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Tudo o que a ciência sabe sobre as mudanças do clima no Brasil

Alana participa da confecção de relatório que reúne informações do IPCC e de publicações científicas recentes para traçar um panorama e apontar caminhos

O MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), a Rede Clima, o WWF-Brasil e o Instituto Alana se uniram para levantar o que a ciência sabe sobre as mudanças climáticas no Brasil. Assim surgiu o relatório Mudança do Clima no Brasil – Síntese atualizada e perspectivas para decisões estratégicas, um documento científico que inclui os dados sobre o Brasil contidos no 6º Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), e informações de estudos nacionais e internacionais recentes. A publicação tem por objetivo facilitar o acesso aos dados sobre o impacto da mudança do clima no Brasil para formuladores de políticas públicas e também para pesquisadores, cientistas, professores, estudantes e imprensa.

“O documento é uma contribuição para o país, com o melhor da ciência climática, trazendo a realidade que está posta e quais são as ações necessárias para resolvê-la. É uma ferramenta fundamental para orientar políticas públicas que visem a justiça climática”, explica JP Amaral, gerente de Natureza do Instituto Alana.

Os cientistas já sabem que o aumento da frequência e da intensidade de eventos extremos, como secas prolongadas, enchentes e ondas de calor, se deve a atividades humanas, que liberam gases que provocam o aquecimento da Terra (os chamados gases de efeito estufa). O relatório afirma que a queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão) para produzir energia é a principal fonte de liberação desses gases, seguido por mudanças no uso do solo. Ou seja: tudo o que transforma áreas intocadas de floresta, cerrado, caatinga, etc em outro tipo de uso, como pastagem, plantio ou moradia. Isso inclui o desmatamento e o crescimento desordenado das cidades, por exemplo.

O que a ciência diz sobre o nosso país?
O relatório afirma que o Brasil já vive um aumento da temperatura média em todas as regiões. Essa elevação de temperatura faz com que a água evapore mais, tornando as estações e as áreas secas ainda mais secas, e, ao mesmo tempo, carregue mais umidade, o que provoca chuvas mais intensas, em menor espaço de tempo, nas regiões úmidas e durante estações chuvosas.

A área da Amazônia brasileira exposta à seca extrema, por exemplo, aumentou de 8%, em 2004/2005, para 46% em 2015/2016. Já a Caatinga perdeu quase 50% da sua cobertura vegetal original. E o Cerrado, uma das savanas mais diversas do mundo, com mais de 12,6 mil espécies de plantas, teve 657 espécies extintas, mais de quatro vezes o recorde global de extinção de espécies. Essas mudanças têm impactos não só nos biomas e nas espécies, mas também nas pessoas e nas cidades. Para se ter uma ideia, entre 1961 e 1990, o número de dias com ondas de calor não passava de sete. Esse número subiu para 20 dias entre 1991 e 2000; para 40 dias de 2001 a 2010, e para cerca de 52 dias, de 2011 a 2020. O que tem efeitos diretos e indiretos na saúde, na produção de alimentos e no abastecimento de água.

A boa notícia é que a ciência já tem os dados e a humanidade sabe quais são as ferramentas, tecnologias e soluções necessárias para enfrentar o problema e adaptar os lugares às mudanças que já estão em curso. Primeiro, será preciso que o Brasil e o mundo reduzam drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. No nosso caso, principalmente zerando o desmatamento, gerando energia apenas com fontes renováveis, como sol, vento e água, e implementando práticas agrícolas sustentáveis.

Também será fundamental fortalecer a governança climática, com a criação de mecanismos eficazes de coordenação entre os diferentes níveis de governo e a participação da sociedade civil na tomada de decisões. Além do intercâmbio de tecnologias e o financiamento por parte de países mais desenvolvidos. Essas políticas climáticas devem levar em conta as desigualdades sociais e garantir que os benefícios e os custos da transição para uma economia de baixo carbono sejam distribuídos de forma justa.

“Temos a oportunidade única de fazer as pazes com a natureza, criar cidades melhores para todos e de criar um futuro sustentável beneficiando principalmente, crianças e adolescentes, que estão entre as populações mais vulneráveis e que terão de conviver com esse clima alterado por mais tempo. Mas, para isso, precisamos agir rápido. A hora é agora!”, diz JP Amaral.

