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Protagonismo estudantil: potência para gerar mudanças

Conversamos com a professora Maria de Lourdes Ramos sobre a potência do protagonismo de crianças e adolescentes, a importância do apoio da comunidade escolar e desafios durante a pandemia

É que eu sou da geração que não aceita:
não pode, não vale, não tem como, não dá
Eu sou da geração de acreditar
Então, faz um favor: 
deixa a menina guiar
deixa o menino estudar, 
deixa o menino sonhar, 
deixa a menina criar
É que eu sou do Brasil
Já ouviu falar?

Lucas Penteado

Empresto as palavras do poeta para falar sobre crianças e adolescentes que não hesitam em colocar a mão na massa. Elas empenham energia e esforços para transformar suas realidades, comunidades e o mundo em um lugar melhor para todos. E é claro que nós, famílias, sociedade e Estado, devemos pavimentar esse caminho, potencializando esse protagonismo e garantindo que suas vozes sejam ouvidas e amplificadas.

Foto mostra professora Lourdes Ramos sorrindo usando um vestido preto com estampas azuis
Professora Maria de Lourdes Ramos. Foto: arquivo pessoal

E a comunidade escolar também tem um papel fundamental nessa empreitada de garantir o protagonismo de crianças e adolescentes. Como aponta Maria de Lourdes Ramos, professora no Colégio Estadual Deputado Luís Eduardo Magalhães, em Alagoinhas (BA): “quando existe diálogo entre escola e comunidade, ela se torna mais forte, uma referência para a comunidade e o estudante também se torna mais forte, autônomo, livre, criativo e inovador”.

A professora Lourdes criou com seus alunos, em 2016, o “Da Escola para o Mundo”, premiado no Desafio Criativos da Escola em 2017. O projeto busca ações para a valorização da autoestima dos estudantes e da comunidade. Tudo por meio de encontros com oficinas de orientação profissional, artesanato, violino, teatro e dança.

Ao Alana, falou sobre a potência do protagonismo de crianças e adolescentes para transformar realidades e problemas sociais. A importância do apoio da comunidade escolar, desafios durante a pandemia e também contou mais sobre os bastidores do projeto “Da Escola para o Mundo”.

Confira:

Você pode falar um pouco sobre a potência do protagonismo de crianças e adolescentes para transformar realidades, problemas sociais e gerar mudanças?

Maria de Lourdes Ramos: Eu acredito muito na força do jovem e vejo o quanto aprendem rápido e facilmente. Eles enxergam além do que enxergamos e, de uma forma mais simples, encontram as respostas que levaríamos um tempo para encontrar. Não vão buscar onde está a política, a questão econômica, mas vão na raiz do problema. Eu vejo o quanto esses jovens e adolescentes conseguem, dentro das suas realidades, encontrar respostas e perceber, do modo deles, todo esse contexto em que estão inseridos.

Conseguem enxergar o Brasil com essa enorme desigualdade social, entender porque eles são da periferia e estão na periferia e quais são as dificuldades que vão encontrar para se autoafirmarem diante desse contexto de desigualdade. Essas crianças e adolescentes aprendem a resolver, a amar, a tomar decisões e nos cabe, como adultos ou instituições, mostrar para eles essas possibilidades. 

Qual a importância da comunidade escolar para garantir esse protagonismo?

M.L.R: Eu vou falar um pouco da minha formação como educadora. Afinal, desde os 18 anos eu já tinha certeza que eu queria ser professora.

E eu acredito que quando existe diálogo entre escola e comunidade, ela se torna mais forte, uma referência para a comunidade e o estudante também se torna mais forte, autônomo, livre, criativo e inovador.

Porque a escola permite que os estudantes levem suas realidades para lá e consigam encaminhar soluções e estratégias para lidar com todos os seus contextos. Então eu percebo como essa escola pode e deve exercer esse papel social de se aproximar das famílias, de orientar. Sua função não é reproduzir conteúdos distantes da realidade do estudante. Por exemplo, vamos ter uma aula de história, vamos falar da Europa, mas não do Brasil; vamos falar do Sul e não falamos do Nordeste.

Então eu tive uma prática com os alunos, quando eles já estavam no ensino médio, eram da educação profissional, e disse “quais são as oportunidades que a gente tem de emprego aqui na Bahia?” e eles diziam que aqui não tinha muita coisa, que tinha mais coisa em São Paulo, que iam melhorar de vida se fossem para lá. E eu falei “vamos estudar um pouco? aceitam o desafio?”. E eles ficaram surpresos com o que descobriram sobre a Bahia. Muitos não sabiam que a Bahia tem 417 municípios e como esses municípios têm possibilidades e oportunidades para jovens, tanto de emprego como de acesso à educação. E aí partimos do lugar deles, de Alagoinhas, a 108 km de Salvador.

Eu vejo o quanto é importante para esses meninos terem uma escola que possibilite eles se enxergarem no contexto, construírem as suas histórias e gostarem mais do lugar onde eles estão.

Essa questão da autoestima dá força para eles decretarem “eu sou capaz”, eu posso, eu chego lá e eu vou mudar a minha realidade e da minha comunidade a partir do contexto da escola”. De fato, eu acredito nessa escola libertária, democrática, que dialoga constantemente com comunidades. Essa escola que traz a realidade para dentro e que trabalha seus conteúdos a partir desse olhar.

Como você apontou, o papel da escola vai muito além de só reproduzir conteúdos. Especialmente para crianças e adolescentes, tem o papel de rede apoio e  proteção contra diversos tipos de violações. Como esses papéis que a escola desempenha ficaram durante a pandemia de coronavirus?

M.L.R: Falando de uma forma geral, sentimos diversas dificuldades no Brasil e, especialmente aqui na Bahia, para trabalhar nesse período de crise humanitária, que é também política e crise econômica. Oficialmente, pelo governo do estado da Bahia, os 417 municípios não tiveram aula. Desse modo, não havia contato entre professores e estudantes e isso me inquietou demais. As aulas foram suspensas em maio e, em abril, eu comecei a assistir muitas lives, e uma dessas foi de um grupo de São Paulo que tinha conseguido desenvolver o chamado WhatsApp inteligente, que tinha um robô que fazia chamada, resumos das aulas. Eu liguei para essas pessoas, pedi apoio e informação. Logo, chamei alguns colegas e consegui 10 professores que toparam dar aulas para esses meninos. Fizemos um planejamento, aqui em Alagoinhas, e alguns outros professores daqui também tomaram iniciativas isoladas e não foram reconhecidos pelo governo no Estado.

Foi a maior sacada essa iniciativa porque os estudantes também estavam com tantos medos e incertezas quanto nós diante dessa crise que pegou em cheio muito mais essas camadas desfavorecidas, quem vive em periferias, quem não tem emprego certo, quem vivia de bicos.

Essas pessoas foram atingidas de uma forma mais profunda e a maioria delas eram nossos estudantes ou os pais deles. Trabalhamos assim de abril até novembro sem nenhuma autorização do governo. O Estado poderia ter investido na TV aberta, montado um grupo de professores de fazer blocos temáticos de conteúdos, que ajudaria os estudantes a passar por esse momento difícil.

Porque a escola também é um lugar de proteção contra todos os tipos de violência, e a violência urbana aqui é muito forte, e acho que em todos os lugares do Brasil.

Agora, em 2021, o estado da Bahia criou as aulas remotas e aí veio outro problema: aulas remotas sem uma estrutura para os professores, sem o aluno ter um celular que pudesse abrir um documento, casas que não tinham o que comer. Diante de todas as dificuldades, nós trabalhamos como nunca para preparar atividades online e ainda tivemos que aprender muito. Quando se fala da comunicação e da informação no Brasil, é notória a distância que existe entre o que se propaga e a realidade. Ao passo que encontramos professores que sequer sabiam usar o seu celular, quanto mais utilizar algum outro aplicativo ou plataforma. Outra questão é que é preciso ter internet: cadê a internet livre para os estudantes? Por que eles não propuseram e não investiram recursos para internet livre? 

É possível incentivar e efetivar o protagonismo de crianças e adolescentes diante desse contexto e durante a crise sanitária provocada pelo coronavírus?

M.L.R: Sim, aí é que vem a questão de como uma escola vai redirecionar sua prática educativa. Nessa em que eu ainda atuo, temos conversado muito sobre as possibilidades de “diálogos” entre os componentes curriculares. Esse “diálogo” significa trazer para os estudantes aquilo que é de seu interesse. Muitas vezes a escola se torna “chata” porque trabalha coisas que parecem que não tem muita relação com eles.

Se eu trago coisas que são da realidade deles, os estudantes começam a se movimentar.

Eu me lembro de uma atividade, por exemplo, de um projeto experimental que eu leciono, com a turma de educação profissional, falando sobre os efeitos da pandemia e eles começaram a falar sobre profissionais que não pararam, falaram médicos, enfermeiras e uma menina falou “Garis, professora. A minha mãe é gari”. Então nós fizemos uma exposição de forma online sobre isso. Quando o aluno dá a ideia, ele se sente corresponsável por aquela criação e vai buscar soluções. Então eles fizeram enquetes no Instagram, as pessoas responderam, teve uma mãe gari que mandou um depoimento por áudio. Também tivemos um momento na escola, todo online, em que fizemos esse debate e os estudantes fizeram uma homenagem no dia do gari.

Eles construíram isso e, percebemos que, mesmo de forma online, dá para fomentar o protagonismo a partir do momento que você traz desafios que tenham relação direta com a realidade desses estudantes.

Eles pensam rápido e cada um vai contribuindo e construindo uma teia de soluções que muitas vezes para os órgãos públicos parece algo tão complexo.

E cai naquela problemática que para garantir o protagonismo desses estudantes durante a pandemia também é preciso garantir que eles tenham acesso à internet, né? 

