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Pacote verde do STF: crianças e natureza nas mãos da Justiça

O Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar sete ações que podem fazer toda a diferença para garantir, às infâncias e ao planeta, um futuro no presente. O Pacote verde do STF.

No próximo dia 30 de março, o Supremo Tribunal Federal analisará sete processos que procuram garantir medidas efetivas de preservação socioambiental. Não é usual a mais alta corte do país colocar em pauta tantas ações sobre o mesmo tema em uma única sessão, mas a gravidade do momento o exige. O combate ao desmatamento e às queimadas, o desmantelamento de órgãos que atuam na proteção ambiental e a qualidade do ar serão alguns dos assuntos abordados e que afetam, diretamente, a saúde e o desenvolvimento integral de todas as crianças do nosso país.


Mudanças no uso do solo, com queimadas associadas ao desmatamento, vem escalando a números alarmantes. A taxa de desmatamento da Amazônia divulgada no final de 2021 alcançou a inaceitável marca de 13.235 km2, entre agosto de 2020 e julho de 2021, representando um aumento de 75% em relação a 2018. Entre as principais fontes de  emissão de gases do efeito estufa em nosso país, as queimadas intensificam a poluição do ar e provocam a desestabilização do clima. Um relatório da Unicef (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância), lançado em agosto do ano passado, revelou que quase todos os meninos e meninas na Terra estão expostos a pelo menos um risco climático e ambiental. Por isso, a Unicef classificou a crise climática como uma crise dos direitos das crianças. No entanto, elas ainda são negligenciadas no planejamento de respostas por parte dos governos.

Criança e Natureza

Diante desse contexto, o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, participa de três das sete ações que serão julgadas (veja do que trata cada uma a seguir), em parceria com outras entidades, como amicus curiae (amigo da corte), Ao fornecer evidências e subsídios, o Instituto Alana procura assegurar que os direitos das crianças sejam garantidos com prioridade absoluta, tal como rege a Constituição em seus artigos 225 e 227.


Ao colocar em pauta tantas ações ambientais importantes, frente ao descaso do governo, o STF mostra que está atento aos anseios da sociedade brasileira. A ampla maioria da população, como apontam pesquisas de opinião, defende a preservação da Amazônia e não quer sua exploração a qualquer custo. Outra prova desse consenso em favor da preservação socioambiental é que, no próximo dia 24, nove ex-ministros do Meio Ambiente, que atuaram nos governos Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer irão até o Supremo entregar uma carta conjunta na qual expressam o desejo de que a mais Alta Corte se comprometa em favor do desenvolvimento sustentável do Brasil, alinhando-se com grande parte das nações civilizadas e integrando a luta pela saúde climática do planeta.

Uma ameaça à vida e ao clima do planeta

Famílias, cientistas, empresários, povos indígenas, artistas e ambientalistas vêm alertando que a destruição do meio ambiente é uma ameaça à vida e ao clima do planeta, à biodiversidade, aos negócios, à produção de alimentos e ao bem-estar. “As infâncias são as mais afetadas pelos efeitos do desmatamento e das mudanças climáticas. Agora, o Supremo Tribunal Federal tem nas mãos a possibilidade de garantir, no presente, um futuro melhor para todas as crianças, e para a própria Natureza com Pacote verde STF”, diz Angela Barbarulo, advogada do programa Criança e Natureza. É urgente que as autoridades públicas respondam à altura os desafios que se apresentam.

Conheça as 7 ações que serão julgadas e sobre o que trata cada uma delas:

1. Defesa da Amazônia

ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 760

Do que trata: Destaca a falta de medidas de preservação da Amazônia e dos direitos fundamentais das comunidades tradicionais, responsabilizando supostos atos e omissões do governo, do Ministério do Meio Ambiente e de outros órgãos, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).


Autores: PSB, REDE, PDT, PV, PT, PSOL e PCdoB
O Criança e Natureza atua como amicus curiae. 

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.



2. Investimentos na defesa da Amazônia

ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 59

Do que trata: do fato de o governo federal estar deixando de disponibilizar R$ 1,5 bilhões para o Fundo Amazônia, que já estavam disponíveis, e legalmente devem ser destinados para financiar projetos de preservação na Amazônia Legal.

Autores: PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade
O Criança e Natureza atua como amicus curiae.

Relatoria: ministra Rosa Weber.

3. Padrões de qualidade do ar que respiramos

ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6148

Do que trata: Contesta a Resolução Conama 491, de 19 de novembro de 2018, que estabelece padrões de qualidade do ar, pelo fato de essa resolução não regulamentar de forma eficaz e adequada os padrões de qualidade do ar, deixando desprotegidos os direitos fundamentais à informação ambiental, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e, consequentemente, à vida.

Autoria: Procuradoria-Geral da República
O Criança e Natureza atua como amicus curiae.

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.

4. Autonomia do Ibama

ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 735

Do que trata: alega que o Decreto federal 10.341/2020, juntamente com a Portaria nº 1.804/GM-MD, de 7 de maio de 2020 retiraram a autonomia do Ibama para atuar como agente de fiscalização ao definir que a coordenação da Operação Verde Brasil 2, na Amazônia Legal, seria de responsabilidade do Ministério da Defesa.

Autoria: PV

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.



5. Licenças de funcionamento sem análise de risco ambiental

ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6808

Do que trata: Contesta os artigos 6º e 11-A, II, da Lei n. 11.598/2007, com as alterações que lhes foram atribuídas pelo art. 2º da Medida Provisória n. 1.040/2021, que preveem, no âmbito da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), a concessão automática, sem análise humana, de alvará de funcionamento e licenças – inclusive licenciamento ambiental – para empresas enquadradas em atividade de grau de risco médio, além da impossibilidade de os órgãos de licenciamento solicitarem informações adicionais.

Autoria: PSB

6. Exclusão da sociedade civil do conselho que delibera sobre o Fundo Nacional do Meio Ambiente

ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 651

Do que trata: Pede que seja declarado inconstitucional o decreto federal 10.224, de 5/2/2020, alegando que “a pretexto de regulamentar a Lei nº 7.797/89 – que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) -, a sociedade civil foi excluída do conselho deliberativo do FNMA”.

Autoria: Rede Sustentabilidade

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.

7. Descaso do governo com o desmatamento e o meio ambiente

ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 54

Do que trata: alega que cabe ao Poder Público promover a conscientização pública para preservação do meio ambiente e que, para isso, as manifestações do presidente da República são relevantes. Mas que, segundo consta na ação, “em todas as suas declarações Bolsonaro faz pouco caso do meio ambiente ou do desmatamento extensivo da Amazônia”.

Autoria: Rede Sustentabilidade

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.

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Estudo debate audiências por videoconferência na Justiça Juvenil

Pesquisa também tem o objetivo de sensibilizar os magistrados e promover o aperfeiçoamento das audiências por videoconferência no Sistema de Justiça Juvenil. Financiada pelo Instituto Alana e elaborada pelo Coletivo NEIDE.

Durante a pandemia de coronavírus, as audiências de apuração de atos infracionais e de execução de medidas socioeducativas passaram a acontecer de forma completamente virtual. Ou híbrida, quando apenas uma parte dos atores comparece presencialmente e a restante participa de forma virtual. Porém, essa nova modalidade, regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apresenta vantagens e desvantagens que ainda precisam ser amplamente debatidas pelo Sistema de Justiça.