Foto de capa (crédito: Rodrigo Cabral (ASCOM/MCTI):
Na foto, JP Amaral – Gerente de Natureza do Instituto Alana; Juliana Miranda – Especialista em Políticas Públicas da WWF – Brasil; Andrea Latgé – Secretária de Políticas e Programas Estratégicos MCTI; Márcio Rojas – coordenador geral de Ciência do Clima do MCTI

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Instituto Alana colabora com relator da ONU sobre mudanças climáticas

Levar em consideração as desigualdades na hora de promover ações e ouvir crianças e adolescentes são as principais recomendações 

O Relator Especial da ONU sobre a promoção e proteção dos direitos humanos no contexto das mudanças climáticas abriu uma chamada para contribuições para a apresentação que fará na Assembleia Geral das Nações Unidas, em outubro, abordando o tema. O Instituto Alana apresentou seu posicionamento, que tem como linhas principais a necessidade de desenvolver o princípio da  justiça intergeracional, de considerar as desigualdades históricas entre Norte e Sul Global nas tomadas de decisão e, principalmente, ouvir os maiores interessados no tema: crianças e adolescentes de povos, comunidades e territórios mais afetados pelas mudanças climáticas. 

A ideia de justiça intergeracional engloba uma série de deveres e responsabilidades que as gerações presentes têm para proteger a existência e as condições de vida das futuras gerações. Ou seja, é preciso agir hoje com vistas a garantir que as crianças tenham direito a um ambiente saudável e sustentável. Embora ainda incipiente, esse conceito vem sendo incorporado no Brasil, especialmente no Supremo Tribunal Federal. 

Além de considerar e incluir o princípio da justiça intergeracional, é importante que sejam criados instrumentos efetivos para estabelecer as obrigações dos países na hora de prevenir e enfrentar os eventos extremos que têm acontecido, como secas prolongadas, enchentes e ondas de calor, que são consequência do modo como nos organizamos, produzimos e consumimos. Essas obrigações e instrumentos devem levar em consideração as enormes desigualdades existentes entre o Norte e o Sul globais, e também dentro dos países. Nesse sentido, o Instituto Alana acredita que é fundamental promover o diálogo entre os organismos internacionais de direitos humanos existentes e os povos e grupos populacionais mais afetados. Só assim será possível construir soluções sensíveis e adequadas. 

Ainda precisamos avançar no desenvolvimento de mecanismos processuais que considerem o melhor interesse de crianças e adolescentes, que são os mais afetados, em qualquer decisão judicial que possa atingir seus direitos. Para tanto, é necessário que os países adotem uma interpretação jurídica do direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável como um direito difuso e coletivo, para que possa ser reivindicado coletivamente, inclusive por crianças ou organizações. No Brasil, por exemplo, existem os artigos 225 e 227 da Constituição de 1988, que nos permitem afirmar e defender os direitos das crianças e adolescentes a um meio ambiente ecologicamente equilibrado com absoluta prioridade. 

Além disso, uma oportunidade para um maior avanço será o Comentário Geral n. 26 sobre os direitos da criança e meio ambiente, com foco especial nas mudanças climáticas, que está sendo atualmente desenvolvido pelo Comitê dos Direitos da Criança da ONU. Esse documento vai estabelecer diretrizes concretas e recomendações para que países, empresas, magistrados e sociedade garantam os direitos da criança e do meio ambiente, com foco em mudanças climáticas.

Outros documentos do Alana sobre o tema:

Legal Policy Brief

Artigo Jota: ‘Injustiça climática e equidade intergeracional

Comentário Geral 26: proteção global para as crianças e para o clima

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Mudanças climáticas: o que significam adaptação e mitigação e por que esse tema é importante para as infâncias

Apenas 20% do financiamento público global para o clima está destinado à adaptação; é preciso ir além e garantir ações efetivas para reduzir as vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas, especialmente para os grupos de maior risco, como as crianças

O mundo já vive uma série de efeitos das mudanças climáticas, que atinge bilhões de pessoas. Eventos climáticos extremos, como inundações, ondas de calor e secas prolongadas, ameaçam especialmente as populações mais vulneráveis. E a ponta mais frágil dessa história são as crianças, que veem a crise do clima colocar em risco uma enxurrada de direitos, dentre eles os mais básicos: seu direito à vida e ao desenvolvimento. Meninos e meninas estão classificados entre os mais vulneráveis pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o principal grupo de cientistas do mundo que estudam a crise climática.

É nesse contexto que se torna claro que os passos dados globalmente para conter os efeitos das mudanças climáticas já não são suficientes. Para garantir um planeta habitável para o presente e o futuro das crianças, não basta apenas firmar acordos para mitigar, ou seja, reduzir ou prevenir a emissão de gases de efeito estufa.

Isso porque, embora a mitigação seja uma ação importante e necessária, o mundo vai continuar esquentando mesmo que consigamos estabilizar as emissões. Os efeitos do aquecimento que já ocorreu são reais e estão sendo sentidos por todos ao redor do globo.

Por isso, precisamos ir além da mitigação e, junto com ela, aderir às ações de adaptação (soluções para reduzir danos, riscos e encontrar oportunidades) com mais força. Antecipar os efeitos da emergência climática que já estão ocorrendo e que virão e gerenciar suas consequências são atitudes que podem salvar vidas. 