M.L.R: Sim, com certeza.

Entre 2016 e 2017, junto dos seus alunos, você criou o projeto “Da Escola para o Mundo”, voltado a construir ações voltadas à valorização da autoestima dos jovens e da comunidade, que foi premiado pelo Criativos da Escola em 2017. Você pode falar um pouco mais sobre esse projeto?

M.L.R: Esse projeto, na verdade, nós desenvolvemos até 2019. Fomos premiados em 2017 e as meninas que saíram, que eram as idealizadoras do projeto e terminaram o ensino médio, passaram o projeto para outro grupo assumir. E esse grupo ficou até 2019 e só não continuamos por conta da pandemia.

O nome do projeto “Da Escola para o Mundo” já diz a ideia: fazer com que os nossos estudantes tivessem autoestima, acreditassem no potencial deles e começassem a visualizar possibilidades para suas vidas fora dos muros da escola.

Tudo aconteceu em uma aula antes do dia do estudante, eles começaram a pensar o que podíamos fazer nessa data, queriam fazer alguma coisa prática. Decidiram fazer um questionário para ver o que os estudantes gostariam de ter na escola e também colocaram algumas perguntas mais pessoais. Quando nós fomos fazer a tabulação dos dados, elas disseram “professora, a maioria está apontando que não têm características boas, que não tem valor, parece que eles não gostam muito deles mesmos” e perguntaram o que poderíamos fazer com esse resultados. Então, nós começamos a planejar um projeto que pudesse dar oportunidade a esses jovens de falar dos seus medos, além dos seus anseios e buscar o que eles tivessem de melhor, produzir materiais em que eles pudessem ser protagonistas da sua própria história.

Tudo aconteceu em uma aula antes do dia do estudante, eles começaram a pensar o que podíamos fazer nessa data, queriam fazer alguma coisa prática. Decidiram fazer um questionário para ver o que os estudantes gostariam de ter na escola e também colocaram algumas perguntas mais pessoais.

Foto mostra vários alunos reunidos em sala de aula
Estudantes participando do projeto “Da Escola para o Mundo

Quando nós fomos fazer a tabulação dos dados, elas disseram “professora, a maioria está apontando que não têm características boas, que não tem valor, parece que eles não gostam muito deles mesmos” e perguntaram o que poderíamos fazer com esse resultados. Então nós começamos a planejar um projeto que pudesse dar oportunidade a esses jovens de falar dos seus medos, seus anseios e buscar o que eles tivessem de melhor, produzir materiais em que eles pudessem ser protagonistas da sua própria história. Aí criamos o projeto e começamos a oferecer atividades na escola nos finais de semana.

Conseguimos parcerias com a Secretaria de Assistência Social do município, assistentes sociais, terapeutas, músicos, e parcerias para lanches. Também começamos um trabalho de valorização da autoestima, conversamos com alunos que não gostavam dos cabelos crespos, não gostavam de ser negros, que não gostavam de ser do Barreiro – a escola está em um dos bairros violentos da cidade. Esse projeto trouxe uma outra cara para a escola, porque quando a comunidade a enxerga como uma parceira, um espaço que está ali para ajudar o filho, eles participam de tudo o que é oferecido. Fizemos muito movimento na rua.

Qual a importância de projetos como o Criativos da Escola para incentivar o protagonismo estudantil?

M.L.R:  Eu vejo que é preciso que as escolas aprendam a trabalhar com esta prática do elogio. Não é um elogio pelo elogio, mas pelo fazer, pela concretude de uma ideia e de um ideal. Esse elogio é uma das coisas mais importantes que a escola pode fazer, para que os projetos saiam do papel e possibilita o protagonismo desses estudantes para mudar a história da vida deles e da comunidade. Quando um aluno faz um projeto para uma situação real, realmente está focando em um problema que quer encontrar uma solução. Por isso é importante que as escolas invistam em projetos educativos, que possam trazer modificações da realidade.

As premiações dão para os estudantes a possibilidade de perceberem o quanto são essenciais e estão ajudando a resolver coisas importantes para o mundo. Ademais, não foi ideia minha participar do Desafio Criativos da Escola, foi de uma das estudantes, elas são muito antenadas em tudo e aprendem muito rápido.  Eu sou tiete do Criativos, vejo como ajudam esses meninos a pensar em suas práticas, a pensar suas realidades e a criarem soluções. E isso também possibilita que os estudantes mostrem seus talentos. Tem muito jovem talentoso e criativo nesse Brasil e que daria um banho na gente encontrando soluções rápidas para problemas que estão se esticando a séculos nesse país.

Nos cabe, enquanto educadores e instituições, possibilitar que crianças e adolescentes se sintam sempre corresponsáveis por tudo que está ao seu redor, no seu contexto, na sociedade. E como fazemos isso? Incentivando o protagonismo juvenil.

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Representatividade negra no currículo escolar

Terceiro encontro da edição “No chão da escola: educação antirracista” convidou especialistas para conversar sobre recriar a escola sob perspectivas afro-brasileiras e a Representatividade negra no currículo escolar.

Como fortalecer a representatividade negra na construção de um currículo antirracista e como recriar as escolas sob perspectivas afrobrasileiras? Essas questões pautaram o último encontro da jornada formativa “No Chão da Escola: educação antirracista”, que aconteceu no dia 29 de julho, apresentado por Raquel Franzim, Diretora de Educação e Cultura e Cultura da Infância do Instituto Alana.

O encontro contou com duas mesas:

Representatividade e protagonismo negro no currículo

Da primeira mesa, participaram: Carolina Adesewa, professora, escritora e idealizadora do Afroinfância; e Graça Gonçalves, doutora em educação e pesquisadora em educação antirracista. A mediação foi feita por Suelaine Carneiro, coordenadora do programa de educação do Geledés – Instituto da Mulher Negra.

Iniciando a conversa, Caroline apontou que existem diversas contribuições que os povos africanos deixaram para nós que as crianças precisam ter acesso. Bem como, afirmou que a falta desse conhecimento dentro do currículo gera uma série de questões e conflitos na subjetividade da criança. “As crianças negras crescem embalando bonecas brancas. Isso gera uma série de tensões porque a criança pensa ‘se é esta boneca que está nas prateleiras das lojas, no cantinho da brincadeira e nas propagandas, é porque esse ideal estético é o padrão e o mais bonito”, explicou.

Graça citou a importância da  Lei 10.639, de 2003, que inclui a história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares. “A lei fala do reconhecimento e igual valorização das raízes africanas na nação brasileira. Desse modo, o ensino dessas temáticas implica na compreensão das diferentes formas de organização, raciocínio e expressão das raízes africanas. Também implica no diálogo entre diferentes sistemas simbólicos, interações e interpretações entre estudantes, servidores, professores e integrantes da comunidade, respeitando valores, raciocínios e visões de mundo”, apontou.

Recriar a escola sob perspectivas afro-brasileiras

Aa segunda mesa contou com a participação de Iara Viana, mestre e doutoranda em Estudos do Lazer, Cultura e Educação; e Luiz Rufino, pós-doutor em relações étnico-raciais e doutor em educação. A mediação foi feita por Carlos Machado, professor, historiador e colunista da RAÇA Brasil. 

Para Luiz, a educação é uma manifestação da vida e, no Brasil, não há uma experiência equânime para que a vida se expresse. “São necessárias ações afirmativas, de reparação, em todos os âmbitos, porque o mundo em que nós estamos foi constituído na desigualdade. É fundamental a redistribuição das oportunidades para que se possa experienciar a vida em sua plenitude”, apontou.

Iara explicou que para a transformação da escola numa perspectiva afro-brasileira é preciso colocar nas escolas e nos livros didáticos a discussão contada pela população negra. “Quando a gente diz que a educação é transformadora, precisa ser em um formato estratégico. Aumentar o número de negros e negras que tenham a segurança de se declararem negros e negras é um papel da escola. E aí sim a escola estaria trabalhando em uma perspectiva afro-brasileira”, disse.

Confira as edições anteriores do No Chão da Escola, sobre educação no contexto da pandemia e sobre cinema e educação na promoção de direitos humanos. Assista ao terceiro encontro da jornada formativa no “No Chão da Escola: educação antirracista” aqui: 

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Escola, relações étnico-raciais e antirracismo

Segundo encontro da edição “No chão da escola: educação antirracista” convidou especialistas para conversar sobre educação para relações étnico-raciais e branquitude e racismo.

No dia 28 de julho, aconteceu o segundo encontro do “No Chão da Escola: educação antirracista”. A jornada formativa, apresentada por Raquel Franzim, Diretora de Educação e Cultura e Cultura da Infância do Instituto Alana, tem o objetivo de formar profissionais da educação, inspirar e subsidiar a comunidade escolar frente aos desafios na garantia do direito à educação para todos e, nesta edição, aborda a educação antirracista.

Primeira mesa

Participaram da primeira mesa, a roda de conversa “Educação para relações étnico-raciais”: Marta Avancini, jornalista e editora pública do Jeduca; Luana Tolentino, doutoranda em educação e colunista da Carta Capital; Raimundo Pereira, vice-presidente da seccional Undime/Bahia; e Angela Danneman, superintendente do Itaú Social; e a entrevistada Petronilha Beatriz Gonçalves, relatora do parecer sobre educação das relações étnico-raciais. A mediação foi feita por Raquel de Paula, coordenadora do Portal Lunetas, do Instituto Alana.

Para Petronilha, a educação para as relações étnico-raciais enfrenta, há muitos séculos, desafios para valorizar igualmente a todos que fazem parte da nação brasileira. “Ser diferente é um direito. A minha diferença não pode prejudicar o outro, tem que ser um modo de enriquecer a convivência. Isso, num sentido de valorizar os modos diferentes de ser, viver e pensar, todos como igualmente valiosos”, apontou.

