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Posicionamento do Alana sobre o ensino domiciliar

Excelentíssimas senhoras parlamentares e excelentíssimos senhores parlamentares, o Instituto Alana vem por meio desta, respeitosamente, manifestar seu posicionamento contrário à regulamentação da educação domiciliar como modalidade educacional da educação básica, conforme proposta pelo Projeto de Lei n.º 2.401/2019, apensado ao Projeto de Lei n.º 3.179/2012, e pelo substitutivo apresentado pela relatora, Deputada Luísa Canziani.

Primeiramente, lamentamos que o governo federal tenha elencado, por dois anos consecutivos, o tema do ensino domiciliar como prioridade para a educação na agenda legislativa. No contexto pós-distanciamento social como medida de contenção da Covid-19, esperava-se que fosse priorizada a discussão de temas estruturantes da educação brasileira. Como programas articulados para a contenção da evasão escolar e recomposição das aprendizagens, por exemplo. No entanto, optou-se por concentrar esforços em um tema que diz respeito a uma parcela pequena da população.

Em 2019, o Governo Federal estimou entre 5 mil e 31 mil as famílias que realizam práticas educativas domiciliares sem manter a matrícula e a frequência escolar de seus filhos e tutelados. Já a Associação Nacional de Ensino Domiciliar (ANED) estimou em 2020, que a prática atingiria 17 mil crianças e adolescentes. Em um cenário com 48,4 milhões de estudantes ativos, 80% destes matriculados na rede pública.

A priorização dessa proposta vai também na contramão das demandas concretas da ampla maioria da população brasileira. Que não apenas reconhece o papel central da escola na educação de crianças e adolescentes, como demanda ampliação da oferta e da qualidade. 99,4% da população considera que frequentar a escola é algo importante para as crianças. Segundo a pesquisa realizada pelo Datafolha, em parceria com o Cesop-Unicamp e sob a coordenação das organizações da sociedade civil Ação Educativa e Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Para 89,9%, as crianças devem ter o direito de frequentar as escolas mesmo que seus pais não queiram. E um total de 78,5% discorda de os pais terem o direito de tirar os filhos da escola para ensiná-los em casa — 62,5% totalmente, e 16% em parte.

A regulamentação da educação domiciliar não deve ser considerada como uma possibilidade educativa e de política pública de Estado. Por razões de natureza pedagógica, social, econômica e jurídica, cuja observância se faz necessária no debate atual.

O posicionamento contrário à adoção do ensino domiciliar como modelo de educação promovido e incentivado pelo Estado parte dos pressupostos que conceituam a educação como um processo permanente de construção compartilhada de sentidos, de experiências e de conhecimentos, que ocorrem em espaços e tempos distintos e na relação entre pessoas, especialmente na escola, na família e na comunidade do entorno.

A educação escolar é entendida como um direito de crianças e adolescentes de 04 a 17 anos e 11 meses de idade. É dever do Estado a oferta de vagas e dever da família a matrícula escolar na educação básica. Conforme previsto no artigo 208 da Constituição Federal, no artigo 101, inciso III do Estatuto da Criança e do Adolescente e nos artigos 2, 4 e 6 da Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (Lei nº 9.394/1996). Sua finalidade corrobora a função familiar quanto ao desenvolvimento da pessoa. Todavia é única e insubstituível no cumprimento de padrões mínimos de qualidade para a formação plena, cidadã e vinculada ao mundo do trabalho.

A complementaridade e responsabilidade compartilhada sobre a educação de crianças e adolescentes não pode prescindir do ensino escolar. Há, portanto, uma distinção importante entre educação e ensino. A família, como uma das instituições sociais, é responsável e a ela está assegurada a participação de processos educativos. Ou seja, da educação e desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, nos termos da lei. O ensino, diferente da educação geral promovida pela família, é um processo intencional e profissional. Que assegura direitos de aprendizagem e desenvolvimento aos estudantes, tal como expresso na Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Dessa forma, a família não detém o conjunto de características necessárias para se alcançar o padrão mínimo de qualidade no que se refere ao ensino. Nem condições para efetivar o direito de aprender das crianças e dos adolescentes. Todavia sua participação nos processos de ensino e aprendizagem escolar é desejada, incentivada e regulamentada.