Audiências por videoconferência

O Instituto Alana encomendou ao Coletivo NEIDE (Núcleo de Educação e Intervenção em Direitos Humanos) a pesquisa Audiências por videoconferência no Sistema de Justiça Juvenil: reflexões sobre o modelo, seus limites e potencialidades. A pesquisa tem o objetivo de sensibilizar os magistrados e promover o aperfeiçoamento dessa modalidade de audiência no Sistema Socioeducativo.

O estudo investiga os prejuízos ocasionados e falhas que precisam ser corrigidas nas audiências virtuais, assim como os ganhos, observando essas questões sob a luz da doutrina da proteção integral, estabelecida pelo artigo 227 da Constituição Federal, e das normas nacionais e internacionais que a subsidiam e possibilitam um questionamento mais profundo sobre a capacidade dessa modalidade em garantir os direitos de adolescentes.

Adversidades

A pesquisa revela que uma das vantagens é a maior possibilidade de participação de familiares e testemunhas, já que não há a necessidade de deslocamento. Porém, problemas com a conexão e a falta de contato humano são pontos negativos. Eles prejudicam a efetividade da participação e a garantia de direitos de adolescentes.

Além disso, é preciso considerar outros aspectos neste diálogo sobre o formato das audiências. A dificuldade de familiares e adolescentes compreenderem os debates e as decisões é uma realidade. Seja por causa da linguagem técnica jurídica ou por problemas de conexão. Bem como as alterações na dinâmica de trabalho de servidores do Poder Judiciário, que relatam se sentirem sobrecarregados com essa nova prática.

O estudo também evidencia as dificuldades de garantir os direitos previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Constituição Federal em audiências realizadas à distância. Um dos direitos dos adolescentes é a conversa reservada com seu defensor, como forma de assegurar o direito à ampla defesa e ao contraditório. A falta deste procedimento pode levar à anulação do processo. No entanto, a pesquisa mostra que, em diversas situações, ficou claro que a entrevista prévia não aconteceu.

“Enquanto perdurarem as audiências virtuais, é essencial que algumas mudanças sejam feitas. Primeiramente, em relação à garantia de acesso à tecnologia e à internet de qualidade, condição prévia para realização das mesmas. Também é necessário aperfeiçoar as recomendações existentes para assegurar os direitos de adolescentes e de seus familiares, garantindo que todos entendam os procedimentos e possam participar de maneira efetiva. Contudo, diretrizes internacionais já apontam a importância de sempre se privilegiar audiências presenciais em casos sensíveis que envolvem crianças, adolescentes e suas famílias”.
Aponta Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana.

Acesse a pesquisa completa
Acesse o sumário executivo

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Por que precisamos de uma educação antirracista?

A educação antirracista e o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas é essencial para, dentre outras coisas, evidenciar as contribuições positivas dessas populações para a sociedade e incentivar estudantes a investigarem a própria identidade.

Você já ouviu falar sobre o perigo da história única? A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, em uma apresentação em 2009, contou que, quando criança, adorava ler, mas sempre lia livros britânicos e americanos. E, nas histórias que escrevia na infância, todos os seus personagens eram brancos e de olhos azuis. Eles brincavam na neve e comiam maçãs, mesmo que essas características não fossem nem um pouco parecidas com as da sua realidade. Como ela não se via nas histórias, não se enxergava como uma personagem principal. E nem via a possibilidade de que meninas com cabelos crespos e pele da cor do chocolate também pudessem existir na literatura.

A falta de representatividade é um dos perigos quando temos uma história única. Mas há, ainda, a preocupação com quem está contando essa história e que ideia pode estar perpetuando. “Comece uma história com as flechas dos nativos americanos e não com a chegada dos britânicos e você tem uma história totalmente diferente. Comece uma história com o fracasso do Estado africano e não com a criação colonial desse Estado e você tem uma história totalmente diferente”, disse Chimamanda.

Daniel Munduruku

Essa reflexão nos faz para pensar como a história do nosso país tem sido contada e reproduzida desde 1500 e quais os impactos causa. Daniel Munduruku, que é educador e escritor de literatura infanto-juvenil indígena, em entrevista ao Alana, nos contou que, quando começou a dar aulas, percebeu que os conteúdos acabavam engessando a atuação do professor e reproduzindo a história a partir de um único ponto de vista: o europeu. 

“A história do Brasil era contada pelo ponto de vista do nosso colonizador e os indígenas sempre ficavam em um papel secundário, terciário, lá no final da fila, porque não se tinha interesse. E a imagem que se fazia desse personagem indígena era totalmente desqualificada”, apontou. Em função disso, começou a escrever histórias para apresentar às crianças uma outra perspectiva. Hoje, Daniel já tem mais de 50 livros publicados. Sempre com o objetivo de trazer mais visibilidade para essa temática e romper estereótipos e preconceitos quanto aos povos indígenas.

O escritor aponta que, mais do que escrever para crianças indígenas e elas se perceberem na literatura, sua ideia é fazer com que as crianças não-indígenas percebam o indígena que existe nelas e assim possam construir essa identidade. “Esse sentimento de pertencimento é necessário e importante para que a gente crie um país mais tolerante e respeitoso e com isso façamos um caminho novo, um caminho de educar o olhar das pessoas, o sentimento, o pertencimento delas”, explica Daniel.

A importância de histórias plurais

Como aponta Chimamanda, a consequência da história única é exatamente o contrário: roubar das pessoas sua dignidade, fazer o reconhecimento de nossa história compartilhada difícil e enfatizar como nós somos diferentes em vez de semelhantes. 

Pensando a educação escolar como um importante instrumento para o desenvolvimento de cidadãos críticos e questionadores, esforços como o de Daniel são essenciais para conectar os pequenos com histórias plurais, contribuindo para uma educação antirracista e democrática. Essas narrativas reproduzem o racismo estrutural, perpetuam o pontos de vista coloniais e promovem a naturalização de violências e desigualdades. Mas, para rompe-las é preciso uma institucionalização de iniciativas que levem a história e cultura desses povos para dentro das salas de aula e para a vida dos pequenos. 

Historicamente os movimentos sociais se levantaram para que as escolas regulares tivessem um currículo comprometido com a diversidade de povos, culturas e suas cosmovisões. Assim, em 2003, a Lei 10.639 foi aprovada, incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. A inclusão das questões indígenas demorou um pouco mais.

Um novo olhar

Daniel conta que, após a promulgação da nova Constituição Federal, em 1988, o Estado brasileiro aprovou um outro olhar sobre as populações indígenas, dando a elas direitos exclusivos, como a uma educação escolar e tratamento de saúde diferenciados e direito às suas terras, cabendo  ao Estado brasileiro demarcá-las. 

A partir desses direitos, outras tantas políticas públicas foram sendo desenvolvidas. Foi pautada a necessidade de que o Brasil olhasse para os povos indígenas sob uma nova perspectiva. “Daí houve o implemento da Lei 11.645, de 2008, [complementando a Lei 10.639, de 2003] que veio estabelecer que todas as escolas devem colocar nos seus currículos a temática indígena, principalmente na história, arte e na literatura. Porém, a lei por si só não resolve nada, ela precisa ser, de fato, implementada. Precisa formar professores com uma visão diferenciada, comprando materiais e dando condições para os educadores atuarem”, explica.

A partir dessas leis, a literatura passou a ser um componente essencial para a efetivação desses direitos. Assim como os editais que o Governo Federal fomentou. Dessa forma, as escolas puderam receber acervos literários que ajudassem os professores a executarem bem esse trabalho.