Segunda mesa

A segunda mesa, “Branquitude e racismo: o papel das escolas”, contou com a participação de Eugênio Lima, pai e integrante da Comissão Antirracista do Colégio Equipe; e Ana Bergamin, membro do Comitê da Diversidade Racial da Escola Veracruz; e a mediação de Luciana Alves, consultora para relações raciais e educação do CEERT.

“Há um privilégio branco no Brasil que precisamos desconstruir. Onde nós falamos sobre privilégio, falamos da ausência de direitos. Assim como a abolição é fruto de um movimento popular de luta, na luta contra o combate ao racismo, o combate ao privilégio é parte importante. A gente precisa admitir o privilégio e ouvir as vozes silenciadas até hoje”, alertou Ana.

Eugênio apontou que não há justificativa para que um país com 54% da sua população negra afrodescendente tenha tão pouca representatividade nos postos de decisão. “É importante que a ideia de que pessoas negras podem ocupar todos os espaços seja naturalizada. A gente faz isso em benefício das crianças negras, não para criar uma pretensa diversidade para aquietar o sentimento de culpa da branquitude, mas para uma mudança estrutural. É uma reparação histórica”, disse.

Confira as edições anteriores do No Chão da Escola, sobre educação no contexto da pandemia e sobre cinema e educação na promoção de direitos humanos. Assista ao segundo encontro da jornada formativa no “No Chão da Escola: educação antirracista” aqui:

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O corpo negro e o papel da escola na educação antirracista

Primeiro encontro da edição “No chão da escola: educação antirracista” convidou especialistas para conversar sobre escola, antirracismo e democracia e os impactos do racismo na subjetividade

As questões raciais são centrais no nosso país. Elas não devem ser debatidas apenas em datas e disciplinas específicas, ao contrário, precisam habitar os diálogos cotidianos. Essas questões devem pautar toda sociedade, considerando, também, que o racismo se desenvolve de maneiras específicas dentro das diferentes instituições. E qual o papel da escola nessa conversa?

Vivemos em uma sociedade marcada pela desigualdade e pelo racismo estrutural. Precisamos buscar maneiras de combater o racismo e honrar a diversidade dentro das instituições de ensino. Para conversar sobre o tema, acontece, entre os dias 27, 28 e 29 de julho, a jornada formativa no “No Chão da Escola: educação antirracista”.

Como a escola pode contribuir para a ruptura do racismo estrutural e o avanço da democracia

Ontem, 27, aconteceu o primeiro encontro dessa edição, apresentado por Raquel Franzim, Diretora de Educação e Cultura e Cultura da Infância do Instituto Alana. A primeira mesa foi “Escola, antirracismo e democracia: como a escola pode contribuir para a ruptura do racismo estrutural e o avanço da democracia?”. Participaram: Nilma Lino Gomes, ex-ministra do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos; e Alexsandro Santos, presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo.

Iniciando o debate, Alexsandro apontou a questão da justiça racial no Brasil a partir do recorte da importância da escola como instituição que participa da construção do país. “As questões raciais precisam vir à tona, porque senão nós continuamos trabalhando em uma perspectiva de invisibilizar o racismo.  Quando os adultos não discutem os conflitos raciais que estão instalados ali, quem paga a conta são as crianças”, alertou.

Nilma explicou que quanto mais frágil a democracia fica, maior a possibilidade de fenômenos perversos como: racismo, machismo,  LGBTfobia, fascismo. “Fortalecer a escola é importante para fortalecer a democracia. E fortalecendo a democracia e a escola, nós também podemos fortalecer práticas antirracistas no nosso país”, apontou.

A socióloga, mestre em educação e coordenadora da área de educação do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Suelaine Carneiro; e a antropóloga e consultora do Geledés, Jaqueline Santos, também apresentaram a pesquisa “Direito à educação de meninas negras em tempos de pandemia”, do Instituto. “As meninas negras são as primeiras vítimas do trabalho infantil doméstico, da exploração infantil, da gravidez na adolescência, do casamento infantil, violações que se agravam durante a pandemia”, explicou Suelaine.

Racismo e seus impactos e seus impactos na subjetividade

A segunda mesa foi “O corpo negro na escola: racismo e seus impactos e seus impactos na subjetividade”. Participaram: Júlio Cezar de Andrade, especialista em direito da criança e do adolescente; e Maria Lúcia da Silva, integrante do Instituto AMMA Psique e Negritude. A mediação foi feita por Mighian Danae, doutora em educação e pesquisadora do GRUPEAFRO.

“O racismo é uma experiência que nos impede de viver uma completude com o nosso corpo em espaços como a escola. O racismo nos violenta fisicamente e, muitas vezes, simbolicamente, em nossas relações com o mundo e com nosso corpo”, apontou Mighian.

Para Maria Lúcia, pensar os efeitos psíquicos do racismo é pensar que o racismo é um elemento estruturador da sociedade, das formas de relação, mas também das percepções dos afetos e da forma de pensar o mundo. “É preciso que a comunidade escolar compreenda como o racismo se materializa na escola. Para, assim, construir os mecanismo de enfrentamento e assegurar que as crianças negras tenham um lugar em que se sintam seguras. Mais ainda, se sintam dignas, valorizadas, confortáveis e pertencentes aquele ambiente, tanto quanto a criança branca”, disse.

Julio Cezar explicou que o debate do enfrentamento ao racismo não deve ser só em datas pontuais. É preciso universalizar em todo o contexto escolar, e estar presente nas práticas cotidianas. “O racismo traz dores na subjetividade porque fere a capacidade de autoestima, de pensar o projeto de vida e fere, todos os dias, os corpos de crianças e adolescentes negros”, apontou.

Confira as edições anteriores do No Chão da Escola, sobre educação no contexto da pandemia e sobre cinema e educação na promoção de direitos humanos. Assista ao primeiro encontro da jornada formativa no “No Chão da Escola: educação antirracista” aqui:

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Como garantir direitos enquanto a aldeia padece?

Confira nossa conversa com as pesquisadoras Márcia Buss-Simão e Juliana Schumacker Lessa sobre direitos de crianças e adolescentes na pandemia, a importância da imunização da população e os 31 anos do ECA

Dizem que é preciso uma aldeia para criar uma criança. E foi preciso que a aldeia se reunisse e se mobilizasse para que os direitos das crianças e adolescentes estivessem garantidos na Constituição Federal de 1988. E, também, para que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) fosse aprovado, em 1990.

O ECA completou 31 anos e temos muito a celebrar porque este é um marco na defesa dos direitos fundamentais dessa população. Além de ser um importante exemplo a ser seguido nacional e internacionalmente. Ele regulamenta os direitos de crianças e adolescentes conquistados na Constituição e, nessas três últimas décadas, pudemos observar muitos avanços. Os indicadores que refletem a garantia e qualidade de vida, como mortalidade infantil, desnutrição, trabalho infantil e acesso à educação, melhoraram bastante.

Temos um longo caminho a trilhar para garantir que esses direitos sejam efetivados.

E, especialmente com a pandemia, vimos a piora de muitos desses marcadores. Além disso, apenas no Brasil, já perdemos mais de 500 mil vidas. Entre elas mães, pais, tios, avós, amigos, professoras e as próprias crianças e adolescentes. É um luto coletivo. Como cuidar de crianças e adolescentes e garantir direitos fundamentais enquanto a aldeia padece? Também é preciso cuidar daqueles que cuidam.

Foto de Juliana Lessa olhando para a câmera
Juliana Schumacker Lessa. Foto: arquivo pessoal

E, para isso, é preciso vacina no braço, comida no prato, o fim do Teto de Gastos Públicos e a garantia de renda básica, como apontam as pesquisadoras do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação na Pequena Infância (NUPEIN/CNPq). Márcia Buss-Simão, doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professora no Departamento de Estudos Especializados em Educação, da UFSC; e Juliana Schumacker Lessa, também doutora em Educação pela UFSC e professora colaboradora na Universidade do Estado de Santa Catarina (UESC).

Um olhar para o(s) corpo(s) das crianças em tempos de pandemia

Foto de Márcia Buss-Simão sorrindo para a câmera
Márcia Buss-Simão. Foto: arquivo pessoal

No artigo, “Um olhar para o(s) corpo(s) das crianças em tempos de pandemia”, problematizam como tem  se  dado  a  garantia (ou não) dos direitos de crianças e adolescentes durante a pandemia. Compreendendo  a categoria infância em suas múltiplas determinações: social, política, econômica, histórica e cultural.

Ao Alana, apontaram que a falta de efetividade do Plano Nacional de Imunização agrava as situações de vulnerabilidades das infâncias e adolescências. Alertaram que é preciso que a política do cuidado saia da esfera doméstica e vá para a dimensão política e pública. E que com a vacinação em massa da população, podemos retomar e garantir as condições básicas de existência das famílias e dos contextos de saúde e educação.

Confira:

Como a pandemia tem afetado crianças e adolescentes, considerando que eles não são as principais vítimas fatais de covid?

Márcia Buss-Simão: Desde a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente, na área da Educação e em todas as áreas das Ciências Sociais, ao estudar a infância trazemos um olhar e uma perspectiva da sociedade e do mundo adulto, que se encontrava pouco explícito ou até ausente.

No momento atual, em contexto de pandemia, nós também precisamos, mais do que nunca, olhar para as crianças e a infância, pois a partir desse direcionamento do olhar poderemos, inclusive, trazer à luz alguns aspectos dessa pandemia que não estão sendo percebidos.