Nesse sentido, o ensino por meio da educação escolar prevê o uso de materiais didáticos regulamentados em lei e por editais públicos. Profissionais formados e capacitados para promover o ensino e processos aprendizagem com intencionalidade educativa. Monitoramento e avaliações regulares, orientadas pela Base Nacional Comum Curricular, de acordo com a faixa etária de cada criança e adolescente. Em um ambiente pedagógico que contribui para o desenvolvimento das práticas educativas. Ou seja, com infraestrutura adequada para a finalidade e que ofereça para crianças e adolescentes a convivência interpessoal.

Vale lembrar que o Brasil logrou o direito à educação escolar há menos de 100 anos, até o início da década de 1980, 33% da população era analfabeta. A partir da década de 1990, políticas estruturadas de acesso e garantia de permanência na escola garantiram a milhares de brasileiros e brasileiras o acesso à educação básica.

A institucionalização desta política pública tem sido responsável pelo reconhecimento de violações na infância e pelo acesso aos demais direitos para estudantes em contexto de vulnerabilidade. Isso vai além dos ganhos educacionais. Nesse sentido, o ensino domiciliar é uma prerrogativa excludente para milhares de estudantes. Já que desconsidera o papel protetivo e preventivo que as escolas desempenham na vida dos estudantes. Sobretudo para estudantes em situação de vulnerabilidade que acessam diferentes direitos por meio de programas suplementares, tais como aqueles financiados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Os aspectos econômicos da prática da educação domiciliar podem ser observados sob duas lentes: a do orçamento na política de educação e a do impacto econômico da adoção deste modelo para as futuras gerações.

Em relação à organização orçamentária da política, é importante observar que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), principal instrumento para o financiamento do ensino nos estados e municípios, não prevê o ensino domiciliar na distribuição de recursos orçamentários. Ou seja, não é possível planejar a gestão do monitoramento e garantia da qualidade de ensino deste sistema. Para isso, é preciso a previsão orçamentária do custo administrativo para regulamentação subnacional e monitoramento do homeschooling.

Diferentes estudos internacionais e nacionais apresentam o impacto econômico da adoção do homeschooling nas futuras gerações. Cabe destacar a escolarização como um importante promotor de desenvolvimento social e econômico de países. No entanto, não há evidências consistentes ou indicadores de desenvolvimento social a partir da oferta do ensino domiciliar como política pública. Ao contrário, países com elevado desenvolvimento social e econômico revelam que investimentos perenes na qualidade da permanência de estudantes na escola e maciça valorização dos profissionais como fatores chave para o êxito da política.

Os meios adequados para progressão em estudos superiores e inclusão no mercado de trabalho não encontram condições de realização em um regime de ensino domiciliar. A escola é um dos poucos fatores capazes de aumentar a riqueza de um país. Esta tese foi ganhadora do Prêmio Nobel em 1979, por Theodore Schultz. Nela, foi observado que países mais desenvolvidos economicamente (a partir de análises no setor agrícola) tinham maior investimento em capital humano, predominantemente pela educação escolar.

