29/01/2025
O material registra o percurso formativo em educação inclusiva e bilíngue realizado em duas Unidades Municipais de Educação de Santos em 2021 e 2022, com foco no ensino de Libras para estudantes com e sem deficiência
A importância de uma escola para todos, que contemple as diversidades étnicas, sociais, culturais, intelectuais, físicas, sensoriais e de gênero, valorizando a equidade e a igualdade de oportunidades, foi a motivação do Instituto Alana e da Mais Diferenças para lançar a publicação “Caminhos para a formação continuada de professores na perspectiva bilíngue e inclusiva“. Acesse a publicação aqui.
O material apresenta o projeto “Alfabetização Bilíngue e Inclusiva”, da Secretaria Municipal de Educação de Santos, no estado de São Paulo. A iniciativa propôs um percurso formativo em educação inclusiva realizado em duas Unidades Municipais de Educação (UME) da cidade, a UME Pedro II e UME Vinte e Oito de Fevereiro, entre os anos de 2021 e 2022.
No contexto da implementação da Lei Municipal 3.653/2019, que prevê a inclusão da Língua Brasileira de Sinais (Libras) no currículo das instituições públicas e privadas de ensino no município de Santos, o projeto colocou em foco a questão do bilinguismo na escola comum como estratégia para a promoção da alfabetização e do letramento de estudantes com e sem deficiência do ensino fundamental.
A importância da aquisição e da presença de Libras no processo de desenvolvimento de estudantes surdos e ouvintes foi o que norteou a iniciativa, que teve como escopo a realização de formação continuada para educadores das duas UME. A educação bilíngue e inclusiva é fundamental para que os estudantes surdos não sejam isolados dos demais alunos e parte do princípio de que a cultura surda e a Libras devem estar presentes e ser valorizadas em igualdade de oportunidades com a língua portuguesa.
“A defesa e o fortalecimento de uma escola bilíngue inclusiva pressupõem que as pessoas ouvintes possam aprender a Libras como segunda língua, o que amplia as possibilidades de interação, de compartilhamento de experiências e de aprendizagem diversificada entre os estudantes. Ao reconhecer e reafirmar os direitos linguísticos e culturais das pessoas surdas, a escola se consagra, efetivamente, como um espaço para todos, onde as duas línguas são valorizadas e ganham vida em um processo intercultural”, explica Carla Mauch, fundadora e coordenadora da Mais Diferenças.
A publicação traz as premissas conceituais sobre alfabetização e letramento bilíngue e inclusivo e relata a experiência de formação dos educadores. O documento também apresenta registros de cenas de acompanhamento pedagógico nas escolas, em turmas de alunos com e sem deficiência, que ilustram possibilidades para a convivência bilíngue no cotidiano escolar. “Queremos mudar a ideia de ‘como fazer’ para o ‘fazer com’. A proposta é pensar e fazer juntos”, ressalta Carla.
O Currículo Santista, documento norteador das políticas educacionais de Santos, prevê “o ensino da Libras para todas as etapas do ensino na rede municipal”. Das 86 escolas do município, 80 possuem alunos com algum tipo de deficiência, de acordo com o Censo Escolar 2023. Quanto ao número de matrículas, dos 26.618 alunos matriculados no ensino regular da rede municipal, 1.522 (5,7%) têm algum tipo de deficiência. As duas escolas selecionadas para o projeto eram as unidades com mais alunos com deficiência na rede municipal, inclusive com o maior número de estudantes com deficiência auditiva e surdez, totalizando 19 matrículas em 2022.
Para cada escola, o projeto ofereceu 40 horas de formação continuada, com encontros que discutiram os princípios, marcos legais e conceituais da educação inclusiva; recursos de acessibilidade como direito e estratégia didático pedagógica diversificada para todos os estudantes, e não como adaptação; planejamento de práticas pedagógicas inclusivas; bilinguismo, cultura surda, pedagogia visual e a importância da Libras em contextos inclusivos, além das contribuições das diferentes linguagens artísticas ao fazer pedagógico e ao cotidiano escolar inclusivo.
Experiências inclusivas na sala de aula
Essa proposta rendeu experiências e momentos de trocas e aprendizados nas escolas. Um deles ocorreu em uma turma do 8º ano da UME Vinte e Oito de Fevereiro, na qual estavam uma professora ouvinte e um professor surdo. A atividade planejada para o dia era uma mediação de leitura a partir de um conto, mas a presença do pedagogo surdo, que narrou sua trajetória escolar bastante excludente, mobilizou a turma para uma conversa sobre inclusão, perspectivas de vida e de futuro. Uma estudante surda presente na sala, talvez motivada pela presença do educador, manifestou sua intenção de se tornar professora de Libras. Outra estudante ouvinte expressou: “E eu quero ser intérprete de Libras!”.
Cenas como essa mostram como escolas bilíngues e inclusivas trazem uma rica produção de sentidos e ampliação de repertórios. É por isso que a presença de professores surdos nas equipes escolares e a aprendizagem de Libras por toda a comunidade escolar são fundamentais, bem como a garantia de tradutor e intérprete de Libras em todas as atividades em que haja estudantes surdos e um investimento na formação de educadores que considere a interculturalidade, a pedagogia e o letramento visuais. Além disso, as escolas devem contar com a presença de materiais pedagógicos acessíveis, inclusivos e bilíngues.
“Todas essas diretrizes devem estar presentes desde a gestão da política pública, por meio de marcos normativos, financiamento para a operacionalização e funcionamento de escolas que sejam de fato para todos, até o compromisso de todas as pessoas que atuam no chão da escola”, defende Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana.
A esperança é que o projeto contribua para o debate sobre a importância de uma educação verdadeiramente inclusiva. “Trata-se de uma temática complexa, que nos demanda responsabilidade, tempo, atenção e generosidade para reiterar e renovar o compromisso público e coletivo da sociedade com a educação para todos”, conclui Beatriz.