23/10/2024
Contribuição do Instituto Alana enviada à ONU aborda o uso de tecnologias, especialmente em audiências virtuais de justiça juvenil
Diversas mudanças, das individuais e cotidianas às coletivas e estruturais, aconteceram em um curto período de tempo devido à pandemia de Covid-19. Entre uma série de adaptações nas formas de existir, estudar, conviver, trabalhar e consumir, o judiciário também foi afetado: as audiências do sistema de justiça, especialmente as voltadas à justiça juvenil e sistema prisional, passaram a acontecer de forma híbrida ou 100% remota, ocasionando uma série de violações de direitos humanos que ainda precisam ser debatidas. O status de emergência da pandemia acabou, porém, no sistema de justiça, o formato que desprivilegia a audiência presencial permaneceu.
A fim de colocar em evidência como os direitos de crianças e adolescentes estão sendo considerados em audiências jurídicas em um cenário pós-pandemia, o Instituto Alana enviou uma contribuição ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que aborda como as tecnologias têm sido utilizadas no Brasil, especialmente em audiências virtuais voltadas à justiça juvenil. Apesar do formato remoto ou híbrido ter permanecido, não sendo utilizado apenas em caráter emergencial, a contribuição reforça que ainda faltam pesquisas e dados sobre os impactos desse tipo de mudança para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes.
- Veja também: Contribuições a órgãos nacionais e internacionais: o que são e como contribuem na prática?
Acesso à justiça em um mundo virtualizado
Segundo a contribuição do Instituto Alana, dois pontos essenciais refletem a situação do acesso virtualizado à justiça no país: a baixa aderência à tecnologia dos tribunais, que não contam com ferramentas adequadas de digitalização, sistemas desenvolvidos para audiências virtuais e regulamentos para o tratamento de dados; e desigualdades no acesso à internet e educação digital.
Em 2023, uma pesquisa do Insper revelou que apenas 36% dos tribunais estaduais adotaram disposições específicas para crianças e adolescentes inseridos no sistema de justiça juvenil, enquanto apenas 16% deles têm políticas de segurança de dados pessoais e de armazenamento das imagens das audiências virtuais. Além disso, dos 27 tribunais federais brasileiros, 18 demonstraram não possuir sistemas próprios para realização de audiências, o que os faz recorrer ao uso de ferramentas de empresas privadas, como Google Meets, Zoom e Microsoft Teams.
O que deve ser considerado nesse novo cenário?
Apesar do novo formato de audiências ter sido regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, direitos processuais essenciais para uma aplicação correta da lei, como a presunção de inocência, participação efetiva dos adolescentes nos atos processuais e a segurança da informação e da conexão, ainda precisam ser amplamente debatidos no sistema judiciário.
Uma das ações do Instituto Alana foi encomendar a pesquisa “Audiências por Videoconferência no Sistema de Justiça Juvenil: reflexões sobre o modelo, seus limites e potencialidades”, realizada pelo Coletivo NEIDE, que busca promover o aprimoramento das audiências virtuais no sistema de justiça juvenil. A pesquisa ressalta a maior possibilidade de participação de familiares e testemunhas como uma vantagem, pois não há necessidade de deslocamento para participação nas audiências. Já como desvantagens, são listados problemas de conectividade e falta de contato humano nas audiências, que impactam na efetividade da participação e na garantia dos direitos de crianças e adolescentes.
O estudo também destaca os desafios de garantir os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolesente (ECA) e da Constituição Federal em audiências remotas, como conversas privadas de adolescentes com seus advogados, para garantir o direito a uma defesa justa e ao devido processo. A falta desse procedimento pode levar à anulação do processo, porém, em diversas situações, a pesquisa mostra que a pré-entrevista não ocorreu.
Quais boas práticas podem ser adotadas? Segundo a contribuição, algumas delas são:
- Fornecimento de dados e pesquisas pelo poder judiciário sobre as ramificações do emprego de tecnologias na administração da justiça, particularmente no que diz respeito à recolha de testemunhos e audiências virtuais;
- Instituição de quadros regulamentares para garantir a prevenção, proteção e segurança de dados das crianças no sistema judicial;
- Adaptação das tecnologias a cada contexto jurídico e circunstância específica relativa aos direitos das crianças;
- Reconhecimento de que os atos processuais presenciais são inerentemente mais vantajosos para a garantia de direitos e mais humanos, especialmente para as crianças;
- Regulamentação e fiscalização a nível nacional da implantação tecnológica, com consideração explícita do melhor interesse de crianças e adolescentes.
Leia a contribuição do Alana na íntegra (em inglês).
Leia o report final (em inglês).