Políticas públicas indutoras ao acesso e permanência em ambientes escolares de educação infantil são interdependentes, isso significa que, com aumento de 1,5 ano na escolaridade, eleva-se em 16% a renda durante a vida adulta. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE divulgada em 2021, pessoas de 18 a 29 com ensino fundamental incompleto têm o rendimento médio de R$ 884,01 enquanto, pessoas na mesma faixa etária com ensino superior completo, possuem a média de rendimento de R$ 2.799,76. Adicionando a esta análise o recorte de raça, estudantes negros possuem uma média de escolaridade de 10,8 anos, que é menor em relação à dos estudantes brancos, com a média de 12,1 anos de escolaridade.
Ainda, os 25% da população com menor renda possuem média de 9,8 anos de escolaridade, enquanto 25% da população com maior renda possuem 13,6 anos. Estes dados reforçam a preocupação sobre o retrocesso da substituição do ensino escolar de crianças e adolescentes pelo ensino domiciliar. Além do agravamento dos impactos econômicos já sentidos por grupos minoritários.

O ordenamento brasileiro não permite o ensino domiciliar por entender que a educação escolar é insubstituível no cumprimento do dever estatal. Este estabelecido constitucionalmente para garantir o direito fundamental à educação, bem como pela relevância da escola em promover os direitos à convivência comunitária.
Estes aspectos aparecem em, pelo menos, quatro dispositivos legais. Os artigos 227 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente defendem a absoluta prioridade dos direitos das crianças e adolescentes e o melhor interesse em cenários de violação e promoção de políticas sociais e orçamentárias. O artigo 5º da Lei de Diretrizes e Bases, em que o acesso à  educação básica é obrigatório. E, a Lei nº 12.796/2013, que estabeleceu que o ensino pode ser ministrado apenas por aqueles que apresentarem formação nos termos legais. A saber: ensino superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, ou ainda a formação mínima em ensino médio na modalidade norma.
As famílias, em tese, não podem exercer o papel docente. Ainda que se regulamente o ensino domiciliar, a família e tutores deverão se formar nos termos da lei. A legislação vigente estabelece que não apenas a formação inicial qualifica o exercício do ensino, mas todo o conjunto de formação continuada em serviço, vinculada aos sistemas de ensino.

Por fim, o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos das Crianças, instrumento de direitos humanos mais adotado em todo o mundo. Com sua ratificação pelo Estado Brasileiro há explicitamente o reconhecimento de que crianças e adolescentes são sujeitos de direito. Suas famílias, como enunciado em diferentes artigos, são as principais responsáveis por seu desenvolvimento. Sem, todavia, desprezar ou violar o direito assegurado no Artigo 28, que é o direito à educação escolar.

Por todos os motivos supracitados, o Instituto Alana entende que a proposta de regulamentação do ensino domiciliar está longe de atender às demandas educacionais do país. Ainda mais sendo discutida por meio de requerimento de urgência, portanto, pedimos a este parlamento que rejeite a regulamentação da medida. Ainda mais, quando a discussão não está pautada pela prioridade absoluta de crianças e adolescentes prevista no artigo 227 da Constituição Federal.

Instituto Alana

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Por que o ensino domiciliar no Brasil não pode ser aprovado?

A regulamentação do homeschooling, ensino domiciliar, no Brasil está em discussão na Câmara dos Deputados. Caso seja aprovada, a prática irá permitir que a educação básica seja oferecida em casa, sob a responsabilidade exclusiva de famílias e tutores. 

Em meio à crise sanitária e humanitária em decorrência da pandemia de Covid-19, e diante de todos os desafios educacionais que foram acentuados nesse período como o aumento do abandono escolar e da pobreza de aprendizagem, trata-se do único tema no ano que o governo federal elencou como prioridade legislativa para a educação. O que tem sido criticado por uma ampla maioria das organizações da sociedade civil da educação e da defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Uma vez que o tema não apresenta relação com os temas emergenciais da área. 

A importância da escola

Os argumentos apresentados por essas organizações são diversos e evidenciam a importância da escola e de seu papel insubstituível como espaço de aprendizagem e desenvolvimento físico, social, emocional, cognitivo e científico e da socialização, necessários para que crianças e adolescentes adquiram habilidades e competências essenciais para a participação cidadã na sociedade. 

Fortalecer, investir e defender a escola, sem que haja desvios orçamentários e esforços para a implementação de novas práticas. Enfim, esses seguem sendo o único caminho para assegurar a aprendizagem e o desenvolvimento social pleno das crianças e adolescentes brasileiros.

Para compreender os retrocessos implicados na regulamentação do ensino domiciliar, preparamos as respostas para as perguntas mais frequentes sobre o tema.



O que é o ensino domiciliar?

O ensino domiciliar é uma prática que permite que famílias ou tutores sejam responsáveis pela docência de crianças e adolescentes. Assim, no ensino domiciliar, não há obrigatoriedade de formação em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, e crianças têm seus processos de aprendizagem circunscritos à interação com seus familiares ou com grupos restritos.

Por que a agenda do ensino domiciliar não é uma pauta sobre a liberdade de escolha das famílias?

Os direitos constitucionais à educação, profissionalização, cultura, liberdade e à convivência comunitária são absoluta prioridade para crianças e adolescentes. E é dever da família, sociedade e do Estado garantir o melhor interesse desse grupo. Dessa forma, o melhor interesse da criança e do adolescente deve prevalecer sempre e não pode ser colocado em segundo plano. Por isso, a agenda da educação domiciliar é uma pauta sobre o direito das crianças e adolescentes e não sobre a liberdade de escolha das famílias.

O direito da criança e do adolescente à educação escolar pressupõe a divisão do dever do Estado (na oferta de escolas e na garantia de um padrão mínimo de qualidade) e da matrícula obrigatória por parte da família na educação básica, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Afinal, a educação escolar corrobora com a função familiar quanto ao desenvolvimento pleno da pessoa. Todavia é única e insubstituível no cumprimento dos direitos de desenvolvimento e aprendizagem em uma perspectiva integral, cidadã e vinculada ao mundo do trabalho.



Por que o ensino domiciliar é um retrocesso na garantia do direito à educação de crianças e adolescentes?

Enquanto política pública, é um retrocesso. Afinal, rejeita toda a normativa construída nos últimos 30 anos, que buscam estabelecer padrões de qualidade mínimos na oferta de serviços educacionais. Dispositivos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Base Nacional Comum Curricular e o Plano Nacional de Educação foram construídos com ampla participação popular e com elevada maturidade de argumentos pedagógico, social e econômico. 

Dessa forma, a aprovação do ensino domiciliar como política pública em um país desigual como o Brasil pode induzir ao abandono escolar. Principalmente em detrimento ao trabalho precoce ou infantil e ao enfraquecimento das políticas de proteção a violências sofridas por crianças e adolescentes.

Por que o ensino domiciliar não é uma alternativa viável, considerando os desafios orçamentários e a fiscalização necessária para implementar a nova prática?

A regulamentação do ensino domiciliar concorrerá com a distribuição de recursos públicos já escassos para implementar as metas previstas no Plano Nacional de Educação. Mesmo estudando em casa e com algum tipo de previsão legal, em todos os países do mundo, há acompanhamento por parte de órgãos da educação. É oferecido supervisão, avaliação e, às vezes, até formação destinada às famílias e tutores. Nada disso ocorre sem utilizar a estrutura pública e seus recursos, sejam humanos, financeiros, tecnológicos ou estruturais. Ou seja, não é verdade que não há uso do recurso público caso a lei seja regulamentada. Há, e muito.

Em termos de supervisão e acompanhamento, é preciso criar uma estrutura que hoje não existe nas redes públicas: equipes, portarias e diretrizes, ou seja, recursos destinados para isso acontecer.


Em que medida o ensino domiciliar afeta as relações de ensino e aprendizagem de crianças e adolescentes?

Expor crianças a práticas de ensino e aprendizagem inadequadas compromete o seu desenvolvimento nas múltiplas dimensões da vida. Tanto como as de ordem intelectual, quanto científica, física, emocional, cultural, social e econômica.

As famílias não detêm o conjunto de características necessárias para se alcançar o padrão mínimo de qualidade no que se refere às condições para efetivar o direito de aprender das crianças e dos adolescentes, conforme estabelecido pela Base Nacional Curricular Comum. A qualidade no ensino está diretamente relacionada à garantia de profissionais formados, aplicação de currículo adequado à faixa etária. Com atividades e programa pedagógico estruturado, ambiente estimulante e infraestrutura segura, eleição e uso intencional de materiais e recursos pedagógicos, bem como a mediação entre estudantes e educadores que só as escolas são capazes de proporcionar.

Por que as famílias não podem substituir os professores?

Famílias e escolas têm papéis importantes e complementares, porém uma não deve substituir a outra. Cabe aos professores e à educação escolar o desenvolvimento de conhecimentos, competências e habilidades conforme estabelecido na Base Nacional Curricular Comum. Dessa maneira, o ensino demanda valorização, formação e ritos que são exclusivos de uma categoria profissional, os profissionais da educação. Negar esse importante papel é ignorar a importância da profissionalização da área e considerar que qualquer pessoa pode assumir essa função. 

A regulamentação do ensino domiciliar desvaloriza toda uma categoria profissional. E reforça estereótipos sociais de que a educação tem pouco valor, pode ocorrer de qualquer maneira, sem lastro técnico. 

Como as famílias podem participar da vida escolar dos filhos?

As famílias são a primeira instituição social das crianças. Ela representa a inserção em um conjunto de valores morais e éticos, e também uma estrutura importantíssima no período de vida da infância, entendida como a etapa dos zero aos 18 anos. Ao passo que, o espaço familiar é repleto de oportunidades de aprendizagens para as crianças. 

Contudo, os papéis educativos de famílias e escolas são distintos. A educação que é promovida no ambiente familiar é mais ampla. Logo, as famílias devem e podem participar do processo educativo dos seus filhos, acompanhando e incentivando sua jornada escolar. É essencial que participem das reuniões promovidas pela escola, compondo e atuando para a qualidade do ensino nas Associações de Pais e Mestres ou Conselhos de Escola. Pesquisas mostram que esse tipo de participação na vida dos filhos é decisiva para a continuidade nos estudos e obtenção de melhores resultados em avaliações.



Qual o papel da escola como rede de proteção social de crianças e adolescentes e por que o ensino domiciliar não dá conta desse problema?

Para todos os estudantes, em especial para aqueles que se encontram em contexto de vulnerabilidade, o acesso à educação escolar tem sido o responsável para o reconhecimento de violações na infância e para o acesso à rede de proteção social, como segurança alimentar por meio da merenda escolar, saúde, benefícios sociais e culturais. Sendo assim, o ensino domiciliar é uma prerrogativa excludente de milhares de estudantes. Já que desconsidera o papel protetivo e preventivo que as escolas desempenham na vida de crianças e adolescentes.



Por que o ensino domiciliar não seria uma alternativa para estudantes em situação de vulnerabilidade que enfrentam barreiras no acesso e permanência na escola?

Sendo a educação um direito, é dever do Estado garantir estrutura e meios para o acesso à escola por crianças e adolescentes. Desse modo, a regulamentação do ensino domiciliar possibilitaria a segregação e a exclusão de estudantes e famílias que, por vezes, já enfrentam barreiras para acessar diferentes políticas públicas.

Como, por exemplo, os estudantes com deficiência, que conquistaram recentemente o direito ao acesso, aprendizagem e permanência na escola regular. Nesse sentido, a educação domiciliar pode representar novamente a discriminação por motivo de deficiência e a exclusão dessas pessoas, com um significativo retrocesso nos direitos conquistados. 

Como são as experiências de ensino domiciliar em outros países?

O ensino domiciliar é regularizado em mais de 60 países, entre eles Estados Unidos, Canadá, Colômbia, Equador e Paraguai. No entanto, é proibido em outros países, como na Alemanha e Suécia. Mas mesmo em países em que a prática é regularizada, há um investimento perene e sistemático na escola. Esforços contínuos em relação à qualidade da permanência dos estudantes, na valorização maciça da educação junto à sociedade e na qualificação do ensino por meio da formação dos profissionais da educação.

Confira a série de episódios em que especialistas explicam por que a educação domiciliar é um retrocesso:

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Ensino domiciliar representa retrocesso na educação

O Projeto de Lei 3.179/12, que permite que a educação básica seja oferecida em casa, está em debate na Câmara dos Deputados para regulamentação. A maioria das organizações da sociedade civil da defesa de crianças e adolescentes, da educação, entidades que representam profissionais do ensino e colegiados das redes públicas se opõem ao ensino domiciliar. Defendem que este modelo representa retrocesso na educação, na efetivação de políticas de direitos humanos, sobretudo no direito à educação.

Lamentamos que o governo federal tenha elencado o tema do ensino domiciliar como única prioridade para a educação neste ano legislativo. Em vez de propor a discussão sobre temas universais da educação brasileira, como a criação de um Sistema Nacional de Educação, a diminuição da evasão escolar, a inclusão digital de estudantes e professores ou a revisão do Fundeb, neste grave momento de aumento da pobreza educacional como reflexo da pandemia de Covid-19 optou-se por concentrar esforços em um tema que diz respeito a uma parcela pequena da população.

Os direitos constitucionais à educação, profissionalização, cultura, liberdade e à convivência comunitária são absoluta prioridade para crianças e adolescentes. É dever da família, sociedade e do Estado garantir o melhor interesse deste grupo. Dessa forma, o melhor interesse da criança e do adolescente deve prevalecer sempre. Por isso a agenda da educação domiciliar é uma pauta sobre o direito das crianças e adolescentes e não sobre a liberdade de escolha das famílias. 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Base Nacional Comum Curricular e o Plano Nacional de Educação buscam estabelecer padrões de qualidade mínimos na oferta de serviços educacionais. Sempre por meio de um processo permanente de construção compartilhada de sentidos, de experiências e de conhecimentos, que ocorre em espaços e tempos distintos e na relação entre pessoas.

O papel da escola

Nesse sentido, o papel da escola é muito mais amplo do que o de socialização. A escola é espaço de conhecimento físico, social, emocional, cognitivo e científico. Além de oferecer competências essenciais para a participação plena na sociedade em uma perspectiva cidadã, assim como no mercado de trabalho.

Para todos os estudantes, em especial para aqueles que se encontram em contexto de vulnerabilidade, o acesso à educação escolar tem sido o responsável para o reconhecimento de violações na infância e para o acesso à rede de proteção social. Sendo assim, o ensino domiciliar é uma prerrogativa excludente de milhares de estudantes. Pois desconsidera o papel protetivo e preventivo que as escolas desempenham na vida de crianças e adolescentes.

Para além dos argumentos sociais na defesa da educação escolar, está comprovado que políticas públicas indutoras de acesso e permanência em ambientes escolares são interdependentes e que a escola é um dos poucos fatores capazes de aumentar a riqueza de um país. Esta tese foi ganhadora do Prêmio Nobel em 1979, por Theodore Schultz. Ela comprovou que países mais desenvolvidos economicamente tinham maior investimento em capital humano, predominantemente pela educação escolar. Por outro lado, não há evidências consistentes ou indicadores de desenvolvimento sobre os efeitos da oferta do ensino domiciliar como política pública.

Por fim, o Alana entende que a família é responsável e importante nos processos educativos de crianças e adolescentes. Contudo, a legislação brasileira proíbe o ensino domiciliar. Justamente por entender que o espaço da escola exerce um papel central e insubstituível no cumprimento do dever estatal estabelecido constitucionalmente de garantir o direito fundamental à educação, bem como pela relevância da escola em promover os direitos à convivência comunitária.