Precisamos aprender a conviver, por exemplo, com os períodos mais longos de seca e com chuvas mais intensas em algumas regiões, que costumam provocar desastres como deslizamentos e enchentes. Precisamos nos adaptar a esse mundo em aquecimento e proteger os mais vulneráveis, como as crianças.

“Existe a oportunidade de apostar em ações de adaptação que transformem a infraestrutura urbana como as escolas, por exemplo utilizando soluções baseadas na natureza, contribuindo para preparar nossas cidades diante da crise climática, ao mesmo tempo em que se proporcionam ambientes onde as crianças possam brincar, crescer e se desenvolver melhor”, diz Bebel Barros, pesquisadora do programa Criança e Natureza.

– Leia também: ‘A gente não quer ter mais filhos’: é preciso parar o mercúrio

Os impactos do baixo financiamento público destinado à adaptação

Atualmente, apenas 20% do financiamento público global para o clima é destinado à adaptação. Se não houver um aumento significativo desse investimento, milhões de crianças sofrerão impactos irreversíveis que já foram desencadeados.

O Brasil, por exemplo, enfrenta um alto risco de inundação fluvial: em um cenário de altas emissões, projeta-se que, até 2030, mais de 78 mil pessoas possam estar em risco de inundação anual devido às mudanças climáticas.

Essas inundações costumam causar mortes por afogamento e surtos de doenças infecciosas, além de impactar a produção de alimentos e o abastecimento de água. Considerando os efeitos indiretos, podem ainda gerar estresse pós-traumático e deslocamento populacional.

Mesmo assim, não vemos ações efetivas serem tomadas. A Amazônia Legal, por exemplo, uma das regiões que mais chama a atenção do mundo quando o assunto é preservação ambiental, abrange nove estados brasileiros (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso) e nenhum deles possui sistemas de alerta ou planos de contingência permanentes para eventos extremos como enchentes, secas, incêndios florestais e ondas de calor.

– Leia também: A Amazônia é o lugar mais inseguro para ser criança no país

Um fundo para adaptar cidades e casas aos desastres climáticos

Diante de tais fatos, é fundamental que se estabeleçam políticas e fundos específicos para adaptar cidades, casas, escolas e toda a infraestrutura para eventuais desastres climáticos, e se destinem recursos para recuperar as perdas e danos dessas ocorrências, especialmente nos países mais vulneráveis. O tema deverá ser levado para a COP 27, que acontece em 2022 em Sharm el-Sheikh, no Egito. O Alana participa do evento com o objetivo de colocar pautas sobre justiça climática e infância no centro das negociações políticas. 

– Leia também: Campanha #KidsFirst na COP 27

“Nesta COP, serão debatidos avanços na meta global de adaptação e, em um possível fundo para perdas e danos, será necessário garantir medidas específicas para crianças e adolescentes, particularmente nos territórios onde moram, estudam e circulam, de modo a serem vistos e protegidos em primeiro lugar frente aos desastres climáticos. Os Estados devem colocar os direitos e as vozes das infâncias no centro de sua ação climática para motivar ações urgentes de mitigação, adaptação e financiamento”, defende JP Amaral, coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

A chamada Meta Global de Adaptação (GGA, a sigla em inglês para Global Goal on Adaptation) foi definida no Acordo de Paris com o objetivo de aumentar a capacidade de adaptação e resiliência global e reduzir as vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas. Um comitê de adaptação tem sido responsável por revisar o GGA e auxiliar os Estados-membros nas ações para avançar em direção à adaptação climática.

Em 2021, a COP 26 estabeleceu um programa de trabalho abrangente de dois anos entre Glasgow e Sharm el-Sheikh sobre a meta global de adaptação. Neste ano, entidades devem cobrar novas prioridades ao programa, como, por exemplo, o foco em serviços sociais que atendam crianças e comunidades de maior risco e o fortalecimento de dados e mecanismos de monitoramento para rastrear ou medir a resiliência dos serviços essenciais.

– Leia também: “A natureza está gritando, pedindo ajuda. Precisamos ouvir”

Secas, inundações, ondas de calor e eventos climáticos extremos atingem diretamente um amplo espectro de direitos das crianças, como seu direito à saúde e educação. Mas esse não precisa ser o futuro das crianças ao redor do mundo. Para que haja uma mudança de rumo, os países precisam inserir os direitos e as vozes das crianças no centro de sua ação climática, motivando ações urgentes de mitigação, adaptação e financiamento.

A rápida redução de emissões ainda deve ser priorizada enquanto a capacidade para a adaptação é radicalmente reforçada e medidas são postas em prática para proteger as crianças e seus direitos, inclusive em casos de perdas e danos. Avançar nesse sentido é bom para as crianças e para o planeta.

– Leia também: Pesquisa inédita mostra a percepção das crianças sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas