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Adolescentes entregam ao Papa Francisco pedido urgente pelo cuidado com as crianças e a natureza

As brasileiras Catarina Lorenzo e Maria Helena Garrido fazem parte do grupo co-organizado pelo Alana que levou adolescentes para falar em evento sobre a emergência climática, no Vaticano

“Estamos encarando desafios sistêmicos que são distintos, mas interconectados: a mudança climática, a perda de biodiversidade, a degradação do meio ambiente, disparidades globais, falta de segurança alimentar e ameaças à dignidade das pessoas, afetadas por todos esses desafios,” afirmou o Papa Francisco, em fala endereçada a participantes do evento “From Climate Crisis to Climate Resilience” (“Da Crise Climática à Resiliência Climática”, em português), organizado pela Sociedade de Cientistas do Vaticano entre os dias 15 a 17 de maio.

Durante o encontro, o Papa lamentou a piora crescente dos dados sobre a emergência climática, reforçando a necessidade de um chamado urgente para proteger as pessoas e a natureza, além de um plano coletivo para amparar os mais pobres, em especial as mulheres e as crianças, que carregam um fardo desproporcional e são mais vulneráveis aos efeitos de eventos extremos.

A baiana Catarina Lorenzo, de 17 anos, e a amazonense Maria Helena Garrido, de 16, foram duas das jovens que fizeram parte da delegação de crianças e adolescentes que compartilharam suas vivências e pontos de vista sobre a crise climática, durante o evento. A viagem foi organizada pelo Alana em parceria com UCLA (Universidade da Califórnia, em Los Angeles, nos Estados Unidos), UCLA Lab School e UMass Boston (Universidade de Massachusetts, em Boston, nos Estados Unidos), e contou ainda com a presença do ativista colombiano Francisco Vera, de 14 anos, e de quatro crianças e adolescentes que vivem nos Estados Unidos. 

“Foi uma honra conhecer o Papa. Foi um momento de ecoesperança [termo criado por Francisco Vera, que une ecologia e esperança] nas nossas vidas e estou muito feliz de poder passar por essa experiência ao lado de pessoas incríveis, com as que eu posso compartilhar meus conhecimentos e aprender muito,” disse Catarina, que, junto com a delegação, entregou ao Papa uma caixa com mais de 200 desenhos e mensagens de crianças de várias partes do mundo que respondem à pergunta: “Como os líderes mundiais podem ajudar a proteger as crianças e a natureza?”. 

Junto aos jovens, também fizeram parte da delegação a fundadora e presidente do Alana, Ana Lucia Villela, e Laís Fleury, líder de parcerias da Alana Foundation, que entregaram ao Sumo Pontífice um pedido para que seja elaborada uma nova Encíclica (Documento Pontifício) focada na proteção das crianças. O documento está sendo articulado em parceria com 49 organizações globais, entre elas o Instituto Liberta, Lux Mundi e o comitê da Unesco para combate aos maus-tratos infantis.

Nova Encíclica Papal

Em 2015, o Papa Francisco publicou a Encíclica “Laudato Si’” na qual demonstrou preocupação com o cuidado com a “nossa casa comum” e pediu uma ação conjunta para combater os efeitos da emergência climática. Em outubro de 2023, foi publicada a “Laudate Deum”, carta na qual o Papa reforçou a preocupação com o planeta “sendo maltratado” e disse que a reação ao agravamento da crise no clima não está sendo satisfatória. A carta, publicada em 2023, foi endereçada especialmente aos líderes participantes da COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes, com o pedido de que a conferência fizesse “entregas capazes de pensar mais no bem comum e no futuro dos seus filhos do que nos interesses contingentes de algum país ou empresa.”

Após o encontro com o Papa Francisco, no dia 16, a delegação de jovens teve a oportunidade de se reunir com a Pontifícia Comissão para Proteção dos Menores, grupo criado pelo Papa Francisco em 2014 para tratar de assuntos relativos à infância e à adolescência. No encontro com a comissão, todos os participantes da delegação compartilharam suas preocupações e pontos de vista com relação às questões do clima.

Aplausos de pé

Na última sexta-feira (17), a delegação esteve à frente de um painel no summit “From Climate Crisis to Climate Resilience”, moderado por Catarina Lorenzo. Maria Helena e Francisco, além de Lu Lipman (de 12 anos, dos EUA), Carlos Bautista (12, EUA), Daenisha Howard Oliver (18, EUA) e Sashoi Sanchez (18, EUA), fizeram falas emocionantes e trouxeram suas vivências como jovens ativistas do clima. 

