Adultização precoce

Adultização precoce

A adultização precoce acontece quando crianças e adolescentes são expostos a conteúdos, comportamentos, responsabilidades ou padrões estéticos típicos da vida adulta antes do tempo. Esse processo pode acontecer de forma direta, quando há incentivo explícito a essas práticas, ou indireta, por meio da exposição constante a referências e valores que antecipam etapas da vida. 

Isso interfere no desenvolvimento físico, emocional e social das crianças, principalmente das meninas, expostas também à erotização. Acontece até na hora da brincadeira, com a oferta de bonecas que reforçam padrões de beleza inalcançáveis.

A adultização precoce é também uma forma de exploração infantil, pois envolve o uso da imagem, do corpo e da vivência de crianças para gerar lucro, audiência ou atender interesses comerciais e de entretenimento, frequentemente sem considerar seu bem-estar ou respeitar direitos adquiridos. 

Desde a década de 1990, especialistas alertam para os impactos dessa exposição, como o estímulo à sexualidade precoce, a pressão estética e a incorporação de comportamentos que não condizem com a idade.

Historicamente, esse fenômeno foi observado em diferentes meios, especialmente na televisão, quando programas, novelas e publicidade colocavam crianças em papéis adultos ou as apresentavam de forma sexualizada para atrair audiência. Não era raro encontrar crianças sendo representadas por atores muito mais velhos que elas, por exemplo. 

A adultização precoce também aparece na sexualização de personagens de programas e filmes infantis. Elementos do universo adulto — como sapatos de salto alto e maquiagem — são apresentados às garotas, com efeitos psicológicos significativos. Segundo a Pretty Foundation, 38% das meninas de até 4 anos estão insatisfeitas com seu corpo. Entre as de 9 a 10 anos, mais da metade gostaria de perder peso, e 36,58% já fazem dietas.

Essas mensagens afetam de forma ainda mais intensa meninas negras, que lidam com a pressão estética somada ao racismo estrutural. Ao se depararem com tais referências, muitas crianças passam a acreditar que só serão aceitas socialmente se reproduzirem esses comportamentos e padrões.

Na internet e nas redes sociais

Com a expansão das redes sociais, a adultização precoce ganhou novas formas e alcance, amplificada por algoritmos e estratégias de monetização que priorizam conteúdos com alto potencial de engajamento — independentemente de serem prejudiciais ao desenvolvimento infantil. Casos recentes incluem:

  • Influenciadores mirins: crianças que produzem conteúdo com rotina, aparência ou linguagem de adultos, incentivadas a sensualizar, usar maquiagens pesadas ou adotar discursos e comportamentos incompatíveis com sua idade. Quanto mais visual e chamativo for o conteúdo, mais ele é impulsionado pelos algoritmos — e isso não considera a proteção da criança, apenas o lucro da plataforma.
  • Crianças promovendo jogos de azar: investigações mostraram que menores de idade têm sido usados para divulgar, em redes sociais, jogos ilegais como o “Jogo do tigrinho”. O objetivo é dar uma aparência de inocência ao produto — prática proibida no Brasil – e atrair o público mais jovem.
  • Famílias influenciadoras: perfis que transformam a vida cotidiana de crianças em conteúdo monetizado, expondo detalhes íntimos, dificuldades e momentos constrangedores para milhões de pessoas.
  • Vídeos com sexualização precoce: coreografias, desafios e encenações com conotação sexual, amplamente difundidos por algoritmos que favorecem vídeos com alto apelo visual. Conteúdos sexualizados com crianças são até 10 vezes mais recomendados pela plataforma do que conteúdos comuns, aumentando a exposição a públicos de risco.

Responsabilidade e enfrentamento

A responsabilidade pela adultização precoce não deve recair apenas sobre famílias ou indivíduos. Plataformas digitais e empresas que lucram com a exposição da imagem de crianças devem ser responsabilizadas por permitir, impulsionar e monetizar esse tipo de conteúdo.

Para combater esse problema, o Criança e Consumo, iniciativa do Instituto Alana, produz conteúdos de conscientização, aciona o poder público e denuncia práticas abusivas. Em 2024, por exemplo, denunciou ao Ministério Público de São Paulo a presença de influenciadores mirins promovendo sites de apostas, apontando a responsabilidade da Meta (dona do Instagram) e de empresas do setor.

Garantir o direito de crianças e adolescentes a uma infância protegida exige regulamentação das plataformas, fiscalização da publicidade direcionada, campanhas educativas e compromisso ético das empresas. A internet hoje não é segura para crianças e adolescentes — e protegê-los é dever de todos, inclusive do governo e das big techs.

A demanda da sociedade é clara: 9 em cada 10 brasileiros acreditam que as redes sociais fazem menos do que deveriam para proteger esse público. Ao mesmo tempo, 93% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos já acessam a internet, e o Brasil está entre os países com maior tempo de uso de telas.

Nesse contexto, o PL 2628/2022, em discussão na Câmara dos Deputados, é a proposta legislativa mais completa e avançada para responder a essa necessidade. O projeto estabelece regras para proteger crianças e adolescentes no ambiente digital, restringindo a coleta de dados, a veiculação de publicidade direcionada e a recomendação de conteúdos potencialmente nocivos. Portanto, sua aprovação é defendida por organizações da sociedade civil como passo decisivo para responsabilizar plataformas e empresas, garantindo que a lógica do lucro não se sobreponha aos direitos da infância, além de reafirmar o compromisso do Congresso Nacional com a proteção prioritária de crianças e adolescentes no ambiente digital.