Elas são as mais afetadas, as menos responsáveis pelas mudanças climáticas e não têm sido ouvidas ou priorizadas nas discussões e negociações da COP
Quase metade das crianças do mundo – 1 bilhão do total de 2,2 bilhões – vive em condições de risco climático extremamente elevado, ou seja, em áreas sujeitas a enchentes, ondas de calor e outros fenômenos severos, segundo o UNICEF. Não é só: mais de uma em cada quatro mortes de crianças com menos de 5 anos está direta ou indiretamente relacionada com riscos ambientais.
Problemas como poluição do ar, contaminação da água, escassez de alimentos ou precariedade no saneamento e higiene em decorrência da emergência climática gerada pelo consumo e pelo modo de produção de bens e alimentos, atingem as crianças mais duramente, provocando problemas que podem perdurar por toda a vida.
Embora já bastante afetadas e sem ter qualquer responsabilidade pelo estado atual das coisas, as crianças não são ouvidas ou priorizadas nas discussões e negociações da COP, ou Convenção das Partes, as reuniões anuais da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC), na qual países membros tratam do tema e fecham acordos com o objetivo de frear o aumento da temperatura da Terra, diminuindo o impacto para as pessoas e o meio ambiente.
Até o momento, nenhuma decisão tomada no âmbito da COP se concentrou na proteção de crianças e adolescentes frente à crise climática. E apenas 2,4% dos principais fundos climáticos multilaterais apoiam programas que levam essa população em conta. A proposta para a COP28, que será realizada entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes, é mudar essa realidade e começar a construção de uma COP das Crianças.
Alinhado com organizações internacionais de referência, o Alana vem abrindo espaços de incidência direta nas negociações e de articulação para que planos de adaptação e mitigação passem a considerar as necessidades específicas das crianças e a contemplá-las de forma ampla, observando direitos e interesses, além de ouvi-las nos espaços de debate e incluí-las nos acordos firmados.
“Uma COP das Crianças daria visibilidade ao impacto da crise climática nas vidas e nos direitos de crianças e adolescentes, com reflexo nos compromissos de países, especialmente do Brasil rumo à COP30, de empresas e de fundações filantrópicas. Crianças e adolescentes já têm contribuído ativamente por ações climáticas. Agora precisamos ouví-las e incluí-las de fato nas decisões globais”, diz JP Amaral, gerente de Meio Ambiente e Clima do Alana.
A própria Convenção sobre os Direitos da Criança, instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal, ratificado por 196 países, dispõe sobre a participação delas em assuntos que as envolvem. Segundo o Artigo 12, “os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular seus próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a ela, e tais opiniões devem ser consideradas, em função da idade e da maturidade da criança”.
Na COP27, que aconteceu em 2022, no Egito, o Alana conseguiu resultados significativos, com a campanha #KidsFirst, como a inclusão histórica de diversas medidas a respeito das crianças na decisão final. Agora, é a vez de construir um Plano de Ação para as Crianças, em inglês, Children’s Action Plan (CAP). Na COP28, o objetivo será consolidar politicamente esse plano, focando no diálogo com a presidência, a cargo dos Emirados Árabes, e na articulação com outros países do endosso a essa pauta.
Um Plano de Ação para as Crianças estabeleceria objetivos e atividades em áreas prioritárias destinadas a promover o conhecimento e a compreensão da ação climática sensível às crianças, levando em conta não apenas direitos, mas também suas vozes, por meio da participação plena, igualitária e significativa no processo da UNFCCC.
Na UNFCCC, as Partes devem trazer coerência entre a agenda climática, o trabalho do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, o Comentário Geral 26, que trata sobre os Direitos da Criança e o Meio Ambiente, com foco especial nas Mudanças Climáticas, e o foco renovado do Secretário-Geral da ONU nas crianças, nos jovens e na equidade intergeracional
Seis objetivos do Plano de Ação para as Crianças
1. Participação e liderança das crianças
As delegações das Partes que trabalham na COP devem permitir a participação das crianças em todos os processos, como parte da delegação nacional oficial, e criar espaço e oportunidade para a participação segura e significativa das crianças como Observadores. Para que suas vozes sejam ouvidas, é necessário realizar uma avaliação de riscos e desenvolver um plano abrangente de proteção, bem como garantir que a informação relacionada com a segurança e a proteção seja adequada e acessível às crianças. Há conhecimentos e boas práticas na comunidade dos direitos da criança sobre metodologias apropriadas e eficazes para a participação significativa e acessível que poderiam ser utilizadas – a cooperação internacional com organismos relevantes poderia apoiar esse processo de aprendizagem institucional.
