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Justiça ignora direito de mães e gestantes adolescentes no sistema socioeducativo, mostra pesquisa

Estudo traz dados inéditos que mostram que a Justiça tende a favorecer gestantes em relação às mães e que habeas corpus coletivo 143.641 beneficiou apenas 22% das meninas gestantes ou puérperas no sistema socioeducativo entre 2019 e 2021

Do total de adolescentes mães e gestantes em privação ou restrição de liberdade no sistema socioeducativo no Brasil, somente cerca de 22% foram beneficiadas, entre 2019 e 2021, pelo Habeas Corpus (HC) Coletivo nº 143.641, que permite a esse público a substituição da internação provisória por medidas não privativas de liberdade.

Este e outros números são apresentados na pesquisa Adolescência, maternidade e privação de liberdade: mães e gestantes no sistema socioeducativo entre 2018 e 2021, produzida pela pesquisadora Jalusa Silva de Arruda, professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a partir de dados inéditos coletados pelo Instituto Alana, que trazem informações sobre o perfil, a situação dessas meninas e do cumprimento do HC.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou pelo HC 143.641 que mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças de até 12 anos e de pessoas com deficiência tenham a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, em cumprimento às previsões contidas no Marco Legal da Primeira Infância, no Código de Processo Penal, na Constituição Federal e nas normas internacionais de direitos humanos. Apesar de o objeto principal do HC tratar de mulheres no sistema prisional, após pedido de extensão do Instituto Alana, o STF também concedeu a ordem às meninas adolescentes no sistema socioeducativo. 

Desde então, o Instituto Alana enviou, periodicamente, pedidos aos gestores da política de atendimento socioeducativo de todo o país, com o intuito de levantar informações, entre 2018 e 2021, sobre o número de meninas adolescentes grávidas, lactantes e mães, o de transgêneros, imigrantes e indígenas nas unidades de atendimento socioeducativo, e o total de beneficiadas pelo HC 143.641. Segundo a pesquisa, entre 2019 e 2021, 508 meninas gestantes ou mães passaram pelo sistema socioeducativo, e apenas 115 (cerca de 22%) foram beneficiadas pelo HC 143.641. Os estados do Ceará, São Paulo e o Distrito Federal concentram 60 (52%) das beneficiadas pelo HC nesse período. A pesquisa não inclui dados de 2018 sobre esse tópico em razão da incompletude dos dados coletados no ano.

Esses dados são inéditos, uma vez que não há um acompanhamento específico para essa parcela da população dentro do sistema socioeducativo, ainda que diversas organizações olhem para a situação de meninas de uma forma geral. Entre as diversas conclusões levantadas pela pesquisa, uma das principais é que o HC 143.641 é restritivo no sistema de justiça juvenil. Essa hipótese é confirmada pelo número significativamente alto de meninas adolescentes e jovens, especialmente mães, inseridas no sistema socioeducativo entre os anos de 2018 e 2021, assim como pelos dados coletados nas ações e recursos fundamentados no HC 143.641 nos tribunais de justiça estaduais e distrital.

A pesquisa também indica a tendência de o HC beneficiar mais gestantes do que mães, o que pode sugerir maior sensibilidade dos agentes dos sistemas de justiça e socioeducativo em relação ao estado gestacional do que àquelas que já têm filhos. Entre 2019 e 2021, havia 35 gestantes cumprindo medida socioeducativa de internação, que impõe a privação de liberdade – a mais grave prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente –, contra 259 meninas mães no mesmo período. 

“Não é possível assegurar os direitos das crianças sem permitir que essas mães possam cuidar adequadamente de seus filhos e filhas. Por isso, enxergar, reconhecer e cumprir o dever de criar e executar políticas públicas e estabelecer o funcionamento do sistema de justiça juvenil a partir de uma lógica garantidora de direitos, com especial atenção para a centralidade de necessidades das meninas e outros grupos vulnerabilizados, é um compromisso urgente a ser assumido por todos os órgãos do sistema de garantia de direitos, pela sociedade civil e por todos os operadores do direito. Esperamos que os dados e as reflexões propostas nesta pesquisa chamem atenção para essa necessidade e possam influenciar esses atores, principalmente do poder público, na urgência dessa tarefa”, ressalta Pedro Mendes, advogado do Instituto Alana.