Assim, a gente encontra como a pandemia tem afetado as crianças apesar de elas não serem as principais vítimas fatais da covid. Uma delas é a morte das próprias crianças resultantes do vírus, que estão sendo ignoradas. As crianças ficaram órfãs com essas mais de 500 mil mortes de brasileiros e brasileiras. Também, elas perderam a possibilidade de educação em creches, pré-escolas e escolas. E por mortes indiretas, pois elas são afetadas pelo pouco investimento em saúde, em políticas intersetoriais. E, por fim, porque famílias perderam condições de subsistência, acarretando, inclusive, a fome e a insegurança alimentar. 

Com relação ao primeiro ponto, é claro que se as crianças forem comparadas com a quantidade de mortes em geral, o número de crianças é pequeno, mas há uma invisibilidade total da morte de crianças e bebês na pandemia.

Outro ponto é que 45 mil crianças ficaram órfãs no ano de 2020, isso é importante de lembrarmos porque é uma questão que fica totalmente invisibilizada, não há uma preocupação social ou políticas públicas sobre isso. Quem se responsabiliza por esses órfãos da pandemia?

E as crianças perdem as possibilidades de educação em creches, pré-escolas e escolas, que é uma grande implicação do isolamento e do distanciamento social. Há o impedimento dos encontros, das relações sociais, do encontro diário com seus pares, e agora tem sua vida e o convívio restritos ao espaço de casa, muitas vezes só com pessoas adultas. 

Juliana Schumacker Lessa: sobre as mortes indiretas de crianças e adolescentes afetadas pela pandemia, que tem a ver com essa questão das condições materiais que as famílias, os cuidadores e os responsáveis pelas crianças precisam ter para poder garantir os direitos das crianças e adolescentes. Em 2020, no início da pandemia, quando escrevemos o artigo, fomos interpeladas pela pergunta: quais crianças têm assegurado o direito, no contexto de uma crise sanitária mundial, de proteger aquilo que é mais essencial, a própria vida?

No caso das crianças, sobretudo as mais pequenas, pela sua interdependência inerente ao adulto que lhe cuida, ela é completamente dependente e para garantir a sua vida elas precisam dos adultos. Isso significa considerar as condições materiais que as famílias têm resguardadas para permanecerem em suas casas, sem que isso afete o acesso aos seus direitos sociais. O que vimos é que a pandemia impôs o dilema às periferias: sair para trabalhar (quando a ciência diz para ficarmos protegidas/os em casa) e garantir a comida; ou, ficar protegida em casa, mas sem comida para si e suas crianças?

Quando a gente se defronta com as desigualdades sociais profundas que a pandemia desmascara, não podemos deixar de ver, junto disso, as crianças, reforçando essas desigualdades. Este dilema não é um fato isolado e nem uma questão de escolha individual, mas expõe a omissão do poder executivo em ações de políticas públicas, voltadas para a infância, para proteger os direitos de crianças e adolescentes, em nome de favorecimentos econômicos que beneficiam grandes empregadores, em detrimento da classe trabalhadora.

No artigo, tomamos dois fatos da realidade para mostrar como as crianças são impactadas na pandemia, sobretudo no que diz respeito a duas grandes questões: os impactos do isolamento social sobre os corpos das crianças; e os efeitos do distanciamento social para as crianças, em suas dinâmicas de interações, as necessidades que as crianças têm para se constituir colocadas nas interações e o quanto isso impacta quando as ações estão impossibilitadas. Na 1ª seção, abordamos a fatalidade que tomou de assalto a vida de Miguel, de 5 anos, filho de uma mulher trabalhadora doméstica e pai agricultor, na cidade de Recife (PE), em plena pandemia, escancara o privilégio de viver pelo seu caráter classista.

Miguel teve que ir trabalhar com sua mãe, que não teve o direito e as condições garantidas para permanecer em casa e fazer o isolamento social. Em consequência da interrupção do atendimento presencial na educação infantil, por conta de uma crise sanitária mundial, Miguel foi ao trabalho com sua mãe, no momento em que todas as recomendações de saúde reforçavam a necessidade de permanecermos em casa.

O isolamento social acentuou as desigualdades históricas e estruturais presentes em nossa sociedade, retratando como a ausência de políticas públicas, incluindo aquelas de combate à pandemia, atua na produção da morte social do corpo biológico.

Este exemplo mostra como o trabalho “essencial” da mãe de Miguel, a fragilidade de suas condições de trabalho o afeta diretamente na garantia de seus direitos, ou seja, na sua constituição como sujeito de direitos – que é o que o ECA vem a promulgar. Podemos dizer que a pandemia vem afetando tantas outras crianças também, na negação daquilo que é próprio dos modos de ser das crianças: sua dimensão corporal, assim como afetou de forma mais drástica, Miguel. 

E, para fechar essa questão, a gente fala do quarto ponto que é sobre a fome: como a pandemia afeta pela fome e pela insegurança alimentar. Ainda que não sejam as principais vítimas fatais de Covid-19, a pandemia também afeta a dimensão dos direitos à proteção e à provisão da vida das crianças e adolescentes, incluindo a provisão de comida no prato. A gente pode citar um segundo fato discutido no artigo, a partir da matéria “A pandemia e a fome”, transmitida pelo podcast Café da Manhã, em um momento mais tenso da pandemia. O caso do filho mais novo de Márcio, pai de outros 5 filhos, pedreiro.

A família mora na periferia do extremo sul da cidade de São Paulo (SP), em um cenário onde características de cidade e de interior se misturam a uma pobreza extrema, territórios abandonados e totalmente invisíveis para o Estado. Márcio relata que foi um grande choque para seu filho mais novo, que frequenta a creche, e que tinha, até então, cinco refeições balanceadas e orgânicas garantidas diariamente e, agora passou, não apenas o menino mais novo, como toda sua família, a ter uma alimentação restrita.

O pai das crianças narra para o repórter o que ouve delas: “pai eu quero danone, pai eu quero uma maçã” e o pai fala “olha, meu filho, isso você só tem lá na creche, não tem aqui não”, como se fosse uma outra realidade. Isso nos mostra como, com a interrupção do atendimento da creche, Márcio e seus filhos viram a chegada da fome em casa. Isso revela, também, a essência da creche como um espaço de provisão, cuja função sociopolítica é a garantia das “condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais”, conforme o Artigo 7º da Resolução  que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil.

Esse ano, o ECA completa 31 anos. E são três décadas de muitos avanços, os indicadores refletem a garantia e qualidade de vida, como redução da mortalidade infantil, da desnutrição, do trabalho infantil, o aumento do acesso à educação. Mas durante a pandemia nós vimos que muitos desses indicadores sofreram quedas.  Vocês podem fazer um panorama de como estaria a situação se não tivéssemos leis tão importantes na defesa dos direitos de crianças e adolescentes?

M.B-S: No artigo nós também retomamos o ECA e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças para resgatar a importância que esses marcos legais tiveram na produção científica sobre a infância, em diferentes áreas do conhecimento. São “sujeitos de direitos” na “letra da lei”, nas pesquisas, nas formações de professoras e nas orientações e diretrizes curriculares, mas que, no entanto, se tornam letra morta, ao não orientar as políticas públicas para a universalização dos direitos sociais das crianças e, no contexto da pandemia, do direito essencial, à vida. 

J.S.L: Fazer um panorama da situação, se a gente não tivesse o ECA, leva a gente a imaginar muitos cenários, mas ficamos com o que a pandemia nos deu: um cenário, por exemplo, sem acesso à educação. A interrupção do atendimento presencial na educação infantil e escolas permite que a gente vislumbre a situação em que estaríamos se não tivéssemos leis tão importantes na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, como o direito à saúde pública, à assistência social… A pandemia desmascara, traz à tona, isso, basta olharmos para os impactos da interrupção do atendimento educacional:

vemos que sem creche, pré-escolas e escolas o que se apresenta, pra começo de conversa, é um cenário de insegurança alimentar, de fome, e aumento da pobreza nas famílias das crianças moradoras das periferias e, para as crianças e adolescentes particularmente, essa impossibilidade de frequentar a educação formal diariamente tem se revelado, na pandemia, um cenário de total perda do resguardo do direito ao brincar, à proteção, à provisão de suas necessidades, ficando estes restritos apenas às condições individuais de cada família, dentro de uma sociedade com profundas desigualdades sociais, em se falando de acesso a direitos sociais. 

Os casos trazidos no artigo, de Miguel e dos filhos de Márcio, mostram que ficar em casa, fazer o isolamento social, desde o início da pandemia, se colocou como uma condição que as famílias não tiveram como manter, vendo-se em situações piores do que já estavam.

Nas periferias, a disseminação da fome já existia antes da chegada do vírus, com o isolamento social, o fechamento das creches e pré-escolas foi um dos primeiros e maiores impactos nessa realidade, revelando como esses espaços (creches, pré-escolas e escolas) se configuram como territórios de proteção e provisão dos corpos das crianças e adolescentes. 

M.B-S: Esta dimensão protetiva e de provisão dos corpos das crianças acentua a função sociopolítica da educação infantil. Para as crianças, a creche faz falta como um tempo e um espaço de vivência plena da infância de direitos, de encontro com outras crianças, com o brincar, com espaços projetados para acolhê-las e para alimentar o corpo não apenas biológico, mas social, cultural e histórico. 

J.S.L: Por outro lado, compreender os contextos de creche, pré-escolas e escolas como territórios de proteção e provisão dos corpos das crianças, passa por uma concepção política intersetorial. Em artigo que escrevemos juntas (no prelo), que está para ser publicado, nós dizemos:

essa política do cuidado se encontra ora na esfera da assistência, ora na da educação, colocando aí a necessidade de pensarmos no cuidado enquanto política intersetorial, ou seja, que necessita ser entendido em suas múltiplas facetas: cuidado à saúde, educação e a assistência que, no caso da criança pequena, é transversal a toda e qualquer forma de interação em que estejam envolvidas.
Tanto a Constituição de 1988, no artigo 227, quanto o próprio ECA determinam a prioridade absoluta de crianças e adolescentes. É possível garantir essa prioridade enquanto a comunidade que os cerca padece? Temos aquele ditado de que para criar uma criança é preciso uma aldeia. E aí, como a gente faz sem a aldeia?

M.B-S: Essa pergunta é muito importante. Vale lembrar e relembrar o que está na “letra da lei” de nossa Constituição que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Como as crianças terão prioridade absoluta sem que esses direitos estejam garantidos?

J.S.L: Respondendo de uma maneira um pouco mais enfática, se é possível garantir prioridade enquanto a aldeia padece: não, não é possível. A gente toma o próprio fato que analisamos da mãe de Miguel, a dona Mirtes, que precisou sair para trabalhar. As famílias precisam ter as condições, outros direitos precisam estar garantidos, para assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes que passam, por exemplo, pelos direitos das mulheres, pelos direitos das pessoas com deficiência, pelos direitos das populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pelos direitos das pessoas idosas e por aí em diante.

Não podemos garantir os direitos de crianças e adolescentes sem que os direitos estejam universalizados.

Neste artigo que será publicado, discutimos sobre uma especificidade dessas condições materiais das famílias. Como você falou, para criar uma criança é preciso uma aldeia e eu achei que você fosse citar aquela máxima também “quem cuida do cuidador?”. Nesse artigo, nós discutimos sobre a dimensão pública do cuidado, discussão essa que obrigatoriamente passa pela defesa por garantia das condições materiais e concretas de acesso igualitário a essas políticas, levando em conta as singularidades de cuidado que os grupos sociais distintos demandam (crianças, jovens, pessoas idosas, aquelas com necessidades específicas, populações negras, de mulheres, imigrantes, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, para citar alguns exemplos). No contexto, por exemplo, de bebês e crianças pequenas, na Educação Infantil, essas questões se intensificam, pois o cuidado não está apenas presente na esfera doméstica, como também, na pública.

É preciso retirar o cuidado da esfera doméstica, reforçando a importância do cuidado, da dimensão corporal e das práticas de alimentação que residem tanto na sua inevitabilidade – é inevitável cuidar do corpo de uma criança, atender suas necessidades fisiológicas e de alimentação – como na sua dimensão política, por constituir o “cuidar do outro” em um sistema de produção material e simbólico em que se produzem os modos de viver a infância.

Só será possível garantir a prioridade absoluta quando o cuidado (que os distintos grupos sociais distintos demandam), particularmente o cuidado de bebês, crianças bem pequenas, crianças maiores e adolescentes for concebido em sua dimensão pública.
Quais medidas vocês acreditam que sejam necessárias para assegurar que nenhum direito de crianças e adolescentes seja violado durante a pandemia?

J.S.L: Sendo objetivas: renda básica, revogação da Emenda Constitucional 95, vacina no braço e comida no prato. Sobre a renda básica, a Márcia tem um ótimo exemplo da nossa Rede Municipal de Florianópolis, que nos ajuda a discutir um pouco as medidas necessárias e os dilemas que enfrentamos com relação à ausência de renda básica.

M.B-S: Aqui na Rede Municipal de Florianópolis, o que nós temos visto é que, nesse momento em que as crianças estavam em casa com as famílias, havia, para algumas delas, a garantia da cesta básica. Semana passada eu tive esse relato de uma de uma diretora de creche mencionando que várias famílias, para garantir a continuidade da cesta básica, elas têm optado por permanecer com direito a cesta básica.

J.S.L: E eu acho que esse dilema que a Márcia coloca, levar para creche ou ficar com a cesta, a medida necessária que a gente observa é a renda básica como o primeiro elemento, até para a gente poder pensar enquanto medida necessária para não viver esses dilemas nefastos, tanto o dilema de sair para trabalhar – como no artigo que a gente escreveu lá no olho do furacão, no meio da onda da pandemia  –  ou garantir a comida. Então, além da renda básica, a revogação da Emenda Constitucional 95, a vacina para todo mundo e a comida no prato.

Sobre um dos pontos que vocês trouxeram, a vacina no braço, de que forma a falta de efetividade do Plano Nacional de Imunização provoca o agravamento das situações de vulnerabilidades de crianças e adolescentes, suas famílias e cuidadores, implicando na violação de seus direitos fundamentais? 

M.B-S: A falta de efetividade do Plano Nacional de Imunização agrava as situações de vulnerabilidades de crianças e adolescentes de duas formas: estendendo e prolongando a pandemia e o contexto de desigualdades sociais; com esse prolongamento e ampliação da pandemia se agravam e intensificam o contexto desigualdades sociais, ou seja, se tornam mais acentuadas, mais intensas. É quase um ciclo vicioso. Nesse contexto de prolongamento e ampliação do tempo de pandemia, aquelas formas como a pandemia tem afetado crianças e adolescentes, que enumeramos na primeira questão, se estendem, se acentuam e se agravam também.

J.S.L: A medida em que não garantimos as condições básicas de vida das famílias, continuaremos violando seus direitos fundamentais, a começar pela proteção e provisão.

Enquanto a imunização não se completa, não podemos vislumbrar um retorno seguro e por completo da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e de outras etapas educativas.
A imunização da população, mesmo que crianças e adolescentes não sejam imunizados, é capaz de garantir seus direitos?

J.S.L: A imunização da população permite a garantia dos direitos de crianças e adolescentes. Adultos imunizados, usando máscaras, visam garantir os direitos de crianças e adolescentes à proteção e à provisão.

M. B-S: E, também, com a vacinação em massa da população, podemos retomar e garantir as condições básicas de existência das famílias e dos contextos de saúde e educação.

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Nota de Repúdio – Incêndio Escola Xukurank

Essa, além de ser uma nota de profundo pesar pelo incêndio da Escola Xukurank, na terra Indígena Xakriabá, é também uma nota de repúdio. Queimar uma escola é uma tentativa deliberada de extinguir o direito a existir, participar, se desenvolver e criar de um povo. É um indicativo do projeto de apagamento da população indígena brasileira que nos parece estar em curso.

Em 1988, nos fizemos ouvir como sociedade e determinamos, em nossa Constituição, que seríamos o país da saúde universal, da educação, das crianças e adolescentes com prioridade, do respeito aos indígenas e suas terras. Que curva pegamos ao longo do caminho que faz com sejam aceitáveis declarações e práticas que alijam parte da população da noção de humanidade?

Nós do Alana defendemos o direito à educação de todos e todas as crianças do país. Repudiamos qualquer ato de violência, de desrespeito às leis e de violação aos direitos humanos e à dignidade das pessoas. Como escreveu Celia Xakriabá:

Para violência só tem um remédio o amor, tentaram colocaram fogo na nossa escola, mas não vai queimar e nem matar a nossa coragem de lutar pelos direitos coletivo do povo Xakriabá, porque sinal de sabedoria é mesmo estando numa guerra a gente lutar pela paz.

Se há, de fato, um desejo de ter o Brasil acima de tudo, e o que forma um país são seus habitantes, os povos originários deveriam estar, portanto, acima de todos, protegidos em sua cultura, história e territórios. Não há Brasil sem eles.

 

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IABsp e Alana lançam Plano Emergencial

O “Plano Emergencial e Propostas Iniciais para o Plano de Bairro do Jardim Pantanal”, desenvolvido de forma colaborativa, apresenta estudos do bairro – situado na Zona Leste de São Paulo, diretrizes emergenciais para a contenção da pandemia do coronavírus e a mitigação dos seus impactos, e propostas de articulação comunitária e social

O Instituto de Arquitetos do Brasil (IABsp), em parceria com o projeto Urbanizar, do Instituto Alana, apresenta o “Plano Emergencial e Propostas Iniciais para o Plano de Bairro do Jardim Pantanal”. O material foi elaborado ao longo de 2020 e 2021 e faz parte das ações para a 13ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 2022, em cinco territórios da cidade: Jardim Guarani, Parque Pinheirinho D’Água, Jardim Lapenna, Parque Novo Mundo e o Jardim Pantanal – contemplado na publicação.

O documento

O documento possui duas partes. A primeira é uma leitura urbana e social do território, e identifica os principais desafios. De acordo com informações obtidas a partir da análise dos dados oficiais existentes e da escuta dos moradores locais. A segunda parte evidencia as diretrizes emergenciais para a contenção da pandemia do coronavírus e a mitigação dos seus impactos, focadas principalmente nas questões de saúde, violência doméstica e geração de emprego e renda. E o capítulo final apresenta propostas para a articulação comunitária e social e a indicação dos atores públicos e da sociedade civil responsáveis por cada uma das ações, a fim de orientar o trabalho de incidência política necessário para a implementação efetiva do plano.

O resultado esperado, com o processo participativo e o lançamento da publicação, é o de estimular o debate entre representantes do poder público, das comunidades, de estudantes e profissionais da arquitetura e de áreas afins e, dessa forma, contribuir para a construção de cidades mais justas e democráticas.

Acesse aqui o Plano na íntegra. 

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Por que o ensino domiciliar no Brasil não pode ser aprovado?

A regulamentação do homeschooling, ensino domiciliar, no Brasil está em discussão na Câmara dos Deputados. Caso seja aprovada, a prática irá permitir que a educação básica seja oferecida em casa, sob a responsabilidade exclusiva de famílias e tutores. 

Em meio à crise sanitária e humanitária em decorrência da pandemia de Covid-19, e diante de todos os desafios educacionais que foram acentuados nesse período como o aumento do abandono escolar e da pobreza de aprendizagem, trata-se do único tema no ano que o governo federal elencou como prioridade legislativa para a educação. O que tem sido criticado por uma ampla maioria das organizações da sociedade civil da educação e da defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Uma vez que o tema não apresenta relação com os temas emergenciais da área. 

A importância da escola

Os argumentos apresentados por essas organizações são diversos e evidenciam a importância da escola e de seu papel insubstituível como espaço de aprendizagem e desenvolvimento físico, social, emocional, cognitivo e científico e da socialização, necessários para que crianças e adolescentes adquiram habilidades e competências essenciais para a participação cidadã na sociedade. 

Fortalecer, investir e defender a escola, sem que haja desvios orçamentários e esforços para a implementação de novas práticas. Enfim, esses seguem sendo o único caminho para assegurar a aprendizagem e o desenvolvimento social pleno das crianças e adolescentes brasileiros.

Para compreender os retrocessos implicados na regulamentação do ensino domiciliar, preparamos as respostas para as perguntas mais frequentes sobre o tema.



O que é o ensino domiciliar?

O ensino domiciliar é uma prática que permite que famílias ou tutores sejam responsáveis pela docência de crianças e adolescentes. Assim, no ensino domiciliar, não há obrigatoriedade de formação em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, e crianças têm seus processos de aprendizagem circunscritos à interação com seus familiares ou com grupos restritos.

Por que a agenda do ensino domiciliar não é uma pauta sobre a liberdade de escolha das famílias?

Os direitos constitucionais à educação, profissionalização, cultura, liberdade e à convivência comunitária são absoluta prioridade para crianças e adolescentes. E é dever da família, sociedade e do Estado garantir o melhor interesse desse grupo. Dessa forma, o melhor interesse da criança e do adolescente deve prevalecer sempre e não pode ser colocado em segundo plano. Por isso, a agenda da educação domiciliar é uma pauta sobre o direito das crianças e adolescentes e não sobre a liberdade de escolha das famílias.

O direito da criança e do adolescente à educação escolar pressupõe a divisão do dever do Estado (na oferta de escolas e na garantia de um padrão mínimo de qualidade) e da matrícula obrigatória por parte da família na educação básica, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Afinal, a educação escolar corrobora com a função familiar quanto ao desenvolvimento pleno da pessoa. Todavia é única e insubstituível no cumprimento dos direitos de desenvolvimento e aprendizagem em uma perspectiva integral, cidadã e vinculada ao mundo do trabalho.



Por que o ensino domiciliar é um retrocesso na garantia do direito à educação de crianças e adolescentes?

Enquanto política pública, é um retrocesso. Afinal, rejeita toda a normativa construída nos últimos 30 anos, que buscam estabelecer padrões de qualidade mínimos na oferta de serviços educacionais. Dispositivos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Base Nacional Comum Curricular e o Plano Nacional de Educação foram construídos com ampla participação popular e com elevada maturidade de argumentos pedagógico, social e econômico. 

Dessa forma, a aprovação do ensino domiciliar como política pública em um país desigual como o Brasil pode induzir ao abandono escolar. Principalmente em detrimento ao trabalho precoce ou infantil e ao enfraquecimento das políticas de proteção a violências sofridas por crianças e adolescentes.

Por que o ensino domiciliar não é uma alternativa viável, considerando os desafios orçamentários e a fiscalização necessária para implementar a nova prática?

A regulamentação do ensino domiciliar concorrerá com a distribuição de recursos públicos já escassos para implementar as metas previstas no Plano Nacional de Educação. Mesmo estudando em casa e com algum tipo de previsão legal, em todos os países do mundo, há acompanhamento por parte de órgãos da educação. É oferecido supervisão, avaliação e, às vezes, até formação destinada às famílias e tutores. Nada disso ocorre sem utilizar a estrutura pública e seus recursos, sejam humanos, financeiros, tecnológicos ou estruturais. Ou seja, não é verdade que não há uso do recurso público caso a lei seja regulamentada. Há, e muito.

Em termos de supervisão e acompanhamento, é preciso criar uma estrutura que hoje não existe nas redes públicas: equipes, portarias e diretrizes, ou seja, recursos destinados para isso acontecer.


Em que medida o ensino domiciliar afeta as relações de ensino e aprendizagem de crianças e adolescentes?

Expor crianças a práticas de ensino e aprendizagem inadequadas compromete o seu desenvolvimento nas múltiplas dimensões da vida. Tanto como as de ordem intelectual, quanto científica, física, emocional, cultural, social e econômica.

As famílias não detêm o conjunto de características necessárias para se alcançar o padrão mínimo de qualidade no que se refere às condições para efetivar o direito de aprender das crianças e dos adolescentes, conforme estabelecido pela Base Nacional Curricular Comum. A qualidade no ensino está diretamente relacionada à garantia de profissionais formados, aplicação de currículo adequado à faixa etária. Com atividades e programa pedagógico estruturado, ambiente estimulante e infraestrutura segura, eleição e uso intencional de materiais e recursos pedagógicos, bem como a mediação entre estudantes e educadores que só as escolas são capazes de proporcionar.

Por que as famílias não podem substituir os professores?

Famílias e escolas têm papéis importantes e complementares, porém uma não deve substituir a outra. Cabe aos professores e à educação escolar o desenvolvimento de conhecimentos, competências e habilidades conforme estabelecido na Base Nacional Curricular Comum. Dessa maneira, o ensino demanda valorização, formação e ritos que são exclusivos de uma categoria profissional, os profissionais da educação. Negar esse importante papel é ignorar a importância da profissionalização da área e considerar que qualquer pessoa pode assumir essa função. 

A regulamentação do ensino domiciliar desvaloriza toda uma categoria profissional. E reforça estereótipos sociais de que a educação tem pouco valor, pode ocorrer de qualquer maneira, sem lastro técnico. 

Como as famílias podem participar da vida escolar dos filhos?

As famílias são a primeira instituição social das crianças. Ela representa a inserção em um conjunto de valores morais e éticos, e também uma estrutura importantíssima no período de vida da infância, entendida como a etapa dos zero aos 18 anos. Ao passo que, o espaço familiar é repleto de oportunidades de aprendizagens para as crianças. 

Contudo, os papéis educativos de famílias e escolas são distintos. A educação que é promovida no ambiente familiar é mais ampla. Logo, as famílias devem e podem participar do processo educativo dos seus filhos, acompanhando e incentivando sua jornada escolar. É essencial que participem das reuniões promovidas pela escola, compondo e atuando para a qualidade do ensino nas Associações de Pais e Mestres ou Conselhos de Escola. Pesquisas mostram que esse tipo de participação na vida dos filhos é decisiva para a continuidade nos estudos e obtenção de melhores resultados em avaliações.



Qual o papel da escola como rede de proteção social de crianças e adolescentes e por que o ensino domiciliar não dá conta desse problema?

Para todos os estudantes, em especial para aqueles que se encontram em contexto de vulnerabilidade, o acesso à educação escolar tem sido o responsável para o reconhecimento de violações na infância e para o acesso à rede de proteção social, como segurança alimentar por meio da merenda escolar, saúde, benefícios sociais e culturais. Sendo assim, o ensino domiciliar é uma prerrogativa excludente de milhares de estudantes. Já que desconsidera o papel protetivo e preventivo que as escolas desempenham na vida de crianças e adolescentes.



Por que o ensino domiciliar não seria uma alternativa para estudantes em situação de vulnerabilidade que enfrentam barreiras no acesso e permanência na escola?

Sendo a educação um direito, é dever do Estado garantir estrutura e meios para o acesso à escola por crianças e adolescentes. Desse modo, a regulamentação do ensino domiciliar possibilitaria a segregação e a exclusão de estudantes e famílias que, por vezes, já enfrentam barreiras para acessar diferentes políticas públicas.

Como, por exemplo, os estudantes com deficiência, que conquistaram recentemente o direito ao acesso, aprendizagem e permanência na escola regular. Nesse sentido, a educação domiciliar pode representar novamente a discriminação por motivo de deficiência e a exclusão dessas pessoas, com um significativo retrocesso nos direitos conquistados. 

Como são as experiências de ensino domiciliar em outros países?

O ensino domiciliar é regularizado em mais de 60 países, entre eles Estados Unidos, Canadá, Colômbia, Equador e Paraguai. No entanto, é proibido em outros países, como na Alemanha e Suécia. Mas mesmo em países em que a prática é regularizada, há um investimento perene e sistemático na escola. Esforços contínuos em relação à qualidade da permanência dos estudantes, na valorização maciça da educação junto à sociedade e na qualificação do ensino por meio da formação dos profissionais da educação.

Confira a série de episódios em que especialistas explicam por que a educação domiciliar é um retrocesso:

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Soraia Chung: “O brincar elabora uma ideia de humanidade”

Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração
– Fernando Pessoa

Assim como o poeta, você já parou para observar o brincar das crianças ao seu redor? Se a resposta for sim, que sorte! Você presenciou muito mais do que cobertores se transformando em castelos, folhas e pedras virando enormes banquetes, e sofás se metamorfoseando em trampolins. Isso porque o papel do brincar vai muito além de ser divertido e exercitar a imaginação, apesar de essas já serem funções muito importantes.

Normalmente, definimos o brincar livre e espontâneo como a expressão máxima das crianças. Aquele brincar que parte das próprias crianças e não tem nenhum outro objetivo maior além de simplesmente fazer o que as interessa. É um diálogo que os pequenos fazem entre os mundos interno e externo. São gestos do corpo que refletem uma relação muito profunda do que acontece no interior das crianças, exercícios importantes tanto emocional quanto fisicamente. Brincando elas também exercitam a coordenação motora, a concentração, e aprendem a lidar com a frustração ao realizarem atividades de tentativas e erros.

Por ser tão importante, brincar é um direito garantido em vários instrumentos legais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Marco Legal da Primeira Infância. Eles estabelecem a cultura, o brincar e o lazer como áreas prioritárias para as políticas públicas. A Decaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) também estabelece que toda pessoa tem direito ao lazer. E a Convenção sobre os Direitos da Criança indica que elas têm direito ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística da sociedade. 

