ressalta que a degradação ambiental e a crise climática constituem uma forma de violência estrutural contra crianças e adolescentes. Esse impacto afeta desproporcionalmente crianças indígenas e outras pessoas pertencentes a grupos minoritários. Além de serem vítimas, essas crianças também desempenham um papel ativo e devem ser consideradas como agentes nas soluções propostas.
Outro aspecto crucial apontado no documento é a participação das empresas na garantia de soluções, as quais possuem a responsabilidade de respeitar e preservar os direitos de crianças e adolescentes, além de ressaltar o direito de acesso à justiça de meninos e meninas em casos de violação.
“Os Comentários Gerais são documentos que desempenham um papel fundamental na ampliação dos conceitos e interpretação da Convenção. Um comentário geral sobre meio ambiente e mudanças climáticas é uma contribuição relevante e essencial para a aplicação prática do tratado por todos os Poderes e setores da sociedade. Celebramos o lançamento desse material, que contou com a incorporação de contribuições do Instituto Alana com relação à importância do acesso a espaços verdes, às responsabilidades das empresas e ao combate à cultura consumista”, diz Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana.
Crianças e adolescentes devem ser considerados na tomada de decisões ambientais, segundo o CG26, e essa recomendação foi aplicada na própria elaboração do documento: mais de 16 mil crianças, de 121 países, fizeram contribuições durante as consultas, em um dos maiores processos de participação infantil praticados pela ONU até então. Doze conselheiros, com idades entre 11 e 17 anos, foram convocados para apoiar o Comitê dos Direitos da Criança nessa construção, sendo três da América do Sul: Tânia, de 14 anos, do Brasil, Esmeralda, de 16 anos, do Peru, e Francisco, de 14 anos, da Colômbia.
“Em termos de participação, o documento ressalta que as crianças reconhecem a importância das questões ambientais em suas vidas e que suas vozes têm um impacto global na proteção ambiental. Assim, é fundamental buscar ativamente as opiniões das crianças e considerá-las em temas complexos, utilizando ferramentas criativas e adequadas para que participem e expressem suas opiniões. Muito mais do que serem vulneráveis às mudanças climáticas, elas são os principais agentes das mudanças que queremos ver no mundo”, diz JP Amaral, Gerente de Meio Ambiente e Clima do Instituto Alana.
Em resumo, o CG26 possui três pilares fundamentais:
1. Ressalta os impactos degradantes da tripla crise planetária, composta pela emergência climática, pela perda da biodiversidade e pela poluição sobre direitos específicos das crianças das presentes e das futuras gerações;
2. Esclarece como a proteção ao meio ambiente é benéfica aos direitos das crianças e determina que elas têm o direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável. Tal direito está implícito na Convenção e se relaciona, em particular, ao direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento, aos mais altos padrões de saúde, às condições adequadas de moradia e à educação, considerando que esse direito é necessário para a completa garantia dos direitos das crianças;
3. Especifica as medidas legislativas e administrativas que os Estados devem implementar de forma urgente para lidar com os efeitos adversos da degradação ambiental e das mudanças climáticas no que diz respeito aos direitos das crianças, bem como para garantir um meio ambiente limpo, saudável e sustentável agora e preservá-lo para as futuras gerações.
Não é a primeira vez que o Instituto Alana faz contribuições aos Comentários Gerais da ONU. Por meio do programa Criança e Consumo, a organização também participou da elaboração do Comentário Geral 25, sobre direitos da criança em relação ao ambiente digital, lançado em 2021.