“Não somos só o futuro, nós estamos e somos o presente. Viemos aqui para trazer mudança. O presente e o futuro nos pertencem e não podemos deixar ninguém para trás, em seus direitos, em seus futuros. Há um ditado em espanhol que diz: quando se perde a esperança já não há nada a se perder,” afirmou o colombiando Francisco Vera, que arrancou aplausos da plateia. 

Francisco terminou a fala com um apelo: “nosso presente e futuro estão em suas mãos, não permitam que a história lembre de vocês como aqueles que apoiaram esse atentado contra a vida. E contem com milhões de nós, ao redor do mundo, para enfrentar os desafios e construir uma sociedade com ecoesperança.” 

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Proteger a natureza e as infâncias: ações judiciais sobre a crise climática no Brasil

A crise climática é uma crise dos direitos das crianças; por isso, o Instituto Alana participa de ações no STF para garantir, no presente, um futuro para todas as infâncias do país, e para a própria natureza

Nos últimos anos, o Brasil tem visto as queimadas e o desmatamento aumentarem em ritmo acelerado e avançarem sobre vários biomas. Enquanto os órgãos de fiscalização, responsáveis por frear e prevenir esses problemas, sofrem um verdadeiro desmonte, fundos para financiar programas de preservação são paralisados. Esse contexto tem levado o país a judicializar cada vez mais a crise climática. Ou seja, tanto partidos políticos quanto organizações da sociedade civil têm entrado com processos no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar conter os retrocessos na pauta ambiental e proteger a natureza e as infâncias.

– Veja também: As infâncias entre telas e natureza

Em 2022, o STF recebeu sete ações relacionadas à garantia de medidas de preservação socioambiental,  no chamado “pacote verde”. O Instituto Alana participou de três dessas ações como amicus curiae (amigo da corte), com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador. E levou a voz das crianças, que são parte interessada por integrar um dos grupos mais vulneráveis aos efeitos da emergência climática, aos autos do processo. 

“Nesses mais de 400 desenhos e cartas que entregamos às vossas excelências, senhores ministros, as crianças são unânimes em pedir que a natureza seja cuidada e preservada. Para nós, do Alana, proteger a natureza é cuidar das crianças brasileiras com absoluta prioridade”, disse durante sua sustentação oral a advogada Angela Barbarulo, que coordenou o eixo de Justiça Climática e Socioambiental do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

– Leia também: Crianças dizem aos ministros do STF: deem uma chance para a Amazônia!

Não é usual que a mais alta corte do país paute tantas ações sobre o mesmo tema em uma única sessão, mas a gravidade do momento o exige. A taxa de desmatamento na Amazônia subiu 73% de 2019 a 2021, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Governo Federal. O desmatamento e as queimadas se intensificaram, aumentando a poluição do ar e a desestabilização do clima.

Segundo pesquisa do Ibope, 77%  dos brasileiros acreditam que a proteção à Amazônia deve ser prioridade. Ao pautar ações ligadas ao meio ambiente, o STF demonstra estar conectado com os anseios da população do país, e torna-se uma instituição essencial para frear omissões e pressionar governos a protegerem nosso meio ambiente.

– Leia também: A crise é do clima? Ou é nossa?

Reaver recursos do Fundo Amazônia e do Fundo Clima

Um dos processos pautados pelo STF trata sobre investimentos em defesa da Amazônia. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão a ADO 59 foi interposta em razão de o governo federal ter paralisado as atividades e deixado de disponibilizar os R$1,5 bilhões disponíveis no Fundo Amazônia, voltados para financiar projetos de preservação na Amazônia Legal. 

O governo brasileiro tem feito alterações no formato do fundo desde 2019, extinguindo os comitês técnico e orientador e impedindo sua atuação em novos projetos. Diante disso, a ministra Rosa Weber propôs que a União reative o Fundo Amazônia e não faça novas paralisações. A questão foi analisada este mês pelos demais membros da Corte e, por 10 votos a 1, os ministros determinaram a retomada do fundo em até 60 dias.

Dentre as ações do pacote verde do STF, estava também a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, que tratou da não alocação de recursos pelo governo federal, desde 2019, para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima). Em julho deste ano, a maioria dos ministros do STF proibiu o contingenciamento das receitas do fundo e determinou que a União adote as providências necessárias ao seu funcionamento, com a consequente destinação de recursos.

Desmatamento e desmonte da fiscalização

O desmatamento também foi levado para julgamento na Corte. Sete partidos políticos e dez entidades da sociedade civil — entre as quais, o Instituto Alana — ingressaram, em 2020, com a ADPF 760 para pedir na Justiça a retomada do cumprimento de metas estabelecidas pela legislação nacional e acordos internacionais assumidos pelo Brasil sobre mudanças climáticas.

Relatora da ação, a ministra Cármen Lúcia votou para que o STF determine às autoridades brasileiras a apresentação de um plano com metas, ações e dotação orçamentária para retomar atividades de controle e fiscalização ambiental, bem como o combate de crimes na Amazônia, resguardando os direitos dos povos indígenas. Mas o julgamento sobre a matéria foi suspenso por um pedido de vista do ministro André Mendonça.

Os padrões da qualidade do ar que respiramos

A ADI 6148 também foi pautada pelo STF. A ação contesta a Resolução Conama 491, de 2018, que estabelece padrões de qualidade do ar. Segundo o processo, essa resolução não regulamenta de forma eficaz e adequada tais padrões, sendo “vaga e permissiva” e deixando desprotegidos os direitos fundamentais à informação ambiental, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e, consequentemente, à vida. 

O STF não reconheceu a inconstitucionalidade da resolução, mas determinou que o Conama atualize a norma para que ela passe a ter “suficiente capacidade protetiva da qualidade do ar” em até dois anos. Caso não seja feita essa atualização, o país deverá considerar os padrões de qualidade do ar adotados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

O Instituto Alana, por meio do programa Criança e Natureza, atuou como amicus curiae na ADPF 760, ADO 59 e ADI 6148.

– Leia também: As crianças e a natureza nas mãos da Justiça

Brasil também judicializou a crise do pantanal

A crise climática vem provocando desequilíbrios também ao Pantanal, uma área de 150 mil quilômetros quadrados entre o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul, que abriga a maior planície inundável do planeta e representa um complexo com grande biodiversidade. Alvo de incêndios e queimadas, o Pantanal também viu sua própria crise ser levada à Justiça.

Na ADPF 857, quatro partidos políticos pedem um plano e ações para impedir que os incêndios que ocorreram no Pantanal, em 2020, voltem a repetir-se de forma agravada. Eles sustentam que o fogo, além de colocar em risco uma quantidade significativa de espécies de animais silvestres, avançou sobre terras indígenas e provocou imensos prejuízos econômicos, sociais e de saúde pública para esses povos. A situação, segundo argumentam, viola diversos princípios constitucionais.

Há outros processos com objetivo semelhante no STF. As ADPF 743 e 746 também foram impetradas para obrigar o governo federal a cumprir medidas contra o avanço e os efeitos das queimadas que atingem a Amazônia e o Pantanal.

Saúde indígena na pandemia levada à Justiça

Diante da falta de resposta das instituições brasileiras e do avanço da pandemia de covid-19 no país, a necessidade de ações para proteger os povos originários também foi judicializada. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) se juntou a partidos políticos e entidades da sociedade civil e impetrou, no STF, a ADPF 709 com o objetivo de combater a omissão do governo federal no combate à pandemia e cobrar medidas para proteger diversas etnias. A ação pedia, por exemplo, a instalação de barreiras sanitárias em territórios onde vivem povos isolados ou de recente contato, a fim de protegê-los.

– Veja também: Natureza é saúde na infância

Proteger o meio ambiente é proteger o futuro das crianças  

A má gestão socioambiental e climática no Brasil tem exigido ações contundentes da Justiça, especialmente para garantir a proteção de direitos dos mais vulneráveis. Neste grupo estão as crianças e os adolescentes, que sofrem de forma ampliada os efeitos da mudança climática.

A análise de tais ações pelo Supremo deve obrigatoriamente se basear nos direitos das crianças e dos adolescentes previstos no artigo 227 da Constituição, que assegura seu melhor interesse e a absoluta prioridade de seus direitos fundamentais, e também no artigo 225, que atribui o direito ao meio ambiente equilibrado o status de direito fundamental. Na prática, isso significa partir de uma visão de direitos humanos pautada na justiça, no respeito à vida humana e também à não humana, bem como na solidariedade intergeracional.

Proteger a natureza é cuidar das crianças brasileiras, um dever constitucional, uma regra jurídica, imposta a todos nós — famílias, sociedade, empresas e Estado —, e, para isso, o princípio da equidade intergeracional deve ser colocado no centro do debate quando pensamos no nosso futuro comum”, disse Angela Barbarulo.

– Leia também: Alana leva a realidade das infâncias frente à emergência climática para a COP 27