27/09/2024
Alana foi uma das poucas organizações brasileiras a enviar relatórios, negociar com diplomatas e atuar em rede com entidades internacionais para a adoção do Pacto para o Futuro
Em um mundo ameaçado pela crise climática, conflitos e os desafios associados às novas tecnologias, a governança multilateral, com diversos compromissos assumidos entre países, segue sendo essencial para lidar com uma realidade cada vez mais complexa, interligada e em constante e rápida transformação. Foi com esse espírito de colaboração que os 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) participaram da Cúpula do Futuro, o Summit of the Future, para estabelecer um novo consenso internacional sobre a forma de melhorar o presente e de salvaguardar o futuro do planeta.
Entre os dias 22 e 23 de setembro, líderes globais e organizações da sociedade civil, como o Instituto Alana, se reuniram em Nova York, nos Estados Unidos, para discutir na Assembleia Geral da ONU, o Pacto para o Futuro e seus dois anexos, o Global Digital Compact (GDC) e a Declaração sobre as Gerações Futuras. Pedro Hartung, Diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Alana, acompanhou tudo presencialmente. O principal objetivo desse que é o mais amplo acordo global em muitos anos é garantir que as instituições internacionais possam cumprir suas funções em um mundo que mudou drasticamente.
Desde o início das negociações, o Alana esteve envolvido ativamente, contribuindo com recomendações e participando de todas as versões dos três documentos, desde o rascunho inicial até a versão final, com a missão de garantir que crianças e adolescentes, especialmente os do Sul Global — onde 75% deles vivem —, fossem incluídos e que seus direitos fossem considerados nessa importante discussão.
“É essencial que os direitos das crianças e adolescentes sejam considerados no Pacto para o Futuro, já que a própria Convenção sobre os Direitos da Criança reconhece que eles devem ser considerados primordialmente”, afirma Letícia Carvalho, advogada e assessora internacional do Alana.
O Pacto reconhece que “a geração atual de crianças e jovens é a maior da história, com a maioria vivendo em países em desenvolvimento”. Segundo Letícia, isso é especialmente importante, já que crianças dos países do chamado Sul Global estão em situação de maior vulnerabilidade tanto econômica quanto social.
“A inclusão dessa linguagem específica serve como instrumento para a nossa atuação nacional e internacional para fazer com que um compromisso, que foi acordado multilateralmente, seja de fato implementado por meio de políticas públicas que resultem em mudanças significativas para as crianças e adolescentes dos países do Sul Global”, explica a assessora internacional do Alana.
Na Cúpula do Futuro, o Instituto instou os Estados-membro da ONU a assegurar que os direitos humanos, com uma referência explícita aos direitos das crianças, e o compromisso de “não deixar ninguém para trás” sejam incluídos como questões transversais a serem consideradas nas deliberações sobre todos os grupos temáticos do Pacto para o Futuro. No grupo sobre Desenvolvimento Sustentável e Financeiro, por exemplo, o Alana incentivou os países a garantir que os direitos da infância continuem a ser uma parte fundamental da Agenda 2030 e que estejam no centro das discussões para moldar a Agenda pós-2030 e a Cúpula Social Mundial, em 2025.
No escopo do Global Digital Compact (ou Pacto Digital Global), um dos anexos do Pacto para o Futuro que propõe as bases para um futuro digital aberto, livre e seguro para todos, o Alana advogou pela proteção dos direitos das crianças como princípio fundamental e orientador deste acordo. Uma a cada três pessoas que estão na Internet é uma criança e, desde a pandemia de Covid-19, o desenvolvimento, as relações, a educação e o lazer na infância estão cada vez mais mediados por tecnologias digitais.
Por isso, regular e fazer cumprir a responsabilidade das empresas de respeitar os direitos das crianças e prevenir abusos, incluindo fornecer às crianças um alto nível de privacidade, segurança e proteção desde a concepção de ferramentas e dispositivos tecnológicos, é urgente para garantir os direitos desse público também no ambiente digital.
Crianças, jovens e futuras gerações
Sem adotar uma definição de “juventude”, a ONU faz uma sobreposição entre as demografias de crianças e jovens, o que, muitas vezes, acaba por suprimir as perspectivas e direitos específicos das primeiras. Em sua contribuição para a Declaração sobre as Gerações Futuras, no Pacto Global, o Alana defende que as iniciativas de envolvimento da juventude nos espaços de decisão da ONU – como a criação do Escritório da Juventude – contem com especialistas em direitos e proteção das crianças e também com a participação infantil.
O Alana entende que as crianças não devem ser incluídas em outros grupos, como “juventude” ou “futuras gerações”, termos que não são definidos pelo direito internacional e descrevem uma demografia separada com direitos diferentes (embora, às vezes, sobrepostos). A Nota de Orientação do Secretário-Geral sobre a Integração dos Direitos da Criança destacou o mesmo, assegurando que as crianças devem, portanto, ser mencionadas explicitamente, e seus direitos específicos refletidos em todas as estratégias, planos, documentos e comunicações relevantes da ONU, e não serem subsumidas em outros grupos, como “juventude” ou “jovens”.
À medida que a comunidade internacional trabalha para fortalecer o sistema multilateral para garantir que a juventude tenha o espaço merecido para contribuir para a tomada de decisões, os mesmos esforços devem ser feitos em favor das crianças. “Além disso, esse público é particularmente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas e outros desafios globais, e suas vozes precisam ser ouvidas nesses processos”, finaliza Letícia.
Foto de capa: Pedro Hartung, Diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Alana, e Ilona Szabó de Carvalho e Giovanna Marques Kuele, do Instituto Igarapé.