Uma família negra composta por mãe e filho. A mãe está sorridente e recebe um beijo da criança. A imagem ilustra a matéria "Instituto Alana aborda o direito ao cuidado sob a ótica das infâncias na Corte Interamericana de Direitos Humanos".

Instituto Alana aborda o direito ao cuidado sob a ótica das infâncias na Corte Interamericana de Direitos Humanos

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De que maneira o cuidado se relaciona com garantir os direitos de crianças e adolescentes? Na audiência pública “O conteúdo e o escopo do cuidado como direito humano e sua inter-relação com outros direitos”, realizada em San José (Costa Rica) pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH) na última quarta-feira (13), Pedro Hartung, Diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Instituto, representou o Alana em discurso que evidencia a importância do direito ao cuidado na infância e adolescência. A Corte IDH é um  dos três tribunais regionais de proteção dos direitos humanos, cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana dos Direitos Humanos.

Assista a participação de Pedro (a partir de 3:46:21):

Além de conectar o direito ao cuidado com os direitos de crianças e adolescentes, Hartung também destacou que cuidar não deve ser uma ação reservada apenas às vidas humanas, mas também não-humanas, em que a natureza deve ser o centro da tomada de decisões. Para ele, “a adoção de uma ética e de um direito ecocêntrico do cuidado nos leva a reconhecer que todas as formas de vida possuem valor intrínseco e que temos a responsabilidade de cuidar da natureza, não como uma mera fonte de recursos, serviços ou benefícios ambientais, mas como um parceiro vital na manutenção da vida na Terra”.

“É certo que não há vida humana sem o cuidado das crianças; mas também não há direitos, nem humanos sem o cuidado com a Natureza em todas as suas formas, expressões e dimensões de vida.”

As múltiplas dimensões do direito ao cuidado

No discurso, Hartung levou à Corte quatro pontos essenciais para que o direito ao cuidado seja efetivado:

  • A proteção dos direitos de crianças e adolescentes com prioridade absoluta como parte essencial do direito ao cuidado, com atenção às interseccionalidades de riscos e vulnerabilidades das múltiplas infâncias;
  • O  dever compartilhado, com base no dever de solidariedade, desta proteção entre todos e todas, agentes do estado e agentes privados, famílias e sociedade, incluindo empresas, conforme estabelecido no artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU;
  • A necessidade de cuidar de quem cuida, com atenção prioritárias às mulheres mães, negras e periféricas;
  • O estabelecimento de uma quarta dimensão do direito do cuidado, em que se estabeleça uma relação de cuidado dos humanos e outros seres vivos da Natureza.

Além dos quatro pontos listados, ele destaca que estratégias e políticas que garantam o direito ao cuidado de crianças e adolescentes devem ser estruturadas de forma interseccional, já que “diferentes grupos de crianças enfrentam impactos variados dessas desigualdades, destacando-se a necessidade de maior cuidado para crianças em situação de maior risco e vulnerabilidade, como aquelas com deficiência, na primeira infância, meninas e crianças negras e indígenas”. 

Como é o direito ao cuidado no Brasil?

“A maioria das crianças e adolescentes vítimas de mortes violentas intencionais no país são negras e cerca de 70% das vítimas de trabalho infantil no Brasil são crianças pretas ou pardas, muitas envolvidas em trabalho doméstico”, compartilha Hartung. No discurso, ele menciona as disparidades para a garantia do direito ao cuidado no Brasil, que se iniciam ainda na primeira infância. No país, a falta de acesso a creches e pré-escolas afeta 42,44% das crianças de 0 a 3 anos, enquanto 238.482 nascimentos de crianças com baixo peso em 2021 indicam desafios nutricionais e de saúde significativos.

O direito ao cuidado de crianças e adolescentes é um pilar fundamental dos direitos humanos, reconhecido em diversos instrumentos nacionais e internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas, apesar do reconhecimento formal, Hartung menciona que a efetivação desse direito ainda enfrenta uma série de desafios não só no Brasil, mas em toda a América Latina, “especialmente no que diz respeito à implementação e efetividade de políticas públicas e da proteção de crianças no ambiente familiar”.

“Infelizmente, as crianças e adolescentes na nossa região ainda são tratadas como objetos e não sujeitos de cuidado e de direitos, ficando à mercê de um poder estatal e familiar abusivos. Para que possamos mudar isso, toda e qualquer forma de cuidado deve estar dentro dos direitos e do melhor interesse de crianças e adolescentes.”

Qual é o papel da Corte IDH?

A Corte tem o objetivo de proteger os direitos humanos nas Américas. Ela interpreta tratados de direitos humanos, julga casos de violações individuais, estabelece precedentes legais, monitora o cumprimento das decisões e fornece assistência técnica aos Estados membros. Isso significa que os assuntos que são tratados pela Corte têm desdobramentos práticos nos países membros da OEA (Organização dos Estados Americanos), como o Brasil, seja na base de políticas públicas, adaptação de legislações ou argumentação jurídica. 

Por meio das opiniões consultivas, a Corte IDH responde às consultas formuladas pelos Estados membros da OEA ou seus órgãos sobre: a) a compatibilidade das normas internas com a Convenção; e b) a interpretação da Convenção ou de outros tratados relativos à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos. 

Nesse caso, em 2023, a República Argentina, Estado membro da OEA e Estado Parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, submeteu à Corte IDH o pedido de parecer consultivo para que a Corte defina o conteúdo e o alcance do direito ao cuidado e as obrigações correspondentes do Estado, de acordo com instrumentos internacionais de direitos humanos.

As questões específicas que foram enviadas no parecer consultivo da Argentina para que a Corte IDH responda dizem respeito a: (i) O direito humano de cuidar, de ser cuidado e de autocuidado; (ii) Igualdade e não discriminação em matéria de cuidados; (iii) Os cuidados e o direito à vida; e (iv) Os cuidados e sua vinculação com outros direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.