2. Formação, geração de conhecimento e comunicação
A Ação para o Empoderamento Climático (ACE) é adotada pela UNFCCC e abrange a capacitação de todos os membros da sociedade para se envolverem na ação climática por meio da educação, formação, sensibilização pública, participação pública, acesso público à informação e cooperação internacional. A agenda da ACE deve passar a considerar as necessidades e prioridades das crianças e a participação delas deve ser garantida nas negociações. Além disso, o Plano de Ação para as Crianças contribuirá para a implementação das medidas relacionadas a elas, definidas no plano de ação do ACE na COP27, que inclui organização de uma sessão conjunta para discutir formas de melhorar a compreensão do papel das crianças na aceleração da implementação do ACE; promoção de redes e plataformas regionais e locais que apoiem o ACE, incentivando o envolvimento das crianças; e mapeamento e compilação de diretrizes e boas práticas existentes no que diz respeito à educação infantil e ao empoderamento na ação climática, com especial atenção dada à igualdade de gênero e à inclusão de pessoas com deficiência.
3. Local da COP adequado para crianças
A UNFCCC e a Presidência da COP devem garantir a participação das crianças antes, durante e depois da reunião, criando espaço e oportunidades para uma colaboração segura e significativa das crianças em todas as discussões, painéis e processos. É necessário estruturar e implementar procedimentos e políticas de salvaguarda da criança. As COP podem ser estressantes, com negociações intensas, em locais grandes e barulhentos e longos encontros. Por isso, o bem-estar das crianças precisa ser considerado e apoiado. Assim como os riscos relacionados com viagens, privacidade, bullying, intimidação e exposição em meios de comunicação. É necessário trabalhar em conjunto com as crianças para definir esses riscos e estratégias de mitigação, bem como criar um local convidativo para as crianças e seus cuidadores. Nessa direção, o relatório COP Fit for Children traz uma avaliação e recomendações com a experiência de COPs passadas.
4. Implementação e medidas de ação climática sensíveis às crianças
Colocar a defesa dos direitos das crianças como central na resposta às alterações climáticas, em um âmbito abrangente, incluindo adaptação, mitigação, financiamento e perdas e danos, destacando também áreas de ações futuras (por exemplo, ação climática baseada nos oceanos, que visa proteger e restaurar a saúde dos ecossistemas marinhos e construir uma economia oceânica sustentável), com igual atenção a iniciativas impulsionadas pela tecnologia e abordagens baseadas na natureza às alterações climáticas. Os planos de ação climática devem garantir que o cuidado de crianças pequenas seja uma prioridade, incluindo saúde, nutrição, cuidados responsivos, segurança, proteção e aprendizagem precoce, incluindo educação ecológica precoce.
5. Medidas em resposta às crianças afetadas pela desigualdade e pela discriminação
Garantir que crianças de comunidades marginalizadas ou em situações vulneráveis, nas quais as desigualdades e a discriminação cruzadas exacerbam os danos dos impactos climáticos sejam devidamente consideradas. Assegurar também sua participação equitativa, para que sejam incluídas nas respostas globais às alterações climáticas. Utilizar para tanto a compilação e análise de dados que incluam idade, gênero e deficiência da criança.
6. Monitoramento e reporte
Melhorar o acompanhamento da implementação de medidas em resposta às necessidades e aos interesses das crianças e à coerência entre a agenda climática, o trabalho do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e o foco renovado do Secretário-Geral da ONU para crianças, jovens e equidade intergeracional incorporando um maior foco nos direitos das crianças no processo da UNFCCC. Os relatórios precisam garantir um prazo e uma frequência para avaliar constantemente e informar a comunidade sobre os resultados das ações implementadas pelas Partes em relação aos direitos das crianças.