Protagonismo estudantil por uma sociedade e educação antirracista

Ter contato com a história e a cultura desses povos também é importante. Porque, além de gerar representatividade e novos imaginários sobre as populações afro-brasileiras e indígenas, evidencia suas contribuições positivas para a nossa sociedade. E, assim, resgata a memória histórica, promovendo a construção da subjetividade de negros e indígenas, e um novo olhar para o continente africano. 

Esse contato também incentiva os estudantes a investigarem a própria identidade com base em suas vivências e histórias. Dessa forma, eles criam, por meio do protagonismo juvenil, projetos para fortalecer a autoestima própria e a dos colegas. Além de resolver questões raciais que têm se apresentado como uma problemática em suas comunidades.

Para Gabriel Salgado, coordenador do programa Criativos da Escola, do Instituto Alana, que encoraja estudantes a mudarem suas realidades reconhecendo-os como protagonistas de suas próprias histórias de mudança, a garantia do direito à educação em suas várias esferas e dimensões caminha lado a lado com a construção de uma educação antirracista e com a formação de estudantes comprometidos com a prática cidadã e a construção de uma sociedade cada vez melhor às suas populações.

“Neste sentido, é fundamental que alunos e alunas – independente de sua raça, gênero, etnia e condição de deficiência, por exemplo – não só tenham a possibilidade de participar ativamente, mas sejam convocados a se posicionarem de maneira crítica e criativa com o objetivo de efetivar na prática melhorias para os desafios estruturais que enfrentamos”, aponta.

A Liga Criativos da Escola

Em 2021, o Criativos da Escola lançou a Liga Criativos da Escola, um panorama sobre como estudantes e professores estão transformando suas realidades. Dos 6 mil projetos recebidos pelo programa desde 2015, 31% buscam construir melhores relações interpessoais e promover o bem-estar. E, dentro deste grupo, 24% combatem preconceitos por meio da valorização das diferenças.

“Algumas de nossas principais conclusões a partir da pesquisa foram que: as crianças e adolescentes se mobilizam ainda mais quando lidam com questões vividas na pele; tem se tornado expressiva a atuação de estudantes que se somam a movimentos identitários (de gênero, sexualidade, raça, entre outros), buscando alternativas para enfrentar localmente problemas estruturais; estudantes têm investido em ações que promovem o diálogo e a empatia como estratégia para combater preconceitos e construir relações mais respeitosas frente às diferenças; e projetos realizados por estudantes não se limitam a denunciar a discriminação e suas consequências, mas buscam também valorizar, por exemplo, o conhecimento e a riqueza da cultura afro-brasileira e dos povos originários e o papel da mulher na sociedade”, explica Gabriel.

Projetos

A origem dos projetos também parte de diferentes lugares e experiências. Dentre eles, há os que surgem desde a constatação da falta de representatividade das meninas negras na escola, como foi o caso do projeto criado pelo coletivo de meninas Naturalmente Cacheada, em Sumaré, São Paulo, que organizou ações focadas na valorização da autoestima das meninas negras; até a necessidade de conhecer e valorizar comunidades quilombolas, como a ação de estudantes do projeto Por um olhar mais humanizado: Pérola Negra!, em Caturama, na Bahia, em que um grupo de estudantes desenvolveu atividades em torno de visitas etnográficas a terreiros e comunidades quilombolas, apresentações culturais e palestras.

Também há projetos como o Dicionário Indígena Ilustrado, que surgiu da necessidade de resgate da língua e da cultura indígena das comunidades Ofaié e Guarani, na cidade de Brasilândia, no Mato Grosso do Sul; e projetos que surgiram da demanda por maior valorização das mulheres e, principalmente, das mulheres negras, na ciência, como o projeto Minas na Ciência, de São Miguel das Matas, da Bahia.

“Apoiar, valorizar e promover práticas como essas de protagonismo estudantil é fundamental, para que possamos considerar todos os estudantes no processo de construção de conhecimento. Especialmente os historicamente excluídos como negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência e periféricos. Mas principalmente para que possamos mobilizar e comprometer toda a sociedade na valorização do conhecimento, da história e das culturas africana, afro-brasileira e indígena, além de mobilizar e comprometer também cada um à luta contra o racismo”, conclui. 

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10 filmes essenciais para uma sociedade antirracista

A educação antirracista, aquela que problematiza a desigualdade racial e se volta para o estudo dessas questões e para o respeito à diversidade e à cultura de todos os povos, não é um trabalho apenas das escolas, mas uma responsabilidade de toda a sociedade. 

Enquanto família e comunidade, todos temos papéis fundamentais no desenvolvimento de crianças e adolescentes e em sua formação desde a primeira infância. Por isso, é essencial que estejamos informados sobre as questões raciais para preparar os mais jovens para um presente e futuro mais respeitoso, justo e antirracista. 

Sabendo disso, o Alana selecionou dez filmes, disponíveis para exibição gratuita no Videocamp, para que famílias, amigos, professores, dentre outros, fiquem a par das injustiças raciais da nossa sociedade e saibam mais sobre as vivências e as culturas de negros, indígenas e quilombolas. Confira:

1. Deus (2016)

O curta-metragem dirigido por Vinicius Silva retrata o cotidiano de mães negras das periferias de São Paulo. A protagonista é Roseli, mãe de Breno – e tia do diretor -, que trabalha em uma empresa de mangueiras e acorda às 4h da manhã para limpar a casa. O filme não retrata apenas as dores e os aspectos negativos de morar em uma cohab na zona leste de São Paulo. Mas também os momentos de alegria e de leveza que permeiam a vida e os dias de uma mãe negra. O título faz alusão à música “Mãe”, do rapper Emicida, que diz “(…) vi Deus. Ele era uma mulher preta”.

2. Waapa (2017)

Como é o brincar, a vida em comunidade e a relação com a natureza das crianças Yudja? O documentário, produzido pela Maria Farinha Filmes, investiga essa e outras especificidades dessas crianças, que vivem na aldeia Tuba Tuba, no Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso. E reforça que é preciso contar a história e a vida indígena por outras perspectivas, diferentes das visões perpetuadas pelo racismo e pelos estereótipos.

3. Odò Pupa, lugar de resistência (2018)

Em yorubá, “Odò Pupa” significa Rio Vermelho, o bairro de Salvador, na Bahia, onde as trajetórias contadas no curta-metragem se desenrolam. Um documentário partir da história de dois jovens negros que desafiam as estatísticas na luta pela sobrevivência. Carine Fiúza, diretora, mostra como o racismo se estrutura de forma política, social e cultural no Brasil. Além da discriminação racial, o curta reflete a dificuldade de acesso à educação e ao mercado de trabalho.

4. Sementes da Educação – Escola Pluricultural Odé Kayodê (2018)

O episódio 11 da série Sementes da Educação, sobre iniciativas transformadoras na educação pública do Brasil, apresenta a Escola Pluricultural Odé Kayodê, em Goiás, nome que, na língua yorubá, significa “caçador de alegria”. A escola é um exemplo de educação antirracista e tem uma proposta pedagógica que valoriza as culturas ancestrais indígenas e africana.

5. Parece Comigo (2016)

A representatividade é essencial para a autoestima de meninas e mulheres negras. Porém, desde a infância, as crianças não se veem nem em seus brinquedos. Como diz a letra do rap cantado por Preta Rara: “Meninas negras não brincam com bonecas pretas”. Por isso, o documentário, dirigido por Kelly Cristina Spinelli, explora o problema da falta de bonecas negras no mercado brasileiro. E, ainda mostra o trabalho das bonequeiras que tentam mudar esse cenário, enfrentando a gigante indústria de brinquedos por meio de seu artesanato consciente.

6. Estratégia Xavante (2006)

Dirigido por Belisario Franca, o documentário narra a história vivida por oito crianças da etnia Xavante a partir de 1976. Elas foram escolhidas pelo cacique e outras lideranças da Terra Indígena Pimentel Barbosa, no Mato Grosso, para viver em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e entender os costumes e a cultura dos brancos para ajudar nas estratégias de proteção da vida, da cultura e do território de seu povo.

7. Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil (2016)

Durante os anos 1930, cinquenta meninos negros foram levados de um orfanato no Rio de Janeiro para serem escravizados, em uma fazenda no interior de São Paulo, por uma família que fazia parte da elite política e econômica do país, e que não escondia a simpatia pelo ideário nazista. A história foi descoberta a partir do achado de tijolos marcados com suásticas nazistas no terreno. O filme, dirigido por Belisario Franca, acompanha a investigação do historiador Sidney Aguilar, que descobriu que os meninos foram identificados por números. O longa conta com o depoimento de dois sobreviventes dessa tragédia brasileira, Aloízio Silva (o “menino 23”) e Argemiro Santos, assim como a família de José Alves de Almeida (o “Dois”).

8. As Hiper Mulheres (2012)

Dirigido por Takumã Kuikuro, Leonardo Sette e Carlos Fausto, o documentário conta a história de um velho indígena que, diante da iminente morte da esposa já idosa, pede que seu sobrinho realize o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu, no Mato Grosso (MT), a fim de que ela, que é a única que sabe as músicas do ritual, cante e transmita conhecimentos às jovens.

9. O caminho das pedras (2017)

O quilombo do Abacatal, em Ananindeua, no Pará, está localizado em uma região especial na história da luta pelo reconhecimento das populações tradicionais da Amazônia. No curta-metragem dirigido por Alexandre Nogueira e Fernando Segtowick, os moradores relembram as histórias de fundação do local, assim como a luta para a titulação da terra quilombola. A história por trás do quilombo conta que, há cerca de 300 anos, as terras pertenciam a um conde português que teve três filhas com sua escrava Olímpia: as três Marias. Ele deixou a terra de herança para elas e os filhos das três Marias formaram três grandes famílias que até hoje habitam no lugar.

10. Aldeinha: (Re)Existindo (2018)

O documentário visa investigar várias questões sobre a aldeia indígena Aldeinha, do povo Terena, localizada na cidade de Anastácio, no Mato Grosso do Sul. Como a educação está presente no território? Como os indígenas percebem a importância de sua língua Terena? Qual a importância de ter uma escola dentro da aldeia? Com direção de Cainã Siqueira, Gustavo Tanus e Raylson Chaves, o curta pretende mostrar essa realidade sob uma nova perspectiva.

Bônus: Terreiros do Brincar (2017)

Produzido pela Maria Farinha Filmes, o longa-metragem é fruto de um percurso de 21 meses de viagem por uma vasta geografia de gestos de crianças das mais diversas realidades brasileiras. O filme retrata a participação de crianças em vários grupos de manifestações populares em quatro estados brasileiros, e a sua relação com um brincar coletivo, intergeracional e sagrado.

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Volta às aulas: somar forças para garantir retorno seguro

Nos últimos dois anos, com a Covid-19, o Brasil tem enfrentado inúmeros desafios na efetivação do direito à educação. Estamos diante de um quadro em que as condições de ensino remoto e a volta às aulas presenciais estão ocorrendo de forma desigual. Isso aumenta o risco de abandono e evasão de uma parcela da população em idade escolar, sobretudo dos estudantes em situações mais vulnerabilizadas. Nesse cenário, crianças e adolescentes são os mais afetados.

A crise provocada pela pandemia gerou uma situação só constatada anteriormente em períodos de guerras e desastres naturais. Estudos sistematizados demonstram que situações similares ocorridas no século passado trouxeram implicações na vida dos estudantes de maneira permanente. Crianças que deixam as escolas durante crises têm apenas 30% de probabilidade de continuarem os estudos.

Exclusão escolar

Agora, o país corre o risco de regredir duas décadas no acesso à educação. Dados sobre o cenário nacional da exclusão escolar mostram que, em 2019, havia cerca de 1,1 milhão de crianças e adolescentes fora do ensino formal. Em novembro de 2020, o número era de 5,5 milhões. Já no segundo semestre de 2021, houve um aumento de 171,1% no número de crianças de 6 a 14 anos fora das escolas em relação ao mesmo período de 2019, revela um levantamento mais recente. 

Por isso, é fundamental realizar a busca ativa daqueles que estão fora da escola e assegurar o regresso de todos os estudantes às salas de aula. E isso depende, necessariamente, do apoio, da concentração e da coordenação de esforços de famílias, sociedade e Estado. Isso garante que condições seguras de retorno sejam garantidas para todas as crianças e todos os adolescentes. Somente com o compromisso de cada um será possível recuperar as aprendizagens e combater a exclusão educacional e social.

A escola é o equipamento social

Com o intuito de mobilizar famílias e estudantes evadidos durante a pandemia a aproveitarem o período de matrícula e garantirem sua vaga, mais de 30 organizações da sociedade civil de todo o país, incluindo o Instituto Alana, se somaram à campanha Bora Pra Escola, um chamado para a volta às aulas. 

Nesse contexto, é importante ressaltar que o retorno às aulas com atendimento presencial neste início de ano letivo, especialmente para a faixa etária com cobertura vacinal garantida (dos 5 aos 17 anos e 11 meses), gera mais efeitos positivos aos estudantes do que negativos, mesmo em meio à onda de contágios devido à variante ômicron. Isso porque o direito à saúde e o direito à educação não são opostos e são plenamente possíveis de serem assegurados de maneira concomitante. Fechar escolas ou protelar a abertura delas é uma grande violação dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Ao longo da pandemia, a literatura científica e as experiências exitosas em cidades brasileiras e no âmbito internacional revelam que a escola é o equipamento social capaz de compensar impactos na saúde mental, proteção contra violências e os desdobramentos do aumento da pobreza (como a insegurança alimentar) decorrentes e intensificados pela crise sanitária e humanitária da Covid-19.

O ambiente escolar continua sendo um espaço coletivo seguro ao adotar medidas de proteção.

A bem-sucedida vacinação do público adulto brasileiro e a diminuição de casos graves nesta amostra (entre eles, os profissionais da educação) é outro fator que contribui para a retomada segura das aulas. O início da campanha da vacinação infantil também se mostra o principal aliado de um retorno seguro.

Considerando isso, a volta às aulas presenciais em 2022 deve acontecer de maneira coordenada e articulada entre diferentes atores sociais. Famílias, escolas, redes de ensino e poder público precisam de um esforço multidimensional nos âmbitos político, sanitário, pedagógico e social.

Para contribuir nesse debate, o Instituto Alana elenca questões importantes a serem garantidas em cada um destes âmbitos para a continuidade das atividades educativas, especialmente as presenciais, na vigência da pandemia.

1. Dimensão política

O direito à educação: uma responsabilidade de todos

A educação, junto com setores como saúde, assistência social e outras áreas da gestão pública dividem responsabilidades sobre um plano articulado para o enfrentamento dos efeitos da pandemia na educação. Além da característica multidimensional e intersetorial, esse conjunto de estratégias deve ser coordenado entre entes federativos distintos, como União, Estados e Municípios, levando em conta as evidências sanitárias e as determinações da ciência, em escuta e diálogo com os profissionais da educação e a comunidade escolar. 

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2. Dimensão pedagógica

O papel das redes de ensino e dos profissionais da educação

Estamos ingressando no terceiro ano de pandemia. Portanto, as condições para que as escolas estejam abertas de maneira segura (o que é possível e referendado pela literatura científica) já devem estar postas. A crise sanitária não começou agora: contamos com um acúmulo científico sobre contágio, prevenção e instrumentos de saúde coletiva disponibilizados, como a vacina. Não se pode admitir que, passados mais de dois anos letivos, uma rede ou escola não tenha construído, adaptado e aperfeiçoado sua infraestrutura escolar, protocolos sanitários, mobilização e conscientização da comunidade escolar, além de um currículo voltado para a recuperação de aprendizagens, identificação e encaminhamento de violências e violações. É assim que a escola cumpre seu papel social nos direitos à vida e à educação, que não são opostos e podem caminhar conjuntamente.

Nas escolas, é importante que os educadores estabeleçam critérios, medidas e protocolos adaptados a cada etapa de ensino, considerando suas especificidades legais e por segmento. Tendo em vista que as condições de aprendizagem foram afetadas pela Covid-19, deve-se colocar em primeiro lugar os direitos de desenvolvimento e aprendizagem dos estudantes: a recuperação das aprendizagens, os cuidados com a saúde integral, a prevenção e o encaminhamento de situações de violação de direitos das crianças e dos adolescentes.

Nenhum estudante deve ficar para trás, em nenhum aspecto de seu desenvolvimento cognitivo, físico e socioemocional.
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3. Dimensão das ciências da saúde

Ações de atenção primária à saúde

Garantir o direito à vida e à educação pressupõe fortalecer as ações de atenção primária à saúde da comunidade escolar e do entorno, reforçando medidas de prevenção, entre elas a mobilização da sociedade para a campanha de vacinação infantil contra a Covid-19, a disponibilização e o uso de máscaras, a higienização constante das mãos e o distanciamento ou a reorganização de turmas e horários que garantam a menor circulação de pessoas.

É importante ressaltar que as escolas, especialmente as públicas, atuam na rede de proteção social em ações em prol da saúde coletiva, em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS), nas campanhas de vacinação, controle e erradicação de doenças comunitárias e zoonose. Portanto, o início do ano letivo é uma oportunidade de reforçar a educação para a saúde coletiva. É principalmente na escola que se aprende a prevenir doenças e a agir de maneira responsável no cuidar de si, do outro e do meio ambiente. Ou seja, a pandemia é também um importante conteúdo de aprendizagem social e formação cidadã.

Efetivar o direito à educação também implica garantir investimento imediato na infraestrutura escolar, assegurando água potável, saneamento básico, ventilação cruzada nos ambientes fechados e uso, sempre que possível, de ambientes e áreas abertas e ao ar livre (além do uso de espaços externos do bairro e da cidade, como áreas naturais, praças e parques).

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4. Dimensão social

Desigualdades educativas

Nos últimos anos se constatou que, apesar dos esforços das redes de ensino em manter o direito à educação por meio de atividades remotas, a qualidade da aprendizagem caiu. Isso ampliou as desigualdades educativas entre crianças pobres e ricas, brancas e negras, moradoras de comunidades periféricas e dos centros, entre as que vivem nas cidades e as que vivem no campo e entre crianças com deficiência e sem deficiência. Vale ressaltar que as desigualdades educativas estão associadas às de gênero, raça, classe e condição de pessoa com deficiência, o que acentua violações de direitos de milhares de crianças e adolescentes.

Com até 200 dias letivos sem aula nas redes públicas e privadas brasileiras entre 2020 e 2021, se intensificou um fenômeno chamado de pobreza de aprendizagem (quando não se aprende aquilo que é esperado para determinada faixa etária), gerando consequências negativas em toda uma geração de crianças e adolescentes. A recuperação das aprendizagens é possível, porém, com o aumento da pobreza na vida das famílias de um modo geral, há que se ter um investimento público e estatal, esforço coletivo entre famílias e escolas e uma capacitação de profissionais ainda maior.

A escola é uma porta de entrada para o acesso e garantia de muitos direitos sociais. Entretanto, as trajetórias escolares estão atravessadas pelos reflexos das desigualdades sociais. Ações afirmativas, programas sociais de auxílio, reparação e compensação são urgentes para não aumentar, ainda mais, a assimetria de condições e oportunidades entre crianças e adolescentes.
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Alana e os direitos de crianças e adolescentes na COP 26

Levamos para a COP 26, por meio de intervenções urbanas, painéis e rodas de conversa, a realidade das múltiplas infâncias frente à crise do clima 

A crise climática é uma crise dos direitos de crianças e adolescentes. E, para garantir que elas  tenham um futuro no presente, é essencial lutar pela efetivação do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Com a absoluta prioridade estabelecida pelos artigos 225 e 227 da nossa Constituição Federal. Por todos nós, é fundamental a mitigação das mudanças climáticas.

Foto mostra várias pessoas reunidas durante a COP
Equipe do Alana na COP 26

Para discutir sobre a crise climática e negociar ações para freá-la, aconteceu a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26). Dos dias 31 de outubro e 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. O evento reuniu líderes e autoridades de 196 países e o Alana também esteve presente, para pautar a realidade das múltiplas infâncias frente à crise do clima. Por meio de intervenções urbanas, painéis, rodas de conversas.

“As mudanças climáticas já afetam bilhões de seres humanos, animais e biodiversidade. É fundamental fomentar um movimento construtivo, para salvaguardar a saúde das crianças em todo o mundo. Participar dessa conferência é uma oportunidade de proteger as múltiplas infâncias, especialmente as mais vulneráveis”.
Isabella Henriques, diretora executiva do Instituto Alana.

A poluição do ar, que já causa 7 milhões de vítimas fatais por ano e tem reflexos, especialmente na vida e na saúde de crianças. Este também é tema da segunda temporada da série ficcional Aruanas, produzida pela Maria Farinha Filmes e pelo Globoplay. A série aponta que precisamos, urgentemente, cuidar do nosso planeta para termos condições de sobrevivência.

Ana Lúcia Villela, presidente do Instituto Alana, falou, durante a conferência, sobre algumas iniciativas da organização:

Free To Play Outside

O programa Criança e Natureza levou para Glasgow a enorme Bolha Cinza da campanha Free To Play Outside (Livre Para Brincar Lá Fora). Realizada aqui no Brasil desde julho, em parceria com a organização Parents For Future, dá visibilidade ao problema da poluição do ar e convida famílias a se engajarem em ações por ar limpo para suas crianças em todo o mundo.

Foto mostra bolha cinza gigante e pessoas caminhando
Intervenção da campanha Free To Play Outside

JP Amaral, coordenador do programa, participou do painel “O cenário e desafios da qualidade do ar na América Latina e sua relação com o dia a dia da população” para discutir sobre o monitoramento da qualidade do ar no cenário brasileiro e os impactos cotidianos, especialmente considerando as desigualdades sociais, territoriais, de renda e de idade.

O advogado do Criança e Natureza, Danilo Farias, participou da roda de conversa “Justiça climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável”, que, baseada no lançamento do livro Justiça Climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável, de Mary Robinson, buscou refletir sobre as injustiças que estruturam o tema das mudanças climáticas; e do “Climate litigation”, painel sobre como o litígio climático pode possibilitar justiça climática no sul global.

“Nossa missão é honrar a criança e, sendo a crise climática uma crise de direitos das crianças e adolescentes, nos é evidente o quão imperioso é irradiar para a arena de negociações da COP 26 a urgente e necessária ambição dos líderes mundiais com ações contundentes e centralizadas para a tutela do público mais vulneráveis aos eventos climáticos”.
Explica Danilo.
Foto mostra Raquel de Paula sentada com um microfone na mão durante apresentação do painel
Raquel de Paula durante apresentação do painel

O Portal Lunetas, site de jornalismo dedicado ao mundo das infâncias, por meio da coordenadora Raquel de Paula, apresentou os impactos da emergência climática sobre as infâncias brasileiras, evidenciando o que os pequenos entendem, o que acham e como se sentem diante dessa realidade durante o painel “As vozes das múltiplas infâncias sobre emergência climática: por um futuro no presente”.

“Entrevistamos crianças de diversas regiões do Brasil, entre 6 e 12 anos, para entender como suas vidas foram impactadas pela emergência climática. Ouvimos crianças que não conseguiram ir à escola em função das enchentes, crianças com problemas respiratórios, crianças que vivenciaram os incêndios no Pantanal, e que lutam contra o garimpo ilegal. Crianças com muito medo. No entanto, vislumbram um mundo e um futuro possível. Levar a voz de crianças para a COP26 foi fundamental para incluirmos as crianças no centro da discussão, evidenciando a criança como prioridade absoluta”. diz Raquel.

Laís Fleury, Diretora de Relações Internacionais do Alana Foundation, fez parte da mesa de discussão “Parem de queimar o Pantanal e a Amazônia”, que abordou a importância de manter a floresta em pé, preservar a biodiversidade, e reduzir drasticamente as queimadas e as emissões de CO2. O painel foi composto por diferentes vozes, como povos indígenas, organizações da sociedade civil e a perspectiva da tecnologia e da ciência.

Foto mostra várias pessoas sentadas durante painel sobre litigância climática na COP
Participantes do painel sobre litigância climática no Sul Global

O filme Fazedores de Floresta, distribuído pela Flow Impact, iniciativa do Alana, foi selecionado para ser exibido na Surround Vision. Uma área de destaque na conferência dedicada à exibição de filmes de impacto social produzidos em Realidade Virtual. O filme é um mergulho na experiência do Instituto Socioambiental (ISA) e da Rede de Sementes do Xingu. Esta, uma iniciativa que mantém viva a floresta, preservando a cultura local, desenvolvendo a economia e promovendo o equilíbrio ambiental das bacias dos rios Xingu e Araguaia. 

“Estar na COP 26 me mostrou como estamos na vanguarda da indústria de entretenimento para impacto social. São pouquíssimas as empresas de audiovisual que têm o compromisso que nós temos de, verdadeiramente, conectar as causas do meio ambiente, os principais protagonistas da área e produzir bons filmes, séries e documentários. Estamos fazendo a diferença para aumentar a sensibilização pela emergência climática”.
Ana Castro, Head de Impacto Social e Mobilização da Flow Impact.
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Por um acesso à justiça qualificado para os vulneráveis

Junto de outras organizações da sociedade civil, Instituto Alana solicitou participações de ações que ameaçam as Defensorias Públicas de todo o país

A Defensoria Pública é um órgão responsável por prestar assistência jurídica integral e gratuita à população mais vulnerabilizada do país. Para isso, um de seus instrumentos é a solicitação de documentos às autoridades, agentes públicos e entidades privadas. Isto, além de garantir uma prestação jurídica qualificada, também evita sobrecarga sobre o sistema judiciário. E promove a democracia, os direitos humanos e o acesso à justiça.

Porém, esse poder de requisição de documentos está sendo questionado pela Procuradoria Geral da República (PGR) que, em maio de 2021, propôs diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), das quais destacamos a ADI nº 6.852, em face da Defensoria Pública da União, e a ADI nº 6.879, em face da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pedindo a declaração de inconstitucionalidade dessa prerrogativa.

ADIs

Entendendo a importância desse instrumento para a garantia de direitos e o acesso à justiça, as organizações Instituto Vladimir Herzog, Instituto Pro Bono, Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), Rede Espaço Sem Fronteiras, Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (Cdhep-CL) e Instituto Alana, entidades que integram o Conselho Consultivo da Ouvidoria Geral da Defensoria Pública de São Paulo, solicitaram participar das ADIs como amicus curiae, que é quando pessoas ou entidades contribuem com seus conhecimentos para auxiliar decisões judiciais. Por enquanto, as instituições estão habilitadas para atuarem como amicus curiae na ADI nº 6.879 que se refere à Defensoria Pública de São Paulo.

No documento, as organizações apontam que “é reforçado, por Lei, o papel da Defensoria Pública no exercício da defesa dos hipossuficientes. Na busca pela garantia de que não apenas recebam a melhor orientação jurídica. Mas vejam exercidos, em seu favor, os seus direitos de acesso à Justiça e à plena defesa. Dentre os quais, naturalmente, se insere o pleno acesso a documentos e informações que sejam necessários e juridicamente de seu interesse”.

O Alana afirma que a discussão levada ao STF impacta diretamente na defesa e garantia de direitos da infância e adolescência, inclusive pela sociedade civil.

“A Defensoria Pública de São Paulo também abre à sociedade civil a possibilidade de participação na formulação de suas teses institucionais. Essa ação, entre outras, revela a intimidade entre a Defensoria Pública e a sociedade civil, em especial em relação aos direitos de crianças e adolescentes”.

No âmbito da ADI nº 6.852, sobre a Defensoria Pública da União, o Ministro Relator Edson Fachin já proferiu seu voto pela improcedência da ação. No voto ele afirma que: “Considero a concessão de tal prerrogativa aos membros da Defensoria Pública como verdadeira expressão do princípio da isonomia, e instrumento de acesso à justiça, a viabilizar a prestação de assistência jurídica integral e efetiva”. Contudo, neste momento, o julgamento se encontra suspenso em razão do pedido de vista solicitado pelo Ministro Alexandre de Moraes.

Acesse o documento completo referente à ADI nº 6.852.
Acesse o documento completo referente à ADI nº 6.879.

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Alana e Itaú Cultural lançam publicação “Somos Plurais”

Publicação “Somos Plurais” é um convite a práticas cotidianas de inclusão em instituições culturais  e organizações do terceiro setor

A inclusão é o único caminho para uma sociedade que verdadeiramente aceita, respeita e valoriza as diferenças. É essencial garantir que a diversidade humana seja contemplada na ocupação dos espaços públicos, na garantia e no acesso à direitos.  Assim, precisamos buscar caminhos para transpor barreiras e efetivar a igualdade de oportunidades para todas as pessoas.

Sabendo disso, no dia 5 de novembro, aconteceu o lançamento da publicação “Somos plurais: experiências inspiradoras e boas práticas de inclusão”, no canal do Itaú Cultural no Youtube, desenvolvida pelo Instituto Alana em parceria com o Itaú Cultural. 

Diálogos

A publicação nasceu do reconhecimento da existência de barreiras que dificultam o direito à acessibilidade. E é fruto de uma série de diálogos realizados com instituições culturais, organizações não governamentais, pessoas com deficiência e especialistas em acessibilidade. Além de ser um convite à práticas cotidianas de inclusão em instituições culturais  e organizações do terceiro setor.

Participaram do lançamento do “Somos Plurais”: Claudia Werneck, da Escola de Gente; Claudio Rubino, do Instituto Tomie Ohtake; Denise Peixoto, do Museu do Ipiranga; Edgar Jacques, consultor e especialista em acessibilidade; Fernanda Nobre, da Fundação Tide Setubal; Leonardo Castilho, do Museu de Arte Moderna de São Paulo; Simone Freire, da Web Para Todos; a jornalista Tatiana Diniz; Valéria Toloi, do Itaú Cultural; Raquel Franzim, Diretora de Educação e Cultura da Infância do Instituto Alana.

“Com essa publicação, queremos convidar mais pessoas, profissionais e organizações a conhecer, refletir e se engajar. Não apenas na transformação de um ou outro setor dos nossos trabalhos, mas na transformação, de fato, das nossas instituições. Uma transformação rumo a uma cultura inclusiva, que garanta não apenas a presença, mas a experiência plena e qualificada de todas as pessoas, eliminando barreiras e tornando acessível o direito humano à cultura, ao lazer e à experiência social por meio da arte e de tantas linguagens artísticas”, apontou Raquel.

Acesse a publicação completa.

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Literatura indígena: respeito e pertencimento

Conversamos com o educador e escritor indígena Daniel Munduruku sobre suas obras, literatura infanto-juvenil indígena e o ensino de história indígena nas escolas

A literatura é um território de infinitas possibilidades e nos proporciona momentos de afeto, encantamento e conhecimento, além de mergulhos em águas profundas e distantes. Podemos caminhar por terras onde nunca pisamos, passar um dia em uma aldeia indígena e até revisitar os tempos do descobrimento do nosso país para ler a história por um novo ponto de vista.

O educador indígena Daniel Munduruku tem dedicado sua trajetória pessoal escrevendo para crianças e adolescentes. Hoje, com mais de 54 livros publicados, a maioria infanto-juvenis, define suas obras como um trabalho de conscientização. Começou a escrever quando, como professor, percebeu que a história do país era sempre reproduzida nas salas de aula sob um único ponto de vista, o do colonizador, e que os indígenas sempre ficavam em um papel secundário. 

“A minha intenção inicial era escrever para crianças e jovens não-indígenas, com o objetivo de trazer mais visibilidade para essa temática, para romper com os estereótipos, com os preconceitos que sempre estiveram presentes na educação escolar e também para oferecer um olhar diferenciado para essas crianças sobre quem são essas populações indígenas”, explica.

Conversamos com Daniel para falar sobre suas obras, literatura infanto-juvenil indígena e o ensino da história indígena nas escolas, estabelecido pela Lei n º11.645, de 2008, que determina a inclusão obrigatória da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” no currículo oficial da rede de ensino – a lei é complementar à Lei 10.639, de 2003, que inclui a história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares. Confira:

Qual a importância da representatividade das crianças indígenas na literatura infanto-juvenil?

Daniel Munduruku: Eu tenho dedicado parte da minha trajetória pessoal como educador para escrever para crianças e jovens. Na verdade, a minha intenção inicial era escrever para crianças e jovens não-indígenas, com o objetivo de trazer mais visibilidade para essa temática. Era romper com os estereótipos, com os preconceitos que sempre estiveram presentes na educação escolar. E, também, oferecer um olhar diferenciado para essas crianças sobre quem são essas populações indígenas. Eu sempre optei por educar o olhar da sociedade brasileira.

A literatura que eu faço é uma literatura engajada, militante, exatamente porque ela tem um objetivo. Ainda que muitas das coisas que eu faça tenham a ver com uma ficção, ela é também um trabalho de conscientização. Então para mim isso é muito claro e muito presente no meu momento de criar as coisas.

Eu pretendo ajudar as pessoas a olharem as crianças e a si mesmas e enxergarem o que há de indígena nelas. Mais do que escrever para crianças indígenas e elas se perceberem na literatura, a ideia é fazer com que as crianças não indígenas percebam o indígena que existe nelas e assim possam construir essa identidade. Esse sentimento de pertencimento é necessário e importante para que a gente crie um país mais tolerante e respeitoso e com isso a gente faça um caminho novo, um caminho de educar o olhar das pessoas, o sentimento, o pertencimento delas.

E esse foi o seu objetivo ao escrever o livro “O sinal do Pajé”, que conta a história de um curumim que está passando para a juventude e tem muitos questionamentos, não muito diferentes daqueles que jovens da cidade também se fazem, apesar de estarem em um outro contexto?

D.M: Exatamente. A ideia básica é humanizar a existência indígena. Infelizmente, ao longo da nossa história brasileira, fomos aprendendo a desprezar os indígenas, como se não tivessem alma, como se não fossem gente. É dizer que o que o jovem da cidade sente, o jovem indígena também sente.

Em situações de conflito como essas que temos vivido, o jovem indígena também tem suas dúvidas e faz os seus questionamentos, se rebela, também é revoltado com a situação. Então, o meu desejo como autor é justamente fazer essa aproximação que mostre que o que nós sentimos também tem a ver com o que os outros sentem e que isso nos aproxima efetivamente.

O livro “O sinal do Pajé” foi justamente pensado e escrito para mostrar como surge o conflito e como ele vai sendo resolvido pela lógica daquele povo. Uma lógica de um povo que educa suas crianças para a liberdade. Ou seja, o importante é a gente incutir nas pessoas, crianças e jovens, valores que estabeleçam neles um pertencimento, e depois deixar que eles escolham o próprio caminho. Às vezes o caminho é ir para a cidade, às vezes para a universidade, às vezes é ficar na aldeia. Aí a pessoa sabe que ela escolhe a partir de valores que ela foi herdando na sua própria cultura.

Você disse que escreve para contribuir para o debate que busca dar visibilidade para as questões indígenas. Porque você decidiu cumprir esse papel escrevendo para crianças e adolescentes?

D.M: Eu sou educador de formação e, quando comecei a exercer a minha profissão, vi que o conteúdo normal da escola acaba engessando a atuação do professor e reproduzindo a história a partir de um único ponto de vista, que é aquele que a gente aprende na universidade. A história do Brasil é contada pelo ponto de vista europeu, que é o nosso colonizador. Os indígenas sempre ficavam em um papel secundário, terciário, lá no final da fila. Não havia interesse e a imagem que se fazia desse personagem indígena era uma imagem desqualificada.

Então, em função disso, de perceber que isso estava acontecendo, eu comecei a exercer uma função, de poder apresentar esse outro ponto de vista. E aí nasceu a minha vontade de escrever as histórias que eu ouvia quando criança e que me ajudaram a compreender o mundo onde eu vivia. Com isso eu queria fazer com que  as crianças pudessem ver essa outra perspectiva.

Eu li uma entrevista em que você estava falando sobre como foi árduo o movimento para a conquista dos direitos dos indígenas, tanto na Constituição quanto em outras legislações, como a Lei nº 11.645/2008, que tornou obrigatório o ensino dos conteúdos étnicos-raciais nas escolas. Você pode falar um pouco sobre essa lei e sobre a importância da abordagem da cultura e da leitura de literatura indígena nas instituições de ensino?

D.M: Antes da promulgação da nova Constituição Federal, em 1988, os indígenas eram considerados brasileiros de segunda categoria, a gente nem podia ter o nosso próprio nome registrado na certidão de nascimento porque diziam que era um nome exótico. A partir de 1988, o Estado brasileiro aprovou um outro olhar, dizendo que os indígenas são brasileiros e brasileiros com alguns direitos exclusivos. Como a educação escolar e tratamento de saúde diferenciados, direito às suas terras e que, portanto, cabe ao Estado brasileiro demarcá-las… e por aí vai.

A Constituição torna os indígenas brasileiros originários e com isso passamos a ter maiores garantias de participação na sociedade. A garantia de não ser perseguido, não sofrer preconceito, atos de vandalismo, apreensões indevidas, de não ter o nosso conhecimento envergonhado, de falar a própria língua. Todos esses direitos foram uma conquista, deixo claro, não um privilégio e nem uma caridade que o Estado fez. É uma conquista da sociedade civil organizada, que lutou para que esses direitos fossem efetivamente conquistados.

A partir desses direitos, outras tantas políticas públicas foram sendo desenvolvidas, tanto na área de educação, saúde, cultura, demarcação de terras. E uma das coisas que surgiu a partir disso foi a necessidade de que o Brasil olhe para os povos indígenas com um olhar diferenciado. Que não seja com o mesmo olhar de antes. Daí houve o implemento da Lei 11.645, de 2008, que veio estabelecer que todas as escolas devem colocar nos seus currículos a temática indígena, principalmente na história, arte e na literatura.

Porém, a lei por si só não resolve nada, ela precisa ser, de fato, implementada. E, para isso, precisamos de professores com uma visão diferenciada, precisamos comprar materiais e dar condições para os educadores atuarem. Então, a literatura passou a ser um componente essencial para essa efetivação. E os editais que o Governo Federal usou durante aqueles anos também foram bastante importantes para que as escolas pudessem receber acervos literários. Acervos que pudessem ajudar os professores a executarem bem o seu trabalho. Isso deu visibilidade aos indígenas no cenário nacional e na participação na história do Brasil.

A lei por si só não resolve o problema, porque ela acaba sendo mal aplicada. O Estado brasileiro fez a lei e os editais e tem de garantir que os estados, as unidades federativas, possam também exercer o seu papel. E se isso não acontece, acaba que alguns lugares colocam a lei muito mais em prática do que outros, o que, infelizmente, tem acontecido bastante.

Assim como os direitos dos indígenas, a nova Constituição também assegurou direitos específicos para todas as crianças e adolescentes. O artigo 227 estabelece que essa população deve ser prioridade absoluta e ter seu melhor interesse garantido em todas as áreas. Você acredita que a prioridade absoluta das crianças indígenas está sendo efetivada?

D.M: Na verdade, temos que pensar sob duas perspectivas: a da lei e do Estado brasileiro, que sempre foi muito despreocupado com a questão da educação e da infância em geral; e como as sociedades indígenas educam suas crianças. O cuidado que se tem com as crianças nas cidades, nos grandes centros urbanos, normalmente é uma catástrofe. Se não fosse não teríamos crianças nas ruas novamente. A própria sociedade brasileira não olha para essas crianças com toda essa equidade, cuidado, e necessidade de priorização.

O Brasil infelizmente, quando olha para a criança, ainda vê apenas um objeto problema, que precisa cuidar porque é preciso. Não por ser uma forma de garantir que a própria sociedade possa, um dia, ter adultos bem preparados para o enfrentamento dos desafios da vida. Por outro lado, as sociedades indígenas sempre tratam a criança com todo o cuidado, a criança é uma prioridade absoluta. Claro que cada um dos 305 povos indígenas que existem no Brasil, têm uma cultura diferenciada, um jeito próprio de cuidar dessas crianças.

Não podemos generalizar tanto e dizer que cada uma dessas sociedades faz isso da mesma maneira, assim como a legislação que por vezes trata todas as crianças da mesma maneira.  As sociedades indígenas são sociedades diferenciadas, portanto, o jeito como elas lidam com essas crianças são próprios de cada cultura. Portanto, não podem ser também avaliadas, julgadas a partir dos critérios com base na sociedade nacional.

É claro, estamos no século 21, muitos povos indígenas estão em contato permanente com a sociedade brasileira. Mas isso não os torna isentos de terem a sua própria cultura, sua própria individualidade. No Brasil, eu diria que a criança nunca foi prioridade, sempre houve uma certa luta da sociedade civil para que as crianças virassem, de fato, uma prioridade, e se criasse um centro de cuidado da nossa legislação. Para isso o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado e olha que é uma lei lindíssima, mas às vezes se apresenta fora da realidade. Do mesmo jeito o direito à educação: quantas crianças estão sem atendimento, sem creche, sem o ensino básico garantido, como estão as condições das escolas e de trabalho dos professores? Tudo isso leva a gente a pensar que o Brasil realmente, enquanto nação, não se preocupa com as suas crianças.

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Pela proteção dos dados de crianças e adolescentes

Alana enviou contribuição à Consulta Pública da Autoridade Nacional de Proteção de Dados quanto a minuta que regulamenta a aplicação da LGPD.

No dia 30 de agosto, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) lançou uma minuta de resolução que regulamenta a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 14 de agosto de 2018, para agentes de tratamento de dados de pequeno porte. Desse modo, com o objetivo de garantir os direitos e melhor interesse de crianças e adolescentes com absoluta prioridade nas discussões regulatórias relativas à proteção de seus dados pessoais, o Instituto Alana apresentou contribuição à Consulta Pública da ANPD.

Artigo 14

Art. 14. O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente.

Em seu artigo 14, a LGPD traz regras específicas para o tratamento de dados pessoais dessa população, que só pode ocorrer visando seu melhor interesse. Assim, no documento enviado à ANPD, o Alana afirma que entende que a Autoridade acerta em buscar garantir maior proteção aos dados pessoais de crianças e adolescentes, considerando todos os deveres legais estabelecidos por esse artigo e toda a Doutrina de Proteção Integral, especial e com absoluta prioridade para os direitos fundamentais e melhor interesse de crianças e adolescentes, garantido pela Constituição Federal, além de diversas Leis e marcos.

A organização também aponta que a ANPD acerta na decisão de inserção de crianças e adolescentes no conceito de grupos vulneráveis. A Autoridade deve reconhecer a hipervulnerabilidade da criança e do adolescente e os riscos a seus direitos fundamentais no tratamento de seus dados pessoais. 

“Todo tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, inclusive por agentes de pequeno porte, é de alto risco, haja vista o entendimento consolidado juridicamente acerca da vulnerabilidade de crianças e adolescentes, os grandes impactos aos seus direitos e melhor interesse pelo tratamento detrimental de seus dados pessoais e a acentuada assimetria existente entre esses sujeitos e os agentes de tratamento que tratam os seus dados”.

Por fim, o Alana apresenta comentários e sugestões específicas a propostas de dispositivos apresentadas na minuta da Norma de aplicação da LGPD para agentes de tratamento de pequeno porte, relativas a questões que envolvem liberdades e direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

Defende, por exemplo, retirar o termo “larga escala” do caput do art. 3º e colocá-lo como um dos incisos do § 1o. Isso, porque eleva o risco da atividade de tratamento e constitui um elemento que caracteriza o tratamento como sendo de alto risco. À medida que milhares de pessoas titulares desses dados podem ser afetados por um único vazamento. Também sugere que deve ser mantido, no mesmo parágrafo, crianças e adolescentes como parte do grupo vulnerável. Contemplando, assim, a proteção integral, especial e absolutamente prioritária dos seus dados pessoais.

Acesse o documento completo.