Para Soraia Chung Saura, pesquisadora do brincar e professora da Escola de Educação Física e Esportes da Universidade de São Paulo (USP), o brincar tem sido muito pouco valorizado e é tido como uma atividade de menor importância. Embora as crianças tenham direito à cidade, por exemplo, e saibam usar muito bem todos os espaços, porque ressignificam os objetos e os caminhos, cidades não são elaboradas para o acesso dos pequenos e muito menos são pensados espaços para que elas possam brincar. 

São os adultos que estão decidindo o uso dos espaços da cidade e as políticas públicas e tudo é considerado mais importante que o brincar. Muitas dessas coisas tangenciam o espaço das crianças, mas não necessariamente estão sendo  pensadas para elas, muito pelo contrário, elas perdem esses espaços o tempo todo”, aponta.

Foto mostra a pesquisadora Soraia Chung Saura sorrindo e, ao fundo, uma parede amarela
Soraia Chung Saura. Foto: arquivo pessoal

Soraia participou da equipe de pesquisadores do filme Brincar em Casa (2021), realizado pelo Instituto Alana e pelo Território do Brincar, que investigou o brincar das crianças durante a pandemia. Ao Alana, falou sobre o brincar espontâneo durante o isolamento social, o exercício do brincar pelas diversas infâncias e sobre a Semana Mundial do Brincar. Confira:

Qual a importância do brincar para as crianças além de ser divertido e exercitar a imaginação?

Soraia Chung Saura: A gente costuma pensar o brincar livre e espontâneo como um fim em si mesmo, porque qualquer outra adjetivação pode ser redutora. Nós sabemos que ele se presta a muitos fins, por exemplo, pedagógicos, lúdicos, de extravasamento, de formação de vínculos. Tem muitos adjetivos positivos para a ação do brincar, mas a gente costuma defini-lo como a expressão máxima da criança. E assumimos isso depois de muitos anos de observação desse brincar livre e espontâneo em várias realidades e situações. As crianças brincam com muito empenho e muita verdade. E é essa expressão, como um fim em si mesmo, sem outras finalidades adjacentes, porque cabe ao adulto que observa esse brincar ir qualificando o que está acontecendo.

O brincar reflete uma relação muito profunda do que existe internamente na criança, a personalidade dela, o contexto e as situações que ela está vivendo e, também, elabora uma ideia de humanidade. Então, são gestos do corpo que reproduzem alguns caminhos percorridos pelo homo sapiens, por exemplo. E são exercícios muito importantes tanto no nível emocional quanto corporal, é uma relação que se estabelece com o mundo e uma relação muito profunda. No mundo de fora e no mundo interno também, é esse diálogo. Essas punções internas da criança já vêm com um repertório, a gente percebe perguntas ontológicas, sobre existência. Ainda pequenininha ela traz um repertório que não tem como ter vindo de fora. É um repertório que brota de dentro. Então eu acho que isso é o mais significativo, o mais importante do brincar: ele não é só diversão. 

Aliás, por exemplo, em uma brincadeira de construção, ela está se empenhando em construir alguma coisa, não necessariamente com essa ideia de estar se divertindo, muitas vezes ela está muito concentrada, compenetrada. Então, no brincar, a criança também está se desafiando, se estudando, buscando questões nesse diálogo com o mundo. Ela se decepciona, se frustra. Bachelard [filósofo francês] fala muito, por exemplo, sobre como as matérias duras ensinam, então às vezes a criança quer fazer uma construção, mas dependendo da idade, da habilidade motora, ela não consegue chegar nesse lugar. Então, também é um lugar de frustração, de tentativa e erro, de muita concentração.

A escola, as cidades e a sociedade têm dado a devida importância ao brincar?

S.C.S: A minha percepção é de que isso melhorou bastante, já são muitos anos trabalhando com essa temática. Vinte anos atrás, por exemplo, quando a gente falava do brincar nas escolas, isso não era algo pautado e factível. A escola é um lugar de aprender e o brincar entrava como uma outra coisa. Hoje, há um reconhecimento da importância dessa expressão, está em todos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), na última Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de forma bastante enfática – o brincar livre, porque o brincar com fins pedagógicos sempre existiu na escola, especialmente na educação infantil.

Já o brincar livre como uma possibilidade de aprendizado e de experiência da criança é algo mais recente. Mas eu acho que ele está bem presente e sendo cada vez mais assumido nas escolas. Embora esteja muito voltado para a primeira infância (da Educação Infantil ao Ensino Fundamental I), a gente sabe que brincar é algo que se estende pelo resto da vida e é muito importante na segunda infância (Ensino Fundamental II). E também na adolescência, às vezes em outras formas, em formato de jogos e outras atividades.

Então, isso começa lá trás, a tentativa e erro, e é muito importante adultos que apresentem gestos desse fazer, são sempre fascinantes para as crianças. Mas também valorizar esse espaço do brincar, esse tempo livre. 

Quando a gente fala de espaço do brincar, a gente fala do tempo disponível para essas crianças e para os seus encontros. Mas, também de um espaço de acontecimento e materiais e ferramentas que elas possam manusear. Então eu acho que o brincar está, sim, sendo bem reconhecido nos espaços de educação infantil. Hoje, já compõe todos os documentos, a formação dos professores, mas é abandonado na segunda infância em função dos conteúdos.

Sobre o brincar nas cidades, em 2018, a equipe de pesquisadores do Território do Brincar se dividiu em oito espaços diferentes da cidade. Depois, no final de 2019, a gente começou a frequentar espaços variados da cidade, buscando esse brincar livre e espontâneo. Nós, pesquisadores, mergulhamos por seis meses nesses campos e percebemos o quanto as crianças não são priorizadas pelos adultos. São os adultos que estão decidindo o uso dos espaços da cidade e as políticas públicas, e tudo é considerado mais importante que o brincar: o trânsito, o lazer, a qualidade de vida.

E muitas dessas coisas tangenciam o espaço da criança, mas não necessariamente estão sendo pensadas para elas, pelo contrário, elas perdem esses espaços o tempo todo. Então, se elas encontram um espaço adequado para brincar, pode ser às vezes um terreno, e ficam ali, rapidamente vem a questão imobiliária e elas têm de buscar outro lugar. Às vezes elas estão brincando no campinho, aí vêm os adultos e resolvem que vão construir ali. Pronto, acabou o espaço do brincar. É como se não tivessem voz frente a essas decisões.

A criança tem direito à cidade toda e ela sabe usar muito bem todos os espaços porque ela ressignifica os objetos, os caminhos, ela tem outros olhares. Eu digo que é parecido com o olhar do skatista, porque eu sou professora na Escola de Educação Física e Esporte, então eu ouço relato dos meus alunos skatistas de como é que eles olham a cidade: uma escada não é só uma escada, um corrimão não é só um corrimão, um banco não é só um banco.

Elas têm esse direito de habitar a cidade tanto quanto outras pessoas. No entanto, elas perdem espaço pra tudo, tudo o que você pode imaginar vem na frente do brincar. Elas perdem esses espaços livres, que não são necessariamente apenas praças e parquinhos, mas lugares que não passem carros, onde tenha segurança, onde possam jogar coletivamente com os amigos. Então, as crianças têm sofrido muitas perdas nas cidades, é isso que a gente tem observado tanto nos espaços públicos quanto nos espaços privados.

Assim como o acesso à cidade, o brincar também é um direito. Ele é exercido de forma igual por todas as infâncias? Como é o brincar em áreas mais vulneráveis?

S.C.S: Como o espaço é menos estruturado e menos controlado, as crianças conseguem ter acesso melhor aos espaços. Então, nas nossas incursões nas periferias, nas aldeias indígenas e em ocupações, percebemos primeiro que os pais se remetem a uma infância que tiveram, a uma certa liberdade, e aí promovem também essa liberdade aos seus filhos. Pode brincar, correr, habitar o espaço. Então, são interdições menores. Tenho uma aluna que está fazendo uma dissertação do brincar na Vila Gilda, em Santos, é a maior favela de palafitas do Brasil. É incrível o brincar espontâneo e livre ali. Aquelas crianças correm, exploram o bairro, a cidade e os seus recursos. Nadam no rio, andam de barco, caçam caranguejos, pescam.

O não acesso à cidade está muito relacionado a uma questão da segurança. Os pais se perguntam se é seguro deixar o filho sair, “ah, é tranquilo, a gente conhece quase todos os vizinhos. Tudo bem, dá pra brincar na rua, ir pra pracinha” ou “não dá, não tem segurança” e as crianças voltam para dentro de casa. Eu vi uns dados do Alana que falavam sobre uma pandemia de baixa atividade física infantil em que as crianças ficavam menos de uma hora por dia fazendo exercício físico.Por outro lado, elas passavam mais de 5 horas em frente à TV. Uns números assustadores e a gente nem estava na pandemia de coronavírus ainda. 

Apesar da situação de vulnerabilidade, o brincar livre e espontâneo nas comunidades é mais autorizado, encontra mais espaço para acontecer. Não que os espaços sejam maiores, mas está mais autorizado esse viver o espaço público. Porque muitas vezes essas comunidades, em regiões periféricas, a gente está falando de espaços comunitários também, são diferentes. Todo mundo se conhece ali, então todo mundo cuida uns dos outros, dos filhos dos outros. Um bando de crianças que na hora que estão perto da sua casa, você está ali na cozinha, mas você está vendo o que está acontecendo, podem não ser seus filhos mas se tiver acontecido alguma coisa, alguém se machucar, você faz uma intervenção. Então nesses espaços comunitários, as mães às vezes ficam mais tranquilas, mesmo que sejam espaços de muita vulnerabilidade.

Você fez parte da equipe da pesquisa “Brincar em Casa”, sobre o brincar das crianças durante a pandemia de coronavírus. Pode falar um pouco sobre como o brincar se transformou durante o isolamento social, limitado entre as quatro paredes de casa?

S.C.S: Essa pesquisa foi muito maravilhosa e a gente está continuando agora, já começamos a falar de novo com as famílias. É algo que para nós, enquanto pesquisadores, é muito instigante. Porque também estamos vivendo em situação de pandemia e fomos observando as soluções e os depoimentos de diversas famílias sobre esse período, especialmente no que tange ao brincar das crianças. Não acho que dá para dizer que mudou, o que ficou claro é que nem as crianças, nem os adultos, tinham muito tempo em casa.

Na pesquisa, nós fazemos uma primeira pergunta sobre “como era sua vida antes do isolamento e como está agora?”, falamos da rotina, e tentamos situar aquela criança um pouco no tempo. E a rotina antes era muito atribulada, muito violenta no sentido de ser muito produtiva. Havia muita coisa pra fazer, independentemente da classe social, do tipo de família, isso é algo comum. Famílias que saem cedo e voltam tarde, pouco contato das crianças com os pais. O contato mais intenso se dava no final de semana, que também era muito voltado para fora, passeios, sair, ir na casa de parentes e amigos, e festas.

Então, a gente estava de um lado do pêndulo e percebeu que ninguém mais fazia sequer uma refeição por dia juntos, com a família toda, quem dirá as três – café da manhã, almoço e jantar. Essas foram coisas que apareceram pra gente de forma muito evidente entre as famílias pesquisadas.

Só que de repente a gente foi para o outro lado do pêndulo, todo mundo se volta para dentro de casa e para essa convivência intensa, não é uma situação de equilíbrio ainda. A pesquisa “Brincar em Casa” foi feita nos quatro primeiros meses do isolamento e até o quarto mês as crianças estavam aliviadas, “puxa, que bom vou ficar em casa, graças a Deus”. Aí elas descobriram coisas como “nossa, eu nem sabia que o meu pai sabia cozinhar”, são falas muito bonitas desse estar em casa. E quando a gente pergunta como as crianças estavam usando espaços e objetos da casa, também aconteceu uma coisa muito incrível: Nós começamos a perceber que as crianças brincam de formas parecidas nos diferentes espaços da casa, os espaços convidam alguns brincares.

Existe um brincar que se dá na sala, um brincar que aparece, é coletivo e tem a interferência de todo mundo. É como se fosse a praça da casa, porque está todo mundo vendo, é ali que se concentram os jogos de tabuleiro, apresentações de teatro, apresentações de dança. Também porque é um espaço mais amplo, tem sofá, tem mesa, muitos circuitos, saltos no sofá, muitas construções dependendo da autorização da família. A pesquisa foi ajudando as famílias com isso, tiveram algumas mães que deram esse relato:

“responder as perguntas de vocês também está me fazendo olhar que algumas coisas são importantes e eu parei de ficar tão estressada com a bagunça da sala, afinal de contas nem vamos receber visitas mesmo, e deixar aquela cabana lá por três, quatro dias”.

Esse convite de cada um dos espaços para o brincar das crianças não é algo da pandemia. Isso é da casa, do espaço, ainda que esse espaço seja simbólico. Às vezes, tem uma família inteira que mora em um cômodo, e nesse cômodo o cantinho da direita é o quarto, o da esquerda é a sala, o outro é a cozinha e ali é o banheiro, ainda assim, nessa divisão simbólica, as crianças se apropriam desses cantos da mesma forma. Em contraponto ao brincar na sala, tem o brincar no quarto, que é um brincar de intimidade, que convida ao brincar sozinho.

Eu tenho duas filhas e elas brincam muito no quarto, era algo que sempre me incomodava. Observando as 55 famílias, as crianças fazendo isso, a gente conclui que as crianças estão nos dizendo que isso é importante. E não é qualquer coisa que estão fazendo lá: todas estão brincando com miniaturas, é muito significativo, não se brinca disso em qualquer lugar, é esse espaço de intimidade que pede. E, nessa organização de mundo, a criança desenvolve uma narrativa às vezes de casinha, às vezes de guerra, é variado. Mas há uma estrutura: há histórias com começo, meio e fim; elas organizam toda aquela bagunça; montam todo aquele cenário. 

Brincar com miniaturas parece ser algo muito importante para o ser humano também, a gente miniaturiza desde o início dos tempos. Bachelard usa o termo guliverizar, é essa ideia de que o todo está contido no pequeno. Essa ideia de que quando a gente observa alguns elementos da natureza, identifica que o grande está no pequeno. Na aldeia em que eu fiz a pesquisa de campo, no Jaraguá, eles se referem às crianças como “mirim”, que é o pequeno que contém o grande. E não é algo em formação, as crianças já são tudo, uma condensação da grandeza.

Eles brincam disso e é exatamente com essa atmosfera. E uma outra coisa que acontece nos quartos é a contação de histórias, leitura de livros e gibis, às vezes pelo pais. É você receber narrativas, os dramas humanos, e você criar narrativas e brincar com elas. Então é um lugar de produção de imagens cósmicas, diz o Bachelard, que são essas imagens da nossa infância que vão ficar com a gente até o fim da vida.

Esse mês, entre os dias 22 a 30 de maio, acontece a Semana Mundial do Brincar. Qual a importância de ter uma semana inteira para celebrar e refletir sobre o brincar?

S.C.S: É uma iniciativa importante por isso: o brincar é muito pouco valorizado, sempre uma atividade menor, porque é uma atividade divertida, lúdica. Não se reconhece o valor do brincar enquanto expressão da criança. Reconhecer o valor do brincar é também reconhecer que esse brincar precisa de tempo para acontecer e espaço. Quando a gente pensa em cidade – precisa de materiais para que as crianças manuseiem, que não são necessariamente brinquedos. Então lançar luzes para o brincar é você reconhecer essa criança como sujeito de direito.

Porque se você não reconhece essa expressão dela como importante é porque ela também não é importante. Ela está crescendo, ela não é nada ainda, deixa crescer e virar gente, sendo que ela é o “mirim” já. Tem um monte de estudos científicos sobre a importância do brincar, desde a psicologia até a medicina, todo mundo recomendando e prescrevendo o brincar. É um campo de muita necessidade, mas precisa ser chamado atenção porque o senso comum ainda coloca o brincar como uma atividade menos importante.

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A importância de cuidar de quem cuida durante a pandemia

16ª edição do Expresso 227 convidou especialistas para conversar sobre os impactos da pandemia na vida das mães e na educação das crianças. Como cuidar de quem cuida?

Durante a pandemia e o isolamento social para a contenção do novo coronavírus, muita coisa mudou para mães e crianças. As mulheres, que já dedicavam o dobro de tempo às tarefas domésticas e cuidados com as crianças, foram ainda mais sobrecarregadas por essas funções, ficando, também, responsáveis pela educação dos filhos. Por fim, esse acúmulo de funções tem gerado impactos físicos, psicológicos e, também, financeiros, considerando que muitas mães tiveram de deixar seus empregos para cuidar dos filhos, e muitas outras tiveram o sustento do lar colocado em risco – a maioria negras.

Bate papo

Para conversar sobre a necessidade de cuidar de quem cuida, especialmente durante a pandemia, aconteceu, no último dia 14, o Expresso 227 “Mães durante a pandemia: direitos, cuidado e educação”. Exibida no canal do Instituto Alana no Youtube, essa série de debates ao vivo reúne especialistas em diversas áreas para debater temas que impactam as infâncias e adolescências no Brasil e no mundo.

Participaram da conversa três mulheres que também são mães e têm sentido esses impactos na pele: Mariana Rosa, jornalista, educadora, consultora em educação inclusiva, ativista pelos direitos das pessoas com deficiência; Nana Lima, publicitária, cofundadora da Think Eva e diretora de impacto da Think Olga; e Thaís Ferreira, co-idealizadora do Segura a Curva das Mães e vereadora do Rio de Janeiro. A mediação foi feita por Raquel Franzim, diretora de educação e cultura da infância do Instituto Alana.Instituto Alana

Mariana

Mariana compartilhou sua experiência como mãe da Alice, que é uma criança com deficiência, e falou sobre o impacto das escolas fechadas durante a pandemia. Para ela, a situação das mães é muito delicada “porque a gente está sozinha e é uma solidão herdada de muitos e muitos anos. Mas também há a ausência de políticas públicas que possam assumir o cuidado como uma necessidade pública e não como um assunto do campo doméstico”.

Thais

Para Thais, a pandemia tirou uma cortina de fumaça que existia sobre alguns mitos que existiam na sociedade brasileira. Como o de que as mulheres mães estariam padecendo no paraíso. “Quando a gente olha para a periferia, encontramos até em um verso dos Racionais Mc sobre isso. Que são as mulheres mães da periferia que sempre estiveram sobrevivendo no inferno, nunca puderam padecer no paraíso. Porque a elas sempre coube o cuidado, não só da sua família, mas também o cuidado comunitário. Outra coisa importante é que, nas periferias, o número de mulheres chefes de família cresce ainda mais e também não é um dado recente”, apontou.

Nana

Nana chamou atenção para as redes de apoio às mães, que ficaram ainda mais fragilizadas durante o isolamento social. “O que aconteceu foi que a aldeia, seja lá qual fosse a que a gente tinha antes, desapareceu. De fato, do dia para a noite, nós ficamos sem creche, sem escola, sem vizinha, sem avó, sem vida social para as crianças. Além disso, o nosso trabalho não deixou de exigir que a gente performasse igual a antes da pandemia”, disse.

O Expresso 227 levanta discussões sobre temas diversos sobre o recorte da infância. Você pode acompanhar todas as edições no Youtube do Alana.