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Por que a emergência climática é uma crise dos direitos das crianças?

Embora seja o grupo que menos contribua para as mudanças climáticas, as crianças são as mais vulneráveis aos efeitos dessa crise, direta ou indiretamente. Hoje, quase todos os meninos e meninas do planeta estão expostos a pelo menos um risco ambiental decorrente da emergência climática

A emergência climática é uma crise dos direitos das crianças. São elas as que mais sofrem os seus efeitos ao terem seu desenvolvimento afetado e direitos violados por consequências que vão dos desastres naturais influenciados pelas mudanças climáticas à escassez de água e comida. Representando um terço da população global, as crianças vão sofrer por mais tempo as consequências da crise do clima sobre o seu futuro. E já veem ameaças no progresso, conquistado a duras penas, na garantia de seus direitos básicos. Por isso, precisam estar no centro do pensamento das políticas públicas de combate à crise.

Quase todas as crianças do planeta estão expostas a pelo menos um risco climático e ambiental, segundo um relatório publicado em 2021 pelo UNICEF, um fundo criado pela ONU para promover os direitos e o bem-estar de crianças e adolescentes em todo o mundo. Ao todo, conforme o documento, um bilhão das crianças do mundo, cerca de metade da população infantil mundial, vivem em países de risco extremamente alto, ou seja, estão altamente expostas a perigos e estresses climáticos e ambientais.

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Crianças têm direito à moradia digna, mas desastres naturais como inundações, cada vez mais frequentes, estão destruindo suas casas. Crianças têm direito à água e à alimentação, mas eventos climáticos extremos, desertificação e seca trazem escassez de água e de comida.

“As crianças, por estarem em um período peculiar de desenvolvimento e formação, são extremamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. Eventos climáticos extremos prejudicam diretamente um amplo espectro de direitos das crianças, incluindo seu direito à sobrevivência e ao desenvolvimento”, comenta Laís Fleury, Representante de Relações Internacionais da Alana Foundation. 

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Para se ter ideia do tamanho do problema, até 2030, as mudanças climáticas devem gerar 95 mil mortes a mais de crianças menores de cinco anos a cada ano por conta da desnutrição, segundo estimativas da ONU. 

Enquanto isso, o aumento das temperaturas vai elevando a incidência de doenças transmitidas pela água e por vetores, como malária, dengue, febre e diarreia. 80% das pessoas que morreram por malária em 2014 eram crianças, segundo o UNICEF. 

A crise impacta os mais básicos direitos infantis de sobreviver e de prosperar, de maneira que reduzir os riscos ambientais poderia evitar a morte de uma em cada quatro crianças no mundo, aponta a ONU. O cálculo leva em consideração um cenário em que esses riscos representam 25% da carga de doenças em crianças de até cinco anos. Trata-se, portanto, de um grave problema de saúde global.

Na prática, também assistimos os efeitos da emergência climática ameaçarem a educação. Se, por um lado, os eventos climáticos extremos estão destruindo escolas, por outro, a dificuldade de acesso à saúde e à alimentação afetam o desenvolvimento infantil e a capacidade de aprendizagem. Soma-se a isso a perda de renda familiar devido ao estresse climático, que empurra crianças à necessidade de ajudar nas tarefas domésticas e a trabalhar, aumentando o combo de violação de seus direitos.

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A vulnerabilidade das crianças na crise climática

Meninas, crianças pobres, indígenas, com deficiência e outras minorias são as primeiras e mais afetadas pelas mudanças climáticas. A emergência ainda tem levado famílias a migrarem, elevando o grupo de crianças em movimento para a travessia de fronteiras, muitas vezes distantes da escola e submetidas ao trabalho infantil.

Embora seja o grupo que menos contribua para a emergência climática, as crianças são as mais vulneráveis aos efeitos da crise, direta ou indiretamente. Por ter menos capacidade de regular sozinho sua temperatura corporal, quem tem até 5 anos de idade estará mais suscetível a ondas de calor tão extremas às quais, segundo estudos, 75% da população mundial estará exposta em 2100 que poderão até causar mortes.

Apesar das evidências das graves consequências das mudanças climáticas para as crianças, elas ainda são pouco ouvidas pelas estruturas internacionais e nacionais que trabalham a questão. 

Nesse contexto, promover a educação ambiental é essencial. As crianças precisam ser apoiadas para se protegerem das ameaças relacionadas ao clima e exercerem seu direito de serem escutadas sobre políticas e ações que buscam remediar danos. Elas precisam estar nas principais estruturas de governança climática. 

“Garantir uma educação de qualidade é assegurar que crianças, adolescentes e adultos tenham experiências significativas com e na natureza. Essas experiências podem ocorrer por meio da escola e seus territórios, dando condições para que os estudantes amem e cuidem da vida em todas as suas manifestações. Em perspectiva contextualizada, científica e crítica, a educação, então, deve abordar as questões que influenciam diretamente o presente e o futuro de nossas existências, fortalecendo uma cidadania ambiental e climática de forma transversal e interdisciplinar a todo currículo da escola”, diz Raquel Franzim, Diretora de Educação e Culturas Infantis do Alana.  

Recomendações para o direito a um meio ambiente equilibrado

Com o objetivo de garantir que o direito de todas as crianças e adolescentes a um meio ambiente ecologicamente equilibrado seja garantido com prioridade absoluta, o Instituto Alana, por meio do programa Criança e Natureza, contribuiu com a elaboração do Comentário Geral 26, um documento que cria recomendações e diretrizes para que países, empresas e sociedade garantam os direitos da criança e do meio ambiente, com foco em mudanças climáticas.

Essas recomendações são publicadas pelo Comitê dos Direitos da Criança, composto por 18 especialistas independentes, que monitoram a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU por parte dos Estados. Trata-se do tratado de direitos humanos mais aceito da história, ratificado por 196 países. 

O Comentário Geral 26 traz uma série de alertas. Um deles é sobre o racismo ambiental que coloca crianças e adolescentes do sul global dentre os mais afetados pela crise climática. O termo refere-se à urgência de pautar as causas, consequências e soluções para a emergência climática com uma perspectiva antirracista.

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O documento também destaca a necessidade de tratar os impactos da poluição do ar sobre esse público, de garantir acesso à natureza, à segurança alimentar e à água potável para todas as infâncias e, ainda, orienta para um cuidado especial com os direitos de crianças indígenas e de comunidades tradicionais, o grupo mais afetado pelo desmatamento, pela queimadas, pela contaminação por mercúrio e pelas mudanças climáticas, que perdem, com esse cenário em seu território, seu patrimônio cultural e seu direito à vida.

No Brasil, o desmatamento e as queimadas estão entre os principais fatores de emissão de gases de efeito estufa e afetam diretamente a saúde das crianças. Os picos das queimadas na Amazônia em 2019 ocasionaram na hospitalização de mais de 5 mil crianças por mês nas capitais da região por problemas respiratórios. 

Proteger os territórios dos povos indígenas, além de preservar sua memória e identidade, também é essencial do ponto de vista ambiental e climático. É urgente uma ação agressiva sobre a crise climática ou simplesmente não haverá mundo habitável para as crianças no presente e